Por que o Método Histórico-Crítico de Interpretação Bíblica deve ser rejeitado?

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Por Thiago Oliveira


Filho do espírito racionalista de sua época, numa sociedade pós-Iluminismo, esse método pretendeu tornar a Bíblia relevante para o homem inerente daquele período. Colocando a razão para medir o conteúdo das Escrituras, os adeptos da alta crítica (assim também é chamado o método histórico-crítico) negam bastantes coisas do relato canônico. Inclinados (conscientemente ou não) ao deísmo, creem num Deus Criador que após finalizar a criação deixou o mundo com suas leis bem estabelecidas, assim sendo, não há necessidade de intervenções transcendentais. Com isso, o relato da Queda não é visto como um fato real acontecido no espaço/tempo e todo registro de milagres é invalidado.


Por se apresentar como uma metodologia científica, pregando a neutralidade investigativa, muitos foram os teólogos que se admiraram com a proposta da alta crítica. Toda assertiva dogmática foi vista com desprezo e a produção teológica existente até então foi até ridicularizada. Adjetivos como infantil e supersticiosa foram termos pejorativos adotados para atacar outras escolas hermenêuticas.

O mote do método histórico-crítico o antecede. É justamente a ideia de separar Palavra de Deus e Escritura. De acordo com tal proposta, é preciso investigar dentro do cânon formal, isto é, os 66 livros da Bíblia Sagrada, o que é normativo para os cristãos. Essa investigação parte do pressuposto de que há erros na Escritura lado à lado com a Palavra revelada e autoritativa do SENHOR. Por isso, a razão de ser do método é separar - na Escritura – o que é divino e o que é humano. No entanto, não existe nenhum consenso entre os adeptos da alta crítica sobre quais trechos serviriam para compor o cânon normativo.

Contrariando a ortodoxia reformada de que a Escritura é suficiente e inerrante, a alta crítica não foi capaz, em mais de dois séculos de pesquisa, de elucidar o que de fato seria Palavra de Deus. Existe muito subjetivismo e isto obscurece o conteúdo bíblico. Eis um motivo para rejeitarmos o método histórico-crítico: Ele utiliza-se da razão natural e esta é incapaz de interagir corretamente com a Revelação Divina. O pecado tornou o intelecto humano incapacitado de reagir positivamente as coisas divinas, é o que a Teologia Reformada chama de “Depravação Total do Homem”. É necessário que haja iniciativa do Alto para que tudo aquilo que seja inerente a Deus seja descortinado e faça com que o homem, pelo poder do Espírito Santo, volte-se para o Todo-Poderoso e compreenda aquilo que Ele revelou sobre si mesmo.

Diante do caminho apontado pelo método histórico-crítico que não nos leva a lugar nenhum, é necessário utilizarmos uma hermenêutica que assegure a infalibilidade escriturística e a partir deste pressuposto, estudar a Bíblia tendo ela por Palavra de Deus, necessária e suficiente para andarmos instruídos segundo a vontade de Deus. Os reformadores utilizavam o método histórico-gramatical, talvez, incorporando recentes descobertas hermenêuticas a este método, caminhemos por uma via sadia, ortodoxa, que edifique a Igreja e - sobretudo - glorifique ao SENHOR dela.

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Divulgação: Bereianos
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1Co 13.1 (Línguas de anjos) - você entende esse versículo?

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Em 1Co 13:1 está escrito: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa...". Você entende esse versículo? Assista:



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Animação: Leandro Boer
Narração: Sofia Granconato
Texto: Marcos Granconato
Realização: Igreja Batista Redenção
Fonte: Thomas tronco, canal Youtube
Arte do artigo: Ilustração de Leandro Boer, adaptada ao Blog Bereianos


Confira os outros vídeos da série aqui!

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Predestinação sem sentido

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Por Peter Pike


Ao considerar o Arminianismo, há muita coisa que eu acho que simplesmente não faz qualquer sentido sobre ele. Na verdade, se eu tivesse quaisquer inclinações arminianas à esquerda, eu acho que eu seria um teísta aberto porque eu não considero muito o arminianismo como um todo consistente. Eu irei tratar apenas de uma área aqui: a predestinação absoluta no arminianismo.

Agora, para o crédito deles, a maioria dos arminianos reconhecem a predestinação. É difícil negar dado as passagens como Romanos 8.29 e Efésios 1.5, 11 que na verdade usam a palavra “predestinados”. Mas eu tenho descoberto que arminianos de internet com quem eu tenho discutido tendem a fracassar em dois campos quando vem à tona a predestinação. O primeiro campo acredita que a predestinação é o que Deus faz quando Ele examina o que o futuro será e então decide fazê-lo assim. O segundo campo acredita que a predestinação é quando Deus seleciona por grupos (não indivíduos) para serem apontados para a salvação.

