Marionetes nas mãos de Deus

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Por Felipe Savietto

Vivemos na época do controle. (Pergunto-me, será que existiu alguma outra em que fosse diferente?) Cada um controla no nível que pode. As grandes corporações podem muito, e conseguem obter certo sucesso no controle do mercado econômico. Em épocas de atos secretos no senado e mais tantas outras corrupções, seria desnecessário descrever sobre manipulações políticas em favor de benefícios próprios. Embora, vale lembrar que a situação política contém uma amostra da população. Portanto, cada um manipula conforme pode. Manipular esta ao alcance de todos. Você pode manipular: imposto de renda, gastos através de produtos piratas, pagar meia-entrada sem que seja, de fato, um direito, obter vantagens no trabalho, etc. Como criticar um político corrupto quando se faz o mesmo? Existem até uns e-mails que circulam por aí fazendo comparações entre gastos e impostos, numa tentativa de aliviar a consciência de quem promove ações para se safar das taxas exageradas do Brasil. Moramos num país de impostos absurdos? Sim, mas é preciso pensar, será que nossas medidas frente a essa situação não refletem a mesma ruptura ética que tanto criticamos?

São as grandes marcas que escolhem quais modelos ditarão a moda da estação. São as empresas de entretenimento que irão escolher a programação da televisão. Para quem pode pagar uma TV por assinatura, existem diversas opções de escolha, mas de uma forma ou de outra, o telespectador vai escolher o que antes foi escolhido para estar disponível. Nesses poucos exemplos parece-me que manipular e ser manipulado é um aspecto enraizado no modo de se ver vida e vive-la. Por conseqüência, a relação que se estabelece com Deus sofre contaminações desse modelo no qual a sociedade se estrutura.

Conhece-se um Deus que, por definição, é amor. Entretanto, é um Deus cuja salvação é concedida somente por meio da aceitação da sua palavra. É preciso ajoelhar e adorar somente a Ele, mas, se assim não fizer, porque Ele é bom e amoroso, e gosta de você, ganharás a condenação eterna, onde haverá choro e ranger dentes. Sendo assim, é melhor servi-lo, já que, praticamente, não há escolha. Essa forma de serviço nada mais é que uma previdência privada espiritual. Vamos garantir um futuro bom e agradável na vida após a morte. Obviamente é um serviço com diversas implicações. Como se não bastasse, é necessário se moldar segundo o querer dessa divindade. Existem mandamentos a serem seguidos, posturas a serem tomadas e a vontade pessoal para ser renunciada. Sabe aquele seu sonho precioso? Esqueça! Renuncie ele em nome de Jesus. Tudo deve dar lugar a vontade superior de Deus, que é inabalável e opressiva. Muitos entendem que servir a Deus é ser escravo dEle. Deve-se agrada-Lo para obter seu favor. Dar o dízimo, cumprir a promessa, peregrinar, fazer correntes de oração, vigílias, perguntar se faço, ou não, se é para ir ou pra ficar, se digo sim ou não, etc, etc.

Dependendo da perspectiva que se vive o serviço a Deus, aquele que serve perde sua humanidade para tornar-se um “andróide”, fiel e submisso ao seu programador. Que Deus é esse que presenteia sua criatura com a liberdade, já com objetivos de que essa criatura se abdique desse presente como condição de salvação? Que Deus é esse que dá livre-arbítrio, mas condena quem não cumpre sua vontade?

Se Deus quisesse pessoas adestradas ele teria criado apenas animais. Mas não. Deus criou humanos com tamanha complexidade que deseja a amizade humana, sendo que a vida deve ser vivida na sua mais profunda completude e liberdade. Quando a relação com Deus se estabelece nos moldes de servidão descritos acima, penso que não existe profundidade no conhecimento da pessoa de Jesus. No evangelho de João Ele chama os seus de amigos e nos quer assim, não como escravos. Deus, através de Jesus é uma pessoa. E uma pessoa que quer se relacionar conosco enquanto pessoas que somos.

A amizade é uma relação de mudança. Um amigo adquiri do outro comportamentos característicos e, nem por isso, perdem a identidade. Com Deus é assim. A ação dEle na nossa vida não quer agredir o que somos, nossa personalidade, nem roubar nossa liberdade de ser e agir. O que Jesus deseja é uma amizade sincera e verdadeira. Esse é o principio do verdadeiro serviço. Conforme progredimos no conhecimento da pessoa de Jesus, tudo o que nos é próprio, tudo aquilo que somos vai tomando contato com o que Jesus é. Somos então mergulhados na pessoa de Jesus. E desse mergulho é que nasce a compreensão de quem verdadeiramente somos. Desse mergulho é que surgem as mudanças na nossa vida. Não porque fomos agredidos por uma vontade impetuosa, mas porque percebemos que, até então, aquele comportamento não refletia o que possuíamos de melhor. Até então, nossa humanidade era vivida erroneamente, egoisticamente, embebecida de orgulho e auto-suficiência.

