A prática pastoral e o púlpito saudável

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Por Joel Theodoro da Fonseca Jr.

Numa realidade pós-moderna qual deve ser nossa expectativa concernente ao púlpito? Estou convencido que, mesmo que tenhamos metodologias e argumentos tecnológicos que nos auxiliem e que sejam diferentes de outros tempos, a expectativa deve ser a mesma, qual seja alimentar o rebanho que o Senhor nos confiou de modo objetivo e eficaz.

Quando pensamos em revitalização, por exemplo, a pregação cristocêntrica é uma das armas de maior eficácia dentro daquilo que podemos fazer para trazer saúde ao rebanho. Num de seus capítulos, Reeder III e Swavely estabelecem isso apresentando a primazia da pregação como uma das estratégias adequadas para trazer uma comunidade de volta ao caminho da fé genuína. A ministração da Palavra, portanto, tem papel fundamental em tudo isso, já que a Bíblia nos mostra que é pela pregação da mesma que a fé se estabelece [1] e por ela vem libertação sobre o rebanho do Senhor.[2]

Reeder III e Swavely começam seu capítulo 8 simplesmente dizendo que “a igreja em Jerusalém foi concebida em oração (Atos 1) e nasceu num sermão (Atos 2)”,[3]  o que consideram um modelo deixado pelos apóstolos para todo tipo de liderança da Igreja do Senhor, especialmente para os pastores. Citam Atos 6.4 como paradigma, algo que se deu logo em seguida à escolha dos primeiros diáconos: “e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra.” E prosseguem dizendo que o ensino dos apóstolos é a Palavra proclamada, é claro, mas poderíamos também dizer que a fraternidade era a Palavra compartilhada, que o partir do pão era a ministração da Palavra visualizada e que a oração era a ministração da Palavra retornada.[4]

Ora, id
sso aponta para a importância que a Palavra tem esde o fundamento visível da Igreja. Mas o púlpito saudável prescinde de uma prática pastoral saudável, uma vez que a manutenção dos princípios estabelecidos por Deus passa pela vida entregue aos propósitos únicos de Deus. No mesmo capítulo, como reforço, os autores citados acima estabelecem alguns princípios que jamais podem deixar de existir no púlpito saudável. São eles:[5]

Uma mensagem do Evangelho: Devemos pregar a mensagem das Boas Novas da salvação, aquela que aponta para Cristo, autor e consumador da salvação;

Uma mensagem centrada em Cristo: A mensagem deve ser centrada na pessoa e no trabalho de Jesus Cristo, único capaz de nos conduzir à paz em Deus;

Uma mensagem dada por Deus: O propósito da pregação é comunicar a própria Palavra de Deus a todo aquele que carece do pronunciamento do Senhor;

Uma mensagem proveitosa: A mensagem que provém da Palavra de Deus é sempre proveitosa para o homem, de maneira integral à sua existência;

Uma mensagem que transforme vidas: A mensagem deve mostrar às pessoas como elas serão transformadas em todos os aspectos da vida;

Uma mensagem que equipe: A mensagem deve ter como foco encorajar, fortalecer e treinar os carentes de vigor;

Uma mensagem suficiente: Devemos pregar uma mensagem que seja por si só suficiente para estabelecer e atrair os que creem.

 Uma vez que tais princípios são levantados, é certo que somente poderão ser empregados e ativados no Corpo de Cristo através de uma prática pastoral saudável com vistas ao crescimento saudável do rebanho.

Chegamos a um interessante texto de Piper no qual ele chama nossa atenção para a profissionalização do pastorado, o que contribuiria em muito para o não cumprimento dos princípios com centro na Bíblia. Um dos capítulos do livro, o que me interessa neste ponto, chama-se “Irmãos, nós não somos profissionais”. Por si só o título denuncia as intenções do autor de mostrar a que viemos a partir da Palavra de Deus e no que muitos têm se transformado ao longo dos tempos. O texto segue uma linha positiva, não de ataques, mas de amáveis admoestações quase preventivas, procurando deixar em evidência o que é um pastor segundo a Bíblia de outro, segundo a profissionalização de nosso tempo.

Para Piper, não há meios de conectar os princípios da profissionalização com os do ministério pastoral, asseverando que o “profissionalismo não tem nada que ver com a essência e o cerne do ministério cristão. Quanto mais profissionais desejamos ser, mais morte espiritual deixaremos em nosso rastro.”[6]