Mas em nenhum caso a predestinação é de fato necessária ou útil. Por que Deus precisaria olhar através do tempo para declarar: “o que vai acontecer é o que vai acontecer” quando o que vai acontecer vai acontecer ainda que ele não olhe através do tempo? Aqueles que têm apresentado esta visão para mim estão decididos de que Deus não está executando nenhuma mudança ao predestinar o que acontecerá. Afinal de contas, o ponto todo de tal conceito de predestinação é evitar Deus de ser o fator determinante de quem é salvo e quem é condenado. Mas na verdade, este ponto de vista torna a predestinação como equivalente à presciência (pelo qual eu quero dizer a presciência da qual os arminianos tipicamente falam, não a visão reformada que leva junto ao aspecto do “conhecimento” a ideia de amor de Deus). Em resumo, o arminiano está dizendo que Deus prevê o que acontecerá e então predestina o que ele prevê, mas sua predestinação é simplesmente uma atualização de sua presciência. Isto é totalmente sem sentido aqui.

Mas e quanto ao segundo campo que defende que o que Deus predestina são os grupos ou classes de pessoas? Uma vez mais, isto torna a predestinação desnecessária. Primeiramente, não há vantagem de predestinar uma classe de pessoas se você não está também predestinando os membros daquela classe. Por um lado, sem predestinar os membros você nem mesmo sabe se haverá quaisquer membros até que depois o tempo se desenrole (assim para preencher a classe, a versão arminiana de Deus vai ter de recorrer aos procedimentos desnecessários discutidos nos parágrafos anteriores a respeito da presciência). Por outro lado, o conteúdo do decreto não afeta as escolhas de ninguém (isto é crítico no arminianismo, pois Deus absolutamente não pode violar a liberdade sem destruir a responsabilidade, etc) e portanto este decreto pode simplesmente tão facilmente vir no final do tempo em vez de antemão. Finalmente, se tudo que a predestinação é resume-se a Deus dizer: “Eu vou tratar as pessoas que se encontram nesta condição específica nesta maneira específica” então qual é a diferença entre predestinação e a clara lei antiga? As leis de Deus especificamente dizem coisas como “Todo animal que tem unhas fendidas, mas cuja fenda não as divide em duas, e que não rumina, será para vós imundo; qualquer que tocar neles será imundo.” (Levítico 11.26). Isto é predestinação? E qual é a diferença entre dizer: “Se alguém tocar em animal impuro ele será impuro” e “se alguém crê em Cristo será salvo” em termos de estrutura de classe e grupos de pessoas?

Assim, me parece que não há propósito para a predestinação no Arminianismo, embora haja versos usando este termo. Por que Deus faria algo totalmente sem sentido e irrelevante? Por que ele em vez disso não teria uma razão para a predestinação, assim como o calvinista vê?

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Fonte: Triablogue
Tradução: Francisco Alison Silva Aquino
Via: Pelo Calvinismo

Um dos melhores blogs sobre calvinismo em português, assim definimos o blog Pelo Calvinismo. São várias traduções de textos excelentes, feitas pelo irmão Alison Aquino. Recomendamos!
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Hipocrisia: uma falsa devoção



Por Leonardo Dâmaso


Texto base: Lucas 12.1-3

Introdução

No capítulo anterior do Evangelho de Lucas (11.14-54), a multidão e, especialmente os fariseus e escribas foram o alvo do discurso de Jesus. Agora, no capítulo 12, os apóstolos [ainda discípulos] (vs.1, 22) e a multidão (vs.54) são o alvo do discurso de Jesus. Se no capítulo anterior Jesus falou para a multidão e os líderes religiosos, no capítulo em voga Ele fala da multidão e dos líderes religiosos para os discípulos e a multidão.  

          
A primeira parte do discurso de Jesus, ainda que proferida perante uma numerosa multidão, após ele ter saído da casa de um fariseu, onde fora convidado por ele para comer (11.37-53), é dirigida especialmente aos seus discípulos (12.1-2). A segunda parte, por sua vez, é dirigida à multidão (para mais detalhes, veja os versículos 13-14,16, 22,54). 

O extenso discurso de Jesus relatado neste capítulo é uma série de discursos diferentes para públicos diferentes. Jesus falava tanto em particular com os seus discípulos quanto de maneira geral às vastas multidões que o seguiam. Este discurso continua até o versículo 12.   

  
É bem provável que todo o conteúdo do capítulo 12 seja um discurso sucessivo de Jesus, porém, com duas interpelações quando ele deixava de falar por instantes (12.13-15,41). A primeira delas foi feita por um homem que estava na multidão. 

Ele queria que Jesus o apoiasse numa disputa de herança familiar (12.13-15). A segunda foi feita por Pedro, visto que ele queria saber se a parábola proferida por Jesus era dirigida aos discípulos ou a todos (12.41). Portanto, o tema do discurso inicial de Jesus aqui é uma advertência contra a hipocrisia religiosa.


O esboço analítico desta perícope pode ser dividido em 3 pontos:

Primeiro, vemos um solene conselho de Jesus aos seus discípulos – apóstolos (vs.1); segundo, ele afirma terminantemente que toda hipocrisia praticada em secreto será um dia revelada (vs.2-3); e, finalmente, Jesus tece um conselho para todos (vs.3).



