Opinião: dízimos e ofertas

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Tenho observado dois efeitos corrosivos à alma provocados pela mercadização da fé, pela monetarização do dízimo, produzidas por clérigos evangélicos, seus asseclas e associados, e vendidas nas suas igrejas.

O primeiro é a projeção da imagem de Mamon, o deus do dinheiro, em Deus. Deus passa a ser percebido como se fosse um banqueiro ou a “mão invisível” do mercado que abençoa ou remunera de acordo com os investimentos que são feitos pelos clientes nas igrejas que passam a ser percebidas como agências bancárias e pregões das bolsas de valores celestiais. Os dízimos e as ofertas passam a ser concebidos como moedas de troca, ou melhor, como instrumentos de barganha, como se a vontade de Deus tivesse um valor venal, oscilasse conforme a oferta ou a fuga de capitais (leia-se dízimos e ofertas).

A lógica que subjaz essa operação é que quanto maior é o investimento maior é o retorno. Ou seja, se você mudar da COHAB da Barreira Grande, para um sobrado na Aclimação, para um apartamento com dois dormitórios e uma suíte no Tatuapé ou para uma cobertura no Alto da Boa Vista; se você vai deixar de andar de ônibus ou de carona, para andar de Uno Mille, de CrossFox ou de BMW; se você vai deixar de passar as férias numa quitinete emprestada na Praia Grande, para passar em Ubatuba, Porto de Galinhas ou em Bariloche, é tudo uma questão de quanto você vai ofertar. Só o dízimo é muito pouco para reivindicar um alto padrão de vida.

O indivíduo que se relaciona com Deus segundo essa lógica tende a se amesquinhar, a pensar que Deus tem que ser a “baba de seus desejos” porque afinal ele está pagando e caro para isso. Ele tende a achar que Deus é seu empresário, que vai projetá-lo no mundo da fama e do sucesso, e quando as coisas não acontecem conforme às suas expectativas, logo passa a desconfiar do caráter de Deus, da sua idoneidade em honrar os seus investimentos.

O segundo é a indiferença frequentemente transmutada em cinismo naqueles que outrora movidos por medo, boa-fé ou por ambições materiais, eram fiéis contribuintes, ofertavam com liberalidade, doavam bens valiosos para o sistema religioso. Mas depois que se desencantaram com o sistema religioso, que sua consciência foi desalienada da falácia dos mercadores da fé – muitas vezes através de quedas violentas na realidade dos fatos, marcada de surtos, roubos e/ou arrombos pastorais – cerram o coração, dessensibilizam a alma e fecham as torneiras monetárias. E o que é pior, muita gente passa a agir assim baseado numa suposta compreensão verdadeira do Espírito do Evangelho. Em nome da graça passam a des-graçar o Evangelho.

Ambos os efeitos são decorrências de um problema estrutural congênito ou adquirido, a má formação na consciência da compreensão do espírito do Evangelho. O Evangelho nos ensina de cabo a rabo através de Jesus e dos seus apóstolos que a contribuição - não precisamente o dízimo - é um mandamento da graça, que é ao mesmo tempo um privilégio, que acarreta bênçãos pessoais e coletivas quando é feita por amor a Jesus Cristo.

Não se trata que Deus nos amara mais se contribuirmos bastante, nos amará menos se contribuirmos pouco ou deixará de nos amar se não contribuirmos com nada. O amor de Deus é invariável, nada fará com que Ele nos ame mais ou nos ame menos.

O fato de sermos fiéis contribuintes não impedirá que fiquemos desempregados, que nossa casa seja assaltada, que nosso carro bata, que contraiamos uma doença grave ou que uma pessoa que amamos vá embora ou mora. Tampouco os que não contribuem ou contribuem irregularmente ficam impedidos de serem promovidos no emprego, de sair do aluguel para uma casa própria, de trocarem o seu carro popular por um importado, de ter sorte no amor e uma vida saudável. Nem sofreram os males descritos necessariamente como castigo divino por não ofertarem. Deus faz o sol nascer e a chuva cair sobre justos e injustos. (Mateus 5.45)

O mandamento reside que ao sermos sal da terra e luz do mundo nós horizontalizamos o amor de Deus, e mostramos com as nossas boas obras a autenticidade de nossa Fé (Tiago 2.18). E benção está no aumento da percepção do cuidado de Deus por nós conforme ofertamos, seja em dinheiro ou em serviço, por amor, não por medo ou ambição, não apenas no sustento dos que ministram o Evangelho e nas instituições facilitadoras da sua ministração, mas também na assistência aos pobres, aos enfermos, aos órfãos, aos encarcerados e a todos que sofrem.

Ao ofertamos no amor de Jesus temos a bênção de sermos libertos do poder do dinheiro, da maldição que sua fartura ou escassez provoca em nossas vidas quando ele se torna um deus. Isto porque ao contribuirmos demonstramos que confiamos que a providência Divina é infinitamente mais sábia para nos fazer prosperar – segundo o Evangelho que é Vida, não segundo o mercado que é morte - do que nossa capacidade administrativa, do que nossos conhecimentos de gestão de recursos.