Pela minha experiência, eu nunca soube de fato a vontade de Deus, porque, pelo menos comigo, Ele não fala claramente, nunca ouvi sua voz, ou vi com olhos humanos a sua pessoa me dar alguma direção. Recebo dEle aquilo que minha fé julgou receber. Quando me coloco em oração pedindo para fazer a vontade dEle, penso que toda inspiração que meu coração percebe, é na verdade a minha voz. Posso, pela fé, crer que aquela é a vontade de Deus, mas, fatalmente, seja lá qual pensamento me veio, ele surgiu em mim. Na falta da certeza de ouvir a voz de Deus, acredito que o trabalho que temos que fazer é sermos tão íntimos de Jesus ao ponto de que Ele transforme tudo o que há em nós. Quando coloco minha vontade sob a luz da minha amizade com Ele, percebo a diferença entre o querer do meu velho homem e posso assim contrastar com o querer do novo homem. Então, eu escolho fazer a vontade do novo homem. E prossigo nesse exercício até o ponto de que o velho homem nem ao menos ameace aparecer, estando completamente sepultado na cruz do calvário. “Renuncie a si mesmo” é uma ordem que só pode ser cumprida por uma vontade verdadeira, afirmando com sinceridade - “Eu não quero mais meu homem velho”. Mas deve ser um processo de transformação de sua vontade, que nada tem a ver com escravidão. Não quero trancar meus sonhos numa gaveta, nem ser um robozinho que diz “sim, sim. Não, não.” Não quero ser um escravo com uma personalidade ofuscada cuja passagem pela terra é para apenas cumprir a vontade de seu senhor. Não quero se marionete, sorrir para os irmãos porque é certo, pregar a palavra porque é uma ordem, fazer caridade porque Jesus mandou, perdoar porque tenho medo do inferno, e tantas outras coisas. Eu quero é a amizade com Deus, quero me aproximar dEle, ficar parecido com Ele, quero que as minhas decisões sejam as mesmas que Ele tomaria, que minhas falas sejam as mesmas, meus gestos sejam os mesmos, viver para o cumprir o querer dEle, porque fui transformado pela palavra dEle e assim transformei também o meu querer. Mas que, mesmo assim, em tudo isso eu ainda seja eu mesmo, meu homem novo sim, com meu jeito único de ser. Deus não nos rouba a personalidade. Ele a potencializa. Criou-nos únicos e distintos, para que cada um dos que passarem por essa Terra revelem um aspecto da sua pessoa. Deus não quer nos controlar. Ele quer que o conheçamos. È proposta e não imposição. Aqueles que disserem não a Ele, podem viver o seu direito de escolha, e terão um destino coerente com a escolha deles, nada de injusto acontecerá no fim.

Deus não exercerá nenhuma forma de controle injusto no final. Sua graça é para todos e nada podemos fazer para obter mais graça dEle, porque é uma graça que já nos é concedida em plenitude através de Jesus. Graça disponível a toda a humanidade. Todos vivem debaixo dela. O homem busca a Deus mesmo sem saber, tem saudades dAquele que o criou. E Ele acolherá a todo aquele que for humilde e se decidir por Ele. Acolherá a todos os que decidiram por Jesus, mesmo que não tenham uma decisão nomeada. Nem todos disseram, ou vão dizer, “Jesus eu te aceito”. Muitos aceitaram Jesus, mas não disseram o nome dEle porque não o conhecem. Ou, se conhecem, conhecem um Jesus deturpado, apresentado segundo as falhas do nosso caráter. Mostrado através de brigas, imposições, rivalidades, shows televisivos, e sei lá mais o que. Aceitaram sem que Jesus lhes fosse apresentado porque perceberam a sua maldade, própria do homem, e disseram não. Aceitaram porque estão em constante transformação e, mesmo que tateando pelo escuro, estão se aproximando de Jesus, as vezes, muito mais que os que se dizem cristãos. Lembremo-nos que “ … Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam” (atos 17,30).

Jesus, faca-nos livres, não permite em nós a escravidão. Da-nos a graça de Te conhecer cada dia mais, sermos parecidos contigo, confundidos contigo em nossos atos, pensamentos e palavras.

Autor: Felipe Savietto
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