Explanação

1) Um conselho imprescindível (12.1) 


O confronto intelectual de Jesus com os fariseus, descrito em Lucas 11.14-36, concernente ao seu ministério na Galiléia, não está em foco aqui. Após cessar o seu discurso que refutava os fariseus, um deles convidou Jesus para comer em sua casa (11.37). Sendo assim, temos, agora, outro evento a lume. 


O conselho de Jesus para a abstenção do “fermento dos fariseus”, registrado em Marcus 8.15 refere-se a um fato ocorrido durante o seu ministério do retiro. Desse modo, não temos aqui, em Lucas 12.1-3, um paralelo do mesmo acontecimento. Lucas relata o que talvez tenha ocorrido mais tarde durante o ministério de Jesus na Peréia. 


Logo, a situação presente é uma continuação de um novo fato que começou em Lucas 11.37. Jesus e os discípulos não estão mais na casa do fariseu que o convidou para comer. Senão vejamos as lições que Jesus nos ensina através desta seção:


Um exemplo de hipocrisia 


1 - Posto que miríades de pessoas se aglomeraram, a ponto de uns aos outros se atropelarem, passou Jesus a dizer, antes de tudo, aos seus discípulos: Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. 


Já do lado de fora da casa do fariseu, é dito que uma multidão de pessoas estava reunida para ouvir Jesus. Naquela época não havia o equipamento de som que temos hoje, o qual nos permite ouvir perfeitamente o pregador mesmo que estejamos longe dele. Por isso as pessoas chegavam a pisar por cima das outras para ver e ouvir Jesus mais de perto. 


A palavra miríades é uma hipérbole, e significa exatamente “dez mil pessoas”. Esta palavra era frequentemente usada de modo indefinido para designar um grande número de pessoas (At 19.19; 20.21). Logo, o número que compunha a multidão se aproximava ou ultrapassava dez mil pessoas; ou seja, eram muitas pessoas. Existem dois possíveis motivos pelo qual tantas pessoas estavam ali reunidas querendo ouvir Jesus: 


a) Interesse em Jesus como um tipo de “curandeiro ou milagreiro” e como um pregador fascinante. b) Curiosidade estimulada pelo debate de Jesus com os fariseus e os doutores da lei (11.37-54).   


Não obstante, Jesus direciona sua mensagem primeiramente aos seus discípulos. Lucas escreve que passou Jesus a dizer, antes de tudo, aos seus discípulos. 


A palavra discípulos não se restringe apenas aos doze. Além deles, Jesus tinha muitos outros seguidores que também eram considerados discípulos (veja, por exemplo, Jo 6.60,66). É bem provável que muitos deles estavam inseridos na multidão. Evidentemente, o discurso de Jesus também seria ouvido pela multidão em geral; ele sabia e queria isso, porém o seu foco era os discípulos. 


Todavia, Jesus inicia a sua mensagem utilizando a figura do fermento, que é algo maléfico para os judeus (Êx 12.15-20). Ele adverte os seus discípulos contra o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Essa advertência está intimamente relacionada com o que o Ele havia dito anteriormente na casa do fariseu (veja 11.39-44, 46). 

O “fermento se refere na verdade a levedura, que era uma porção retirada da massa de pão e deixada de lado para servir de fermento. As pessoas faziam seus próprios pães e estavam familiarizadas com a maneira na qual o fermento, ou a levedura, penetrava na massa vagarosamente e fazia com que esta aumentasse de volume”.[1]


A palavra fermento aparece outras vezes no Novo Testamento, porém sempre de forma negativa, com exceção da parábola registrada em Mateus 13.33. Paulo faz uso da figura do fermento para ilustrar o pecado (veja 1Co 5.6-8; Gl 5.9). A advertência que Jesus faz aos seus discípulos para absterem-se do fermento dos fariseus em Mateus 16.6,12, e seu paralelo em Marcus 8.15, com o acréscimo do fermento de Herodes, foi motivada por uma situação diferente da qual Lucas ressaltou. 

Lá, Jesus utiliza a figura do fermento para enfatizar o apego dos fariseus ao tradicionalismo religioso e condenar a doutrina deles como equivocada e herética. 

Fritz Rienecker afirma que Jesus acusa os fariseus de um tipo mais refinado de hipocrisia. Eles visavam envolver o povo em uma rede de formas religiosas, que carecia de qualquer cerne de devoção verdadeira. Havia uma contradição entre interior e exterior.[2] Sendo assim, os discípulos deveriam evitar o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia religiosa. 