Quem entende isso sabe que o que Paulo que dizer quando diz que o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância ceifará (2º Coríntios 9.6), não é que a economia divina é equivalente à economia de mercado. E sim, que quanto mais contribuímos mais nos desapegamos de matéria, mais nos conscientizamos da “desimportância” de tantas coisas que a gente considerava imprescindível para ser feliz, mais mudamos nossa escala de valores, e mais nos abrimos para um caminho sobremodo excelente, para uma nova dimensão, uma dimensão de Vida.

Por Julio César
Psicólogo e mestrando em Ciências da Religião

Fonte: [ Graça e Cia ]
Via: [ Jesus na matrix ]
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4 comentários

Graça e Paz!

Com a frase - "...a contribuição - não precisamente o dízimo - é um mandamento da graça, que é ao mesmo tempo um privilégio, que acarreta bênçãos pessoais e coletivas quando é feita por amor a Jesus Cristo.", e esta - "Ao ofertamos no amor de Jesus temos a bênção de sermos libertos do poder do dinheiro,..." o Irmão Julio César atingiu plenamente o alvo.

Quiçá fosse esse artigo tema de pregação em todos os templos cristãos, desde o início, não haveria margem para tanta aberração.

Não posso me negar a ratificar um comentário que fiz, indagando o porque dos pastores formados em seminários (não considero os indoutos, por razões óbvias)não levarem a sã doutrina às suas ovelhas; eu mesmo respondi: por conveniência ou conivência.

Se há uma linha comm entre TODAS as denominações , essa, indubitavelmente, é a pregação desviada do dízimo. Uma lástima.

Belo artigo, parabéns!

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Não há dúvida de que a contribuição não é moeda de troca,porém quero ressaltar que grande parte do povo cristão não é fiel nos dízimos e ofertas.Muitos dos cristãos que conheci já não devolviam seus dízimos a muito tempo.Nas denominações onde se crê que devemos dar apenas ofertas a maioria dá o que sobra sendo a pocentagem muito menor que dez por cento.Independente das despesas que uma congregação tenha ,os dízimos e ofertas são entregues a Deus e não aos homens,e é certo que aquele que semeia com amor terá resultados.O amor neste caso não deve ser interresseiro.Vejo muita gente reclamando das ofertas e dos dízimos serem pedidos.Não vi ainda um artigo que proteste contra a avareza do povo de Deus,um fato notável.Quem retém esta idolatrando o dinheiro,logo a mamom.Sugiro aos reclamantes que acompanhem a administração de uma igreja e veja quantas despesas uma congregação tem.Lembremo-nos de que uma igreja que abre diariamente e tem três ou mais reuniões ,gastará mais agua luz .Uma igreja com mais pastores ,gasta mais com as respectivas famílias.Se a igreja tem algum programa de rádio ou tv,terá mais gastos.Rádio e tv trazem gente nova para a igreja,o que leva o prédio a ser aumentado ou até mesmo haver mudança,para melhor acomodar os membros.No verão é necessário ar condicionado.Já fiz trabalhos em cidades que começaram com um salão pequeno,e reformas foram necessárias.No inverno foi necessário aquecimento e assim sucessivamente.Os que protestam contra as ofertas não sabem como sustentar e manter uma obra para Deus.

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Graça e paz!
Não podemos confundir Igreja de Deus com Instituição Religiosa! Pastores quase que obrigam seus membros a darem 10% de suas rendas e mais ofertas "voluntárias" porque estão sustentando uma Instituição, por isso precisam de dinheiro para pagar luz, água, gás, aluguéis, etc. São tantas contas que os "pastores" não veem outra alternativa carnal para se levantar receitas. A Igreja de Deus não precisa de luxo ou conforto, precisa de unção, união, poder, amizade, congregação e o principal Palavras/Sermões que sejam cristocêntricos! Dinheiro por obrigação NÃO!

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Patmos John mod

Cristianismo não combina com dízimo. Este nunca foi um ensino para a Igreja de Cristo. Devemos dar com amor e alegria. Os líderes das igrejas deveriam confiar mais no poder de Deus, pois acreditam que, se não ensinarem o dízimo judaico, faltará dinheiro para as contas da igreja. Pelo contrário, a igreja crescerá, mais forte e sadia doutrinariamente. Toda a Escritura é inspirada e útil para o ensino, e o dízimo precisa ser ensinado da forma correta, como era, para quem, sua finalidade, de que forma era entregue, etc. Não consigo entender como muitos líderes não têm temor de Deus, pela sua advertência em Mt. 23.23. Precisa ser mais claro? O que mais escandaliza o mundo secular é a questão do dízimo. Há algo de errado. O Evangelho não é matemática. Minha oração é que o Senhor nos dê um coração cada vez mais generoso, desapegado ao dinheiro. Podemos contribuir com 15, 20% ou mais do nosso salário sem sermos dizimistas; apenas ofertantes, conforme o ensino paulino às igrejas. Conseguem imaginar os judeus pescadores, como Pedro e André, entregando 10% dos peixes à Casa do Tesouro? Esforcemo-nos mais em cumprir a Lei de Cristo (amor), que é o resumo da Lei mosaica.

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