Você provavelmente é a regra

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Por Renato César


Existe uma notória atratividade que certos personagens bíblicos exercem sobre os cristãos, e não por acaso são largamente tomados como paradigmas por pregadores. Em geral, são citados como exemplos bem sucedidos a serem copiados e cujas bênçãos alcançadas devem ser também buscadas pelos crentes de hoje.

Davi está entre os prediletos. Chavões como “assim como o rei Davi venceu todas as suas batalhas, Deus fará você vencer também” são repetidos por muitos pregadores, com algumas variantes. Abraão, Jacó e Jó não ficam atrás, servindo de fundamento bíblico para que os crentes busquem dia após dia a prosperidade que o “Pai das bênçãos tem reservada para aqueles que são fiéis”. Existem ainda as promessas divinas retiradas da Bíblia, e de seu contexto imediato, indiscriminadamente aplicadas aos crentes nos dias atuais, tais como “Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado”, em Jusué 1:3.

É claro que temos muito o que aprender com os grandes personagens bíblicos, e é evidente que as palavras e promessas contidas nas Sagradas Escrituras devem servir, de alguma forma, para os crentes de hoje, se não a Palavra de Deus estaria ultrapassada. O problema, então, não está na Bíblia, mas na aplicação que se tem feito de seus ensinamentos. Mais especificamente, o desvio teológico contido em pregações e chavões evangélicos diz respeito à ênfase dada às recompensas em detrimento dos sacrifícios exigidos daqueles que servem a Deus.

Houve apenas um rei Davi, enquanto muitos milhares eram súditos. Igualmente, Deus não está atrás de alguém que carregue suas promessas para que ele possa constituir um povo para si. Este homem foi Abraão, e depois dele Isaque e Jacó. Os outros milhares, herdeiros dessa promessa, foram apenas pessoas comuns, assim como eu e você. A mesma lógica vale para todos os exemplos retirados da Bíblia e aplicados de modo genérico aos cristãos, como se todos tivessem acesso às mesmas bênçãos e promessas dos grandes nomes bíblicos.

Os pregadores parecem esquecer que enquanto Jó teve tudo que possuía antes de suas desventuras restituído em dobro, seus primeiros dez filhos morreram. Já em 2Sm 24:15 vemos o relato de que setenta mil homens morreram por conta do pecado cometido por Davi. Não seria, então, mais provável que estivéssemos no lugar destes que morreram que no lugar de Jó ou do rei Davi? Entretanto, somos frequentemente induzidos a nos colocarmos no lugar daqueles que foram materialmente abençoados ou de alguma forma bem sucedidos aos olhos humanos. E é essa falácia que fundamenta também heresias como a Teologia da Prosperidade.

O Rei dos reis nasceu num estábulo, foi pobre a vida inteira, rejeitado pelos seus e cravado numa cruz. A vitória de Cristo veio por meio de uma derrota aos olhos dos homens. Ser um profeta obediente a Deus, no Antigo Testamento, foi quase sempre sinônimo de sofrimento, e a coisa não mudou com João Batista, que se vestia com pelo de camelo e alimentava-se com mel silvestre até ser decapitado na prisão. E o que dizer de Estêvão, apedrejado por ser fiel a Cristo, ou de Paulo, cujos sofrimentos são por ele mesmo relatados em 2Co 11:24-28?

Muitos pregadores simplesmente desconsideram o sofrimento desses e tantos outros personagens bíblicos quando querem apresentar um evangelho de promessas de vitórias e prosperidade para os ouvintes. O lado difícil do serviço a Deus é descaradamente suplantado pelas bênçãos materiais registradas nas Escrituras e pelos exemplos que satisfaçam as intenções daqueles que por desonestidade ou ingenuidade apregoam uma vida cristã livre de perdas, doenças e tristezas.

Não podemos nos orientar por exceções. Tomemos os grandes nomes da Bíblia como exemplos, aprendamos com seus erros e acertos, mas sem deixar que a tentação de querer ser a exceção nos torne cegos diante da realidade de que quase certamente somos regra. 

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Sobre o autor: Renato César é cristão reformado, formado em administração de empresas e teologia, membro da IPB - Fortaleza/CE. Contatos: renatocesarmg@hotmail.com

Divulgação: Bereianos
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1 comentários:

Essa é uma discussão que eu tenho há muito tempo com os irmãos. Na verdade(como eles dizem que sou pessimista) acredito que Deus às vezes não se importa muito com o individuo e sim com os propositos gerais. Sempre prestei atenção nos textos e fico pensando em todos no Velho testamento que moirreram em inumeras batalhas. crianças que cresceram sem pais, esposas que ficaram viúvas. A calamidade vem sobre todos. mas isso não me faz odiar a Deus, na verdade faz-me apegar mais com ele pois preciso muito da sua misericordia, afinal de contas sou pecador e o salário do pecado é a morte.

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