Basicamente, a palavra hipocrisia denota “fingimento”, “falsidade”. William Hendriksen ressalta que hipocrisia refere-se ao mau hábito de alguém esconder sua verdadeira personalidade por trás de uma máscara. Equivale a insinceridade. Hipocrisia é desonestidade, engano.[3]  

William Barclay destaca que a palavra hipócrita teve como primeiro significado alguém que responde; assim, hipocrisia significa “responder”. Utilizava-se esta palavra para perguntas e respostas em um bate-papo ou diálogo; depois se aplicou às perguntas e respostas em uma peça de teatro. Dali ela se tornou relacionada à atuação. Portanto, hipocrisia é atuar, representar um papel.[4] 


Aqui em Lucas, “a hipocrisia era a principal iniquidade dos fariseus, e esconder um coração perverso era um sinal de santidade”.[5] 


Aplicação prática

Assim como o fermento, a hipocrisia começa pequena, mas de forma rápida e silenciosa; e, ao crescer, contamina a pessoa inteira. A hipocrisia tem sobre o ego o mesmo efeito que o fermento tem sobre a massa do pão: ela o faz inchar (veja 1Co 4:6,18,19; 5.2). Logo, o orgulho toma conta, e o caráter deteriora-se rapidamente. Quem deseja ficar longe da hipocrisia deve evitar a primeira porção de "fermento", por menor que seja. Uma vez que se começa a fingir, o processo é rápido e, quanto mais esperamos, mais a situação piora.[6] 
  
Existem hipócritas em todas as esferas da vida. Eles são pessoas que tentam impressionar os outros refletindo aquilo que não são. O hipócrita esconde a sua verdadeira face através da máscara da falsidade. Hipocrisia é ausência de sinceridade.      
                                 
Na vida cristã, um hipócrita é alguém que tenta parecer mais piedoso do que é verdadeiramente. Na realidade, ele sabe que não é o que demonstra ser externamente. Sabe que está fingindo e não espera ser descoberto. A vida cristã dele é, indubitavelmente, uma farsa! O hipócrita nunca é verdadeiro; ele está sempre atuando, sendo alguém quem não é. 

2) A hipocrisia será exposta (12.2)


Os versículos 2-9 correspondem a Mateus 10.26-33. Lá, Jesus havia dito as mesmas palavras que Lucas escreveu no versículo 2. Entretanto, não temos aqui um paralelo com a descrição de Mateus; antes, Jesus reitera o mesmo ensinamento que havia transmitido aos discípulos em outra ocasião, especificamente no seu ministério na Galiléia, porém aplicado de modo diferente neste diálogo com os discípulos e a multidão. 


Por vezes, as diferenças de uso e aplicação dos ensinamentos de Jesus nos evangelhos são o que podemos chamar de “interpretação editorial” – ou seja, um dos escritores sacros observava, em uma declaração qualquer em outro evangelho, uma lição diferente que o outro escritor não relatou. Assim ele decidia [evidentemente inspirado pelo Espírito Santo] relatar a lição que observou em seu evangelho.  


Não obstante, tendo advertido sobre o pecado da hipocrisia, e o perigo de ser um hipócrita, Jesus, agora, salienta o motivo da advertência contra a hipocrisia religiosa. Senão vejamos: 

Um fato inelutável 


Ele afirma categoricamente:


2 - Nada há encoberto que não venha a ser revelado, e oculto que não venha a ser conhecido. 


A hipocrisia triunfa somente enquanto é escondida dos outros. Leon Morris ratifica que a arte de ser um hipócrita depende da capacidade de conservar algumas coisas ocultas. Quando o ocultamento já não é possível, o hipócrita é inevitavelmente desmascarado.[7]  



A hipocrisia de muitos é revelada e conhecida ainda nesta vida, enquanto a de outros permanece escondida. Porém, toda hipocrisia no dia do julgamento final será revelada e conhecida (veja Ec 12.14; Rm 2.16; 1Co 3.13; Ap 20.12). 


Aplicação prática

No fim dos tempos haverá uma manifestação geral de tudo que estava oculto. Esse princípio supremo do governo divino visa estimular-nos a desde já agir constante e permanentemente de acordo com a verdade, sem ceder (Mc 4.21-22). Pelo fato de que tudo será revelado à luz da verdade, cada discípulo de Cristo deve precaver-se contra a hipocrisia. Quando Deus trouxer à luz o motivo da conduta e do serviço, oculto nas sombras, então será manifesto se os servos da palavra de Deus foram hipócritas ou testemunhas da verdade. Por isso Jesus exorta os discípulos a exercer seu serviço visando o grande dia da revelação (Cl 3.3; 1Jo 3.2).[8]   

3) Um conselho geral (12.3)


Visto que Jesus advertiu primeiramente e especificamente os seus discípulos sobre a necessidade de evitar o pecado da hipocrisia, dessa vez, Jesus aconselha especificamente a multidão, embora o mesmo conselho se estenda também aos discípulos e cristãos em geral. Senão vejamos:  

  
Os segredos serão divulgados

Ele declara:


3 - Porque tudo o que disseste às escuras será ouvido em plena luz; e o que dissestes aos ouvidos no interior da casa será proclamado dos eirados. 


A expressão dissestes aos ouvidos traz a ideia de “sussurrar, falar cochichando aos ouvidos” para que ninguém saiba o que foi comunicado.


Já a expressão interior da casa, no grego ταμειοιξ (temeieion), é, literalmente, “quartos fechados”, ou conforme a ARC traduziu – gabinete. Esta expressão salienta um local restrito, onde assuntos secretos poderiam ser “sussurrados, cochichados” ou falados reservadamente (veja esta ideia em Mt 6.6; 24.26; Lc 12.24).    