Ora, quando olhamos para o púlpito e sabemos o que é preciso ser e fazer, devemos ter em mente a profundidade daquilo que Deus nos chamou a fazer e como é precioso o chamado para sermos pastores segundo o coração de Deus, pois é isso que Deus promete ao Seu povo desde tempos imemoriais ao lhe dizer "Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência."[7] Ao mesmo tempo, o mesmo profeta registra palavras do próprio Senhor advertindo que muitos pastores não seriam exatamente assim, quando diz claramente que muitos “pastores se tornaram estúpidos e não buscaram ao Senhor”,[8] outros tantos destruíram a vinha do Senhor, tornando árido o que era prazer para Ele,[9] estabelece advertência de castigo para os pastores que destroem e dispersam as ovelhas do Senhor [10], e volta a afirmar que pastores bons, que apascentem o Seu rebanho serão levantados para o bem das ovelhas e que o temor e o espanto das ovelhas desaparecerá, além de todas serem preservadas por Deus.[11]

Voltando ao texto de Piper, entendemos em seu pensamento que a prática pastoral e as ovelhas sadias têm íntima relação. Aliás, esse mesmo sentimento é transmitido pelos textos bíblicos acima, além de muitos outros. Piper nos chama atenção que devemos constantemente ansiar por Deus em oração e prosseguir em direção ao alvo para obter a santidade de Cristo e o prêmio do chamado soberano de Deus, ser cheios do Espírito Santo e jamais nos esquecermos de que os objetivos de nosso ministério são espirituais e eternos . Além disso, num interessante recorte, diz o autor:

"Porque me parece que Deus nos colocou a nós, pregadores, em último lugar no mundo. Somos loucos por causa de Cristo, mas os profissionais são sensatos; somos fracos, os profissionais, porém, são fortes. Eles são sempre honrados; mas ninguém nos respeita. Não tentamos garantir um estilo de vida profissional; antes, passamos fome, sede, nudez e falta de morada. Quando somos amaldiçoados, abençoamos; quando somos perseguidos, suportamos; quando caluniados, respondemos com amabilidade. Até agora nos tornamos a escória da terra, o lixo do mundo" (1Co 4.9-13). Temos mesmo?

Irmãos, nós não somos profissionais! Somos rejeitados. Somos estrangeiros e peregrinos no mundo (1Pe 2.11). A nossa cidadania está nos céus, de onde esperamos ansiosamente o Salvador (Fp 3.20). Não se pode profissionalizar o amor por seu aparecimento sem matá-lo. E isso significa morrer.
[13]

Ora, os nossos compromissos e a nossa ação no púlpito devem ser estabelecidos por Deus. Assim seremos pastores com prática saudável. Um interessante texto a acrescentar é o de Mark Driscoll que nos chama a atenção para o fato de podermos pregar um Evangelho relevante e contundente, a todas as pessoas que nos cercam, de maneira contextualizada e com perspectiva contemporânea, mas sem abandonar a centralidade do Evangelho e de Cristo como âmago da pregação[14]. A defesa de Driscoll é que podemos levar o cerne da mensagem de Deus sem que o conteúdo seja maculado pelas perspectivas pós-cristãs. Nesse aspecto, seus pressupostos se aproximam dos de Piper, mesmo com discursos em ambientações cognitivas diferentes.

Compreendemos então que nosso chamado é superior aos demais chamados nesta terra. Se desejarmos de fato ter ovelhas sadias sob nosso cuidado pastoral, precisamos urgentemente rever o púlpito que temos praticado, a qualidade do alimento que temos servido e como está nossa vida com o próprio Senhor que nos chamou para esse ministério. De nossa prática pastoral podem sair ovelhas doentes ou ovelhas sadias. O que fizermos deverá ser apresentado ao Senhor um dia e, por isso, há urgência em nossas ações nesse sentido.

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1 - Romanos 10.14: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?”
2 - João 8.32: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
3- REEDER III, H. L., & SWAVELY, D. (2008). From embers to a flame: how God can revitalize your church. Phillipsburg, New Jersey, USA: P&R Publishing, p. 107. Tradução livre.
4- Ibidem, p. 108.
5 - Ibidem, p. 110-119.
6 - PIPER, J. (2009). Irmãos, nós não somos profissionais: um apelo aos pastores para ter um ministério radical. (L. Palhares, Trad.) São Paulo, SP: Shedd, p. 15.
7 - Jeremias 3.15
8 - Jeremias 10.21
9 - Jeremias 12.10
10 - Jeremias 23.1,2; 25.34-36
11 - Jeremias 23.4
12 - Ibidem, 15-17
13 - Ibidem, 16
14 - DRISCOLL, M. (2009). Reformissão: como levar a mensagem sem comprometer o conteúdo. (M. M. ASSIS, Trad.) Niterói, RJ: Tempo de Colheita.

- Sobre o autor: Joel Theodoro da Fonseca Jr. é graduado em Teologia, Letras e Filosofia, e Mestre em Ciência da Literatura (Semiologia). Atualmente cursa Doutorado em Ministério pelo Reformed Theological Seminary em parceria com o Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper. Concluiu o curso de Liderança Avançada do Haggai Institute, em Cingapura. É pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil em Ramos, Rio de Janeiro, e é casado com Roberta Leonardo da Fonseca, com quem tem dois filhos, Gabriel e Rafaela.

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