A Graça Comum e o Mandato Cultural levam ao mundanismo?

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Por 
Leonardo Verona


Muitos acusam Abraham Kuyper e o denominado “Neocalvinismo” de introduzirem o mundanismo no seio da igreja quando explicitam o conceito de Graça Comum e a doutrina do Mandato Cultural. Antes de entrar no mérito da questão é importante fazer algumas considerações conceituais e históricas, mesmo que introdutórias.

A alcunha “neo” adicionada ao termo calvinismo refere-se ao movimento iniciado por Abraham Kuyper na Holanda, no século XIX, ao contextualizar as doutrinas reformadas, mormente as calvinistas, à realidade do seu período. Kuyper evidenciou algumas doutrinas que estavam nas entrelinhas ou foram pouco comentadas por Calvino, como o conceito de Graça Comum e do Mandato Cultural. A Graça Comum é definida, de modo geral, como as bênçãos de Deus derramadas a todos os seres humanos, independentemente de suas crenças. O favor de Deus para com todos os seres humanos limita a atuação do pecado no mundo e distribuí diversos dons e talentos para a humanidade. Já a doutrina do Mandato Cultural é conceituada como o mandamento de Deus proferido ao homem, nos capítulos iniciais de Gênesis, para dominar e sujeitar a natureza, e cultivar e guardar o jardim. Este mandato está diretamente relacionado à ideia de produzir cultura, envolvendo todas as esferas sociais da humanidade.

Após estas considerações iniciais, adentremos ao questionamento aduzido pelos críticos do Neocalvinismo contra as doutrinas supracitadas. A crítica baseia-se, de modo geral, que a introdução destes conceitos leva a igreja ao mundanismo. A ideia é que ao aceitarmos que os ímpios podem realizar coisas boas e que os cristãos devem atuar na transformação das estruturas sociais, estaremos negando a antítese existente entre os filhos de Deus e os filhos da perdição, negando a doutrina da depravação total e levando a igreja a um ativismo social, tirando o foco do evangelismo e do segundo advento de Cristo.

Desculpe-me a expressão, mas estes argumentos são uma completa tolice. Primeiro, a doutrina da Graça Comum, tão evidente nas Institutas de Calvino, mesmo que não rotulada com este nome, não nega a antítese, já que apenas reconhece que toda verdade procede de Deus. A negação desta doutrina nos leva a muitos problemas, já que grandes feitos produzidos por ímpios como a cura de doenças, técnicas avançadas de agricultura, grandes obras literárias e etc, deverão ser, inevitavelmente, atribuídos à pecaminosidade humana ou ao diabo, o que é ridículo. Calvino nos adverte em suas Institutas que ao não reconhecermos a verdade aonde quer que ela esteja estaremos correndo o risco de sermos insultuosos para com o Espírito Santo de Deus. 

Segundo, dizer que a Graça Comum é contrária a doutrina da Depravação Total é na verdade assinar um atestado de superficialidade com relação às doutrinas Reformadas! A Depravação Total não afirma que tudo que é produzido pelo ímpio é necessariamente mau e que o ser humano é absolutamente depravado, mas que o pecado afetou todas as áreas da existência humana, tornando o ser humano cego para a realidade de Deus, já que após a queda morremos espiritualmente. O ímpio, pela graça de Deus, pode produzir coisas boas, mesmo que por motivações equivocadas e não reconhecendo que seus talentos provêm de Deus. 

Em terceiro lugar, o Mandato Cultural não leva ao mundanismo, ao contrário, leva a “desmundanização” do mundo, perdoem-me o neologismo. Este mandato não tem como objetivo transformar o mundo para acelerar a volta de Cristo, como asseveram alguns, já que este foi proferido bem antes do primeiro advento. O fulcro do Mandato Cultural é a reconciliação de todas as esferas da vida, possibilitada pela obra vicária de Cristo, com a vontade original de Deus para a sua criação. Logo, a busca do cumprimento deste mandato não leva a um ativismo mundano da igreja, mas sim a verdadeira missão da fé cristã, que é a glória de Deus! Esta missão envolve todas as esferas da vida humana, inclusive o evangelismo. Devemos salientar que a busca por transformação não nos leva a crença de conseguirmos um mundo perfeito aqui e agora, já que esta perfeição só será alcançada na segunda vinda de Cristo. Entretanto, sabemos que o Reino de Deus já é chegado e nós cristãos somos seus cidadãos e embaixadores, logo não podemos nos conformar com as injustiças deste mundo, mas atuarmos, como base em Cristo, para que todas as coisas glorifiquem a Deus. Não podemos fechar os olhos para todo o mal existente e apenas esperarmos o segundo advento. Isto é uma crueldade, já que as necessidades e os problemas são prementes.

Logo, estas doutrinas, ao contrário do que seus críticos afirmam, não levam ao mundanismo, mas o evita, já que temos uma compreensão de mundo integral, fundada no logos que é Jesus Cristo.

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