Traz a ideia de despensa, que “são as salas de armazenagem que ficavam longe das paredes externas que facilmente poderiam ser escavadas.”[9] Champlin realça que, no oriente, os ladrões frequentemente invadiam uma casa arrombando uma das paredes. Por isso as despensas eram invioláveis por estarem afastadas da parede que dava para o exterior.[10] 


Por fim, Jesus afirma através de uma metáfora que tudo o que foi proferido em oculto será proclamado dos eirados. No oriente, muitas casas possuíam um pátio com telhado, isto é, casas com terraço. Esta cobertura era o lugar ideal onde alguém poderia discursar para outras pessoas que se encontravam na rua. Com esta metáfora, Jesus descreve a publicidade; em outras palavras, enfatiza o falar em público. 


No dia do julgamento final, Cristo, o justo juiz, irá revelar e proclamar tudo o que os homens [inclusive os seus discípulos ou os cristãos em geral não para a condenação deles, mas para o recebimento de galardões] tiverem dito em secreto, quer sejam coisas boas ou más (veja Rm 14.12; 2Co 5.10). 



Aplicação prática

Falar o que somos, fazemos e sentimos, mas na verdade falamos, fazemos e sentimos o contrário do que falamos, é hipocrisia! Os fariseus esboçavam piedade externa, mas internamente não eram nada do que demonstravam ser (veja Mt 23.25,28). 


Existem cristãos e pastores que pregam a plenos pulmões contra a mentira, o adultério, a prostituição, a maledicência, o roubo, a avareza e a falta de amor verdadeiro pelos irmãos, no entanto, praticam todos estes e outros pecados. Isto é hipocrisia, dissimulação! 


É inútil esconder a verdadeira identidade interna através de uma falsa identidade externa; ou seja, é hipocrisia demonstrarmos um comportamento perante os outros que destoa peremptoriamente do que realmente somos. 



Conclusão

Em outras palavras, podemos definir a hipocrisia como “viver uma vida dupla”! “Existe uma discrepância entre aquilo que a pessoa realmente é e a imagem que ela projeta de si mesma para os outros”.[11] Nesta advertência, Jesus não está condenando as falhas pessoais, pois todos nós falhamos; antes, Ele condena a hipocrisia “que nos faz assumir sermos melhores do que realmente somos”.[12] 

   
A hipocrisia endurece o coração, reprime a voz do Espírito Santo na consciência convidando ao arrependimento e cega os olhos para enxergar e reconhecer este pecado. A hipocrisia persistente é sinal de apostasia! Que venhamos através desta advertência de Jesus confessar e nos arrependermos de toda hipocrisia que praticamos, pois certamente o Senhor Deus perdoa e restaura o sincero de coração.   

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Notas:

1 Bíblia de Estudo Genebra. Notas de Rodapé, pág 1343.

2 Fritz Rienecker. Lucas, pág 175. 
3 William Hendriksen. Lucas, volume 2, pág 164. 
4 William Barclay. Lucas, pág 139.  
5 A.T. Robertson. Comentário de Lucas a luz do Novo Testamento Grego, pág 232. 
6 Warren Wiesrbe. Comentário Bíblico Expositivo do Novo Testamento, volume 1, pág 285. 
7 Leon Morris. Lucas – Introdução e Comentário, pág 196. 
8 Fritz Rienecker. Lucas, pág 176. 
9 Leon Morris. Lucas – Introdução e Comentário, pág 196. 
10 Russel Norman Champlin. Lucas, pág 124.
11 Comentário Bíblico Africano, pág 1257.
12 Ibid, pág 1258.      

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Fonte: Bereianos
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A divindade e a personalidade do Espírito Santo

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Por Francisco Alison Silva Aquino


As discussões em torno da pessoa do Espírito Santo, a princípio, foram um pouco negligenciadas nos primeiros séculos da igreja cristã. Isto se deve principalmente ao fato de que a pessoa de Cristo é que era alvo de controvérsias teológicas. O credo de Nicéia (325), por exemplo, embora cite a expressão “Espírito Santo”, não faz nenhuma descrição mais detalhada quanto a Ele. No credo Niceno diz: “... e novamente virá para julgar os vivos e os mortos; E no Espírito Santo.” 

No entanto, algumas descrições quanto à pessoa do Espírito foram sendo feitas no decorrer da história. No credo niceno-constantinopolitano (381), o qual constitui uma ratificação do credo niceno com alguns pormenores a mais, diz: “... e se encarnou [do Espírito Santo...]”. Em outra parte afirma: “E no ESPÍRITO SANTO, o Senhor e Vivificador, o que procede do pai e do Filho, o que juntamente com o pai e o filho é adorado e glorificado, o que falou através dos profetas;”. Aqui nós temos uma descrição um pouco mais ampla da pessoa do Espírito. Já no credo atanasiano (c.500), várias vezes é mencionada a pessoa do Espírito Santo. Nele é enfatizado que o Espírito Santo também é Deus juntamente com as duas outras pessoas da trindade: o Pai e o Filho. O credo usa expressões tais como: “o Espírito Santo eterno”, “Espírito Santo onipotente”, “o Espírito Santo é Deus”, “o Espírito Santo é Senhor”, etc.

