O Estupro dos Cânticos de Salomão - 2/4

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Por John MacArthur

Francamente, é difícil pensar em um abuso mais terrível da Escritura que transformar os Cânticos de Salomão em pornô soft. Quando pessoas não conseguem mais ler esta porção da Escritura sem que imagens pornográficas entrem em suas mentes, a beleza do livro já tem sido corrompida, sua descrição da justiça amorosa pervertida, e sua função na santificação e elevação do relacionamento matrimonial desviada. Que pregadores façam isso no culto público é inconcebível.

Os Cânticos de Salomão são deliberadamente velados em eufemismos que, em qualquer medida, mostram-se belos. Algumas das imagens são absolutamente óbvias, outras altamente discutíveis. Em muitos lugares o significado é indistinto o bastante para permitir uma grande dose de imaginação hermenêutica, e a sabedoria parece ensinar que aqui —especialmente aqui — é melhor para o pregador não ser muito mais explícito do que o foi o Espírito Santo.

E encaremos isto: em geral, o Cântico está tão longe do explícito quanto pôde o escritor fazê-lo.

Além disso, desde que o simbolismo trata obviamente acerca de paixão, romance, amor, desejo e ternura, sua ambigüidade seve a um propósito deliberado: ela fala em termos secretos aquilo que deveria ser mantido em secreto. A linguagem é claramente concebida para comunicar afeições de privacidade íntima através de termos velados, confidenciais e quase clandestinos.

Este é um ponto vital: O estilo da comunicação entre aqueles dois amantes oculta belamente o significado mais essencial de suas canções de amor, de um modo que preserva a profundidade da privacidade pessoal (e divinamente pretendida) do leito conjugal.

O Cântico de Salomão é incrivelmente belo precisamente por ser tão cuidadosamente velado. É a perfeita descrição da maravilhosa e terna descoberta da intimidade que Deus designou que acontecesse entre um jovem homem e sua noiva num lugar de segredo. Nós não somos informados em termos vívidos o que todas as metáforas significam, porque a beleza da paixão conjugal está no olho do expectador — onde deve permanecer.

Tom Gledhill sabiamente resume este ponto em seu comentário sobre os Cânticos de Salomão (pp. 29-31):

Ao desempacotar metáforas e desembrulhar eufemismos [nos Cânticos de Salomão] pode acontecer que nossos pensamentos espiralem fora de controle, e acabemos por cometer adultério em nossas imaginações. E o que fazer então se a interpretação das Escrituras se mostrar ser uma pedra de tropeço, e uma causa de ofensa para alguns que crêem? ... Uma vez que uma linha particular de interpretação tem sido sugerida, é difícil não ver explícitas alusões sexuais em todos os lugares, até que todo o trabalho se torna saturado de referências a genitália, relações sexuais e sexo explícito.

... A resposta do Novo Testamento é muito clara e direta. Jesus disse, “Se teu olho direito te faz pecar, arranca-o... É melhor perder uma parte do corpo do que ter todo o corpo lançado no inferno”. Em outras palavras, não andemos em tentação de olhos abertos quando conhecemos nossas áreas específicas de fraqueza.

... A linguagem que usamos para descrever várias partes da anatomia humana (o que o apóstolo Paulo descreve como nossas ‘partes decorosas’) é um assunto para delicada sensibilidade... Quando [explicitadas inapropriadamente] palavras são usadas em discurso verbal, uma profunda desorientação toma lugar nos ouvintes, a qual tem uma tendência de bloquear, em grande medida, qualquer capacidade adicional para uma discussão racional. Eles agem, por assim dizer, como granadas de mão. Seu uso é uma atividade terrorista, causando destruição desenfreada.

Tremper Longman III diz o seguinte acerca dos pregadores e comentaristas que interpretam as imagens poéticas dos Cânticos em termos abertamente explícitos: “A livre associação [deles] com as imagens dos Cânticos é tão prevalecente que aprendemos muito mais sobre os interpretes que sobre o texto” (NICOT, p. 14).

Considere, por exemplo, a seguinte passagem de Cânticos de Salomão 4:12-16. Aqui Salomão descreve sua noiva com uma metáfora complexa empregando símbolos florais, e ela responde fazendo eco as imagens:

Jardim fechado é minha irmã, minha noiva, Sim, jardim fechado, fonte selada. Os teus renovos são um pomar de romãs, Com frutos excelentes; a hena juntamente com nardo, O nardo, e o açafrão, o cálamo, e o cinamomo, Com toda sorte de árvores de incenso; A mirra e o aloés, com todas as principais especiarias. És fonte de jardim, poço de águas vivas,correntes que manam do Líbano! Levanta-te, vento norte, E vem tu, vento sul; Assopra no meu jardim, espalha os seus aromas. Entre o meu amado no seu jardim, E coma os seus frutos excelentes!

Salomão descreve assim sua noiva como um jardim fechado e selado. Para ele, ela é um lugar agradável, cheio de aromas encantadores e substâncias tranqüilizantes. A descrição desenhada por ele é bela em todos os níveis. Os detalhes (“frutas escolhidas, hena com nardo, o nardo e o açafrão, o cálamo e o cinamomo... árvores de incenso, mirra” etc.) podem ou não possuir significados específicos que teriam sido conhecidos pela noiva.

O que todo interprete cauteloso pode dizer com certeza é que Salomão considera sua noiva aprazível a todas as suas percepções sensoriais. Ele, então, a compara à imagem mais agradável e bela que pode imaginar — ungüentos, fragrâncias e deleites visuais — tudo concentrado em um único e bem cultivado local. Um jardim. O jardim está “fechado”, o que, novamente, enfatiza a privacidade íntima do amor conjugal puro. Nada requer que o exegeta vá além disto. A própria Escritura não vai além disto.

“É franco, mas não é grosseiro”, disse Mark Driscoll num Domingo, a uma congregação escocesa, a menos de 18 meses atrás. Mas então ele continuou a parafrasear Salomão de uma maneira que foi totalmente grosseira e nem remotamente próxima daquilo que o Espírito Santo pretendeu. (Uma cópia em CD desta mensagem chocante, intitulada Sexo: Um Estudo das Partes Boas dos Cânticos de Salomão, me foi enviada por alguns cristãos do Reino Unido, profundamente ofendidos e preocupados. Esta é a razão primária de eu estar fazendo esta série).

Na mente de Driscoll, não é a noiva em si que é um jardim, mas uma parte específica de sua anatomia. Da maneira que ele recria a passagem, não é um poema sobre o deleite da privacidade que os cônjuges usufruem entre si; é uma maneira sorrateira de expor abertamente essa intimidade para que todos possam ver.

Em essência, ele trata os Cânticos de Salomão como a velha lenda urbana acerca das letras de “Louie, Louie”. Apenas aqueles com um conhecimento secreto podem realmente entender; e, portanto, seu verdadeiro significado deve ser algo sujo.

Esta abordagem satisfaz ouvidos lascivos. É difícil vê-lo como algo diferente de mero exibicionismo. O pior de tudo é que isto inverte todo o propósito dos Cânticos de Salomão.

Tremper Longman estava certo: eisegesi como esta não revela nada acerca do livro, mas tudo acerca do interprete.

Continua...

***
Fonte: Grace to you
Tradução: Nelson Ávila
Via: Em defesa da graça

Leia também: 
O Estupro dos Cânticos de Salomão - 1/4
O Estupro dos Cânticos de Salomão - 3/4 
O Estupro dos Cânticos de Salomão - 4/4 (em breve)
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