A ortodoxia enfatiza a divindade plena do Espírito em igualdade com o Pai e o Filho. No entanto, existe outro aspecto a respeito do Espírito, além da sua divindade, digno de ser tratado com bastante diligência, a saber, a sua personalidade. Uma vez que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três pessoas e um único Deus, iguais em essência, e sendo o Pai e o Filho seres pessoais, também o Espírito o é. 

Estes dois aspectos (divindade e personalidade) do Espírito Santo tem sido negados por algumas seitas e religiões. Enquanto determinadas religiões, como o islamismo, uma vez que este nega a unidade absoluta de Deus, negam o primeiro, geralmente seitas (ex. As Testemunhas de Jeová) negam o segundo, embora nós possamos dizer que em muitos casos negar um aspecto implica em negar o outro. Assim sendo, analisemos então o que as Escrituras dizem a respeito destes dois aspectos intrínsecos à pessoa do Espírito Santo.

Quanto à divindade do Espírito, as Escrituras são claras ao atribuir a estes atributos pertencentes somente a Deus. Logo em Gênesis nós vemos uma indicação de um desses atributos quando lemos que “o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”. Ou seja, o Espírito participou da atividade criadora da terra, atividade esta realizada pelas pessoas da trindade. Em outras palavras, o Espírito estava presente na obra da criação, demonstrando assim o atributo da onipotência que o caracteriza como ser divino. Jó também atribuiu sua criação ao Espírito: “O Espírito de Deus me fez; e a inspiração do Todo-Poderoso me deu vida.” (Jó 33.4).

Outro atributo concedido ao Espírito Santo é a onipresença: “Para onde me irei do teu ESPÍRITO, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, Até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá.” (Salmos 139.7-10). 

O texto de Isaías 40.13-14 demonstra o atributo da onisciência: “Quem guiou o ESPÍRITO do Senhor, ou como seu conselheiro o ensinou? Com quem tomou ele conselho, que lhe desse entendimento, e lhe ensinasse o caminho do juízo, e lhe ensinasse conhecimento, e lhe mostrasse o caminho do entendimento?” (Isaías 40.13-14).

Além dos versículos que demonstram os atributos divinos do Espírito, há outras passagens da Escritura que claramente afirmam que o Espírito Santo é Deus. Talvez o texto mais claro quanto a isso seja o de Atos 5.3-4 que diz: “Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao ESPÍRITO SANTO, e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a DEUS.” (Atos 5:3-4). Em outras palavras, a passagem nos diz que mentir ao Espírito Santo é mentir a Deus, uma vez que aquele também compartilha da essência divina.

Quanto à personalidade do Espírito, as Escrituras são ainda mais claras ao tratar o Espírito como um ser pessoal. A palavra para “Espírito” no grego é pneuma. Esta palavra é neutra, porém quando usada para o Espírito possui um artigo masculino. Um fato que indica que o Espírito Santo é uma pessoa é que ele, como Consolador (parakletos, João 14.26; 15.26), é colocado ao lado de Cristo como o consolador que estava para partir. Além disso, a Escritura também confere ao Espírito atributos pessoais. Vejamos alguns deles.

João 14.26 indica o atributo da inteligência: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ENSINARÁ todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.”. O papel do Espírito em nos ensinar toda a verdade aponta para o aspecto pessoal do Espírito. Uma força impessoal não poderia fazer isso. 

O texto de Atos 16.7 mostra que o Espírito Santo tem vontade: “E, quando chegaram a Mísia, intentavam ir para Bitínia, mas o Espírito não lho PERMITIU.”. Mais claro ainda é o texto de I Coríntios 12.11: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um COMO QUER.” Uma força impessoal obviamente não tem vontade. 

Outros textos mostram que o Espírito também tem sentimentos (emoções). Isaías 63.10 diz: “Mas eles foram rebeldes, e CONTRISTARAM o seu Espírito Santo; por isso se lhes tornou em inimigo, e ele mesmo pelejou contra eles.” (Isaías 63:10). Também o texto de Efésios 4.30: “E não ENTRISTEÇAIS o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção.” (Efésios 4.30). Uma mera influência ou força não pode se entristecer.

Além de todos estes textos que comprovam a personalidade do Espírito, outras passagens demonstram que o Espírito realiza atos próprios de uma pessoa como falar, sondar, testificar, revelar, ordenar, interceder, entre outros. Quem realiza todos estes atos só pode ser um ser pessoal, não pode ser uma mera influência, poder ou força impessoal.

Como afirma Erickson: “Todas essas considerações levam a uma conclusão. O Espírito Santo é uma pessoa, não uma força, e tal pessoa é Deus, na mesma dimensão e da mesma forma que o Pai e o Filho”. 

Aqueles que negam que o Espírito é Deus e aqueles que negam sua personalidade, afirmando que Ele é apenas uma força, incorrem no erro gravíssimo de ofendê-lo. É necessário que tais pessoas tenham seus olhos abertos para contemplarem a maravilha da pessoa e da obra do Espírito Santo como um ser divino e pessoal. 

O erro da própria igreja cristã tem sido esquecer a pessoa do Espírito. Como afirma Franklin Ferreira e Alan Myatt: “Devemos dar ao Espírito Santo, que é plenamente divino, a mesma glória que damos ao Pai e ao Filho. Agir de outra forma é cair em algum tipo de subordinacionismo.” O Espírito Santo deve ser adorado e glorificado juntamente com o Pai e o Filho como nos diz o credo de Constantinopla: 'no Espírito Santo, Senhor e vivificador, o qual procede do Pai e do Filho; que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado'”.

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Notas:
[1] Millard J. Erickson, Introdução a Teologia Sistemática, p.349.
[2] Franklin Ferreira & Allan Myatt, Teologia sistemática, p. 340-341.

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Divulgação: Bereianos
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A insolvência da igreja tradicional: realidade ou circunstância?

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Por Rev. Ricardo Rios Melo


Há um crescimento exponencial de comunidades evangélicas no Brasil. Aliás, o advento das comunidades é uma febre em todas as áreas da sociedade: comunidades sociais de cunho físico ou virtual. A internet facilitou e promoveu a possibilidade de criação de comunidades virtuais por afinidade de sentimentos, características pessoais, patologias, estética e milhares de outras comunidades que pretendem, em última instância, dizer que você pertence a um grupo, você é comum. Ser comum normaliza o sujeito.

A palavra comunidade tem o sentido de agremiação, sociedade, comuna, grupo que se reúne geograficamente e, mais recentemente, grupo de fiéis que se reúnem em determinado espaço. É curioso notar que o sentido contemporâneo de comunidade não implica espaço material, físico. Você pode pertencer a uma comunidade virtual.

Comunidade, dentro de um dos sentidos filosóficos, é uma comunhão de espaço e ideias que, necessariamente, não se pode averiguar empiricamente. A sociologia tornou a expressão diretamente ligada a pessoas que se vinculam na sociedade por interesses e, principalmente, comportamentos comuns. (Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, 4ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 162).

Bauman entende que a comunidade é lugar de segurança do sujeito. É o lugar de pertencimento, aconchego, refúgio, abrigo:

(...) é um lugar ‘cálido’, um lugar confortável e aconchegante. É o teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, como uma lareira diante da qual esquentamos as mãos num dia gelado, lá fora, na rua, toda sorte de perigo está à espreita; temos que estar alertas quando saímos, prestar atenção como quem falamos e a quem nos fala, estar em prontidão a cada minuto. Aqui, na comunidade podemos relaxar – estamos seguros, não há perigos ocultos em cantos escuros (com certeza, dificilmente um ‘canto’ aqui é ‘escuro’). (BAUMAN. Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, Rio de Janeiro; Jorge Zahar, Ed. 2003, p. 7).

Esse “oásis” em pleno deserto pós-moderno tem levado a Igreja institucional, tradicional, confessional ou clássica, a repensar seus valores e propósitos. Um autor que enfatiza muito a necessidade de ressignificação, o que ele chama de propósitos, é Rick Warren em seu livro “Uma Igreja com Propósitos”.

Parece que a igreja, a qual será chamada nesse arrazoado de tradicional, passa por um processo de ressignificação. Ela tem sido atacada de todos os lados. A igreja emergente, comunidade, missão integral e outras designações trazem em seu discurso uma crítica aos moldes protestantes históricos. A própria existência desse “novo” grupo já é uma crítica contundente, pois demostra inquietação e, no entendimento de muitos deles, inabilidade da tradição reformada de responder às demandas modernas.

As palavras: relevância, significado, integral, mudança social têm sido palavras replicadas e decantadas nos discursos. Há um antinomismo claro nos discursos. Há o esvaziamento do púlpito, que em boa parte desses grupos não existe mais.

O pastor não é um pregador, mas um palestrante. Ele precisa vestir-se despojadamente e falar com liberdade e em uma linguagem moderna e sobre atualidades para que sua mensagem seja relevante e sua própria presença seja admitida pela comunidade. Não há lugar para estruturas físicas com formato de igreja. Em 1824, as igrejas protestantes receberam a permissão de celebrarem seus cultos com uma condição: não criarem templos com formatos de igreja.

Hoje, a proibição é epistêmica e pragmática. A ideia é que, para agradar e ser “relevante”, a igreja não pode ter formato interno e externo de igreja. Os templos poderão ser substituídos por locais aconchegantes e de preferência com cara de teatro. E o nome precisa ser modificado para não afastar as pessoas.

Quem estiver atento à ideia de signo, significado, significante, entenderá que estruturas externas pretendem demostrar sinais da mensagem interna que se quer passar. Portanto, um nome ou uma construção não é isenta de significado, existe uma estética filosófica. Uma mensagem direta e indireta. Não era sem motivos que as construções das igrejas medievais tinham aqueles formatos. Era imperativo para a igreja dominante da época passar uma mensagem.

Um exemplo contemporâneo é a construção de templos gigantescos das igrejas neopentecostais. Não se pode falar de prosperidade se a própria igreja é pequena, acanhada, não próspera. Há intencionalidade, método, estudo mercadológico, sociológico.

As igrejas emergentes, comunidades integrais ou não, pretendem realizar uma reforma ou reformissão[1]. Contudo, essa pseudo reforma não tem nenhuma conexão com a reforma do século XVI. Para Carson, existe uma diferença gritante entre as igrejas emergentes e os reformadores:

O que impulsionou a Reforma foi a convicção, que tomou conta de todos os seus líderes, de que a Igreja Católica Romana havia se distanciado das Escrituras e introduzido uma teologia e uma prática contrária à fé cristã genuína. Em outras palavras, eles queriam que as coisas mudassem, mas não porque perceberam que havia ocorrido mudanças na cultura, de modo que a igreja teria que se adaptar a esse novo perfil cultural; antes, eles queriam mudanças por terem percebido o surgimento na igreja de teologia e prática novas que contrariavam as Escrituras e que, portanto, havia uma necessidade de que tudo isso fosse reformado pela palavra de Deus. (...) Trocando em miúdos, no centro da reforma proposta pelo movimento emergente encontra-se a percepção de uma grande mudança na cultura. (CARSON. D. A. Igreja Emergente: o movimento e suas implicações, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 49,50).

A tentativa de decretar a falência da suposta insolvência da igreja tradicional nada mais é que um oportunismo mercadológico. Não há argumentos bíblicos e históricos para que esse processo se torne realidade. Dentro da criação e consumação divina, na perspectiva histórico-redentiva, não há fundamentos substanciais para se propor mudança dogmática.

Os apóstolos já passaram pela tentação de mudar sua mensagem para agradar o público. O apóstolo Paulo, quando escreveu aos Coríntios, no capítulo 1.21-25, não sucumbiu aos apelos extremados dos seus ouvintes e nem aderiu a qualquer perspectiva hegeliana de síntese:

Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria;  mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios;  mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus.  Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”.

O nosso Senhor Jesus passou pelo desafio de mudar sua mensagem em João 6, pois Ele sabia que muitos que o seguiam não estavam dispostos a seguir o Evangelho da cruz:

Muitos dos seus discípulos, tendo ouvido tais palavras, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir? Mas Jesus, sabendo por si mesmo que eles murmuravam a respeito de suas palavras, interpelou-os: Isto vos escandaliza? Que será, pois, se virdes o Filho do Homem subir para o lugar onde primeiro estava? O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida. Contudo, há descrentes entre vós. Pois Jesus sabia, desde o princípio, quais eram os que não criam e quem o havia de trair. E prosseguiu: Por causa disto, é que vos tenho dito: ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido. À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele. Então, perguntou Jesus aos doze: Porventura, quereis também vós outros retirar-vos? Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna; ( JO 6.60-68)”.

Bom, alguns poderão dizer, por que você não avalia os pontos desses grupos pormenorizadamente dentro das Escrituras? A resposta é simples: como Carson disse, em outras palavras, as mudanças que ocorreram nesses grupos não vieram das Escrituras, mas da exigência sociocultural. “Como dizia Marx sobre a cultura orientada pelo mercado: ‘tudo o que é sólido desmancha no ar’. Deus também se torna uma mercadoria – um produto ou terapia que podemos comprar e usar para nosso bem-estar pessoal” (HORTON, Michael. Cristianismo sem Cristo, São Paulo; Cultura Cristã, 2010, p. 61,62).


O problema que emerge, desculpe o trocadilho, é que as comunidades e afins surgem de uma tentativa de liberdade das amarras institucionais. Entretanto, inevitavelmente, se tornarão instituições e, quando isso acontecer, estarão decretando sua falência:

Como ‘comunidade’ significa atendimento compartilhado do tipo ‘natural’ e ‘tácito’, ela não pode sobreviver ao momento em que o entendimento se torna autoconsciente, estridente e vociferante; quando, para usar mais uma vez a terminologia de Heidegger, o entendimento passa do estado de zuhanden para o de vorhanden e se torna objeto de contemplação e exame. A comunidade só pode estar dormente – ou morta. Quando começa a versar sobre o seu valor singular, a derrarmar-se lírica sobre sua beleza original e a afixar nos muros próximos loquazes manifestos conclamando seus membros a apreciarem suas virtudes e os outros a admirá-los ou calar-se – podemos estar certos de que a comunidade não existe mais (ou ainda, se for o caso). A comunidade ‘falada’ (mais exatamente: a comunidade que fala de si mesma) é uma contradição em termos” (BAUMAN. Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, Rio de Janeiro; Jorge Zahar, Ed. 2003, p. 17).

Queridos irmãos, é um fato que a pós-modernidade trouxe desafios de comunicação para a igreja tradicional, contudo, a resposta não virá de fora das Escrituras. Achar que a nossa sociedade é pior do que a sociedade em que viveram nossos pais apostólicos e reformadores é, no mínimo, pretensão.

Mudança de símbolo implica mudança da realidade. Alguns querem trocar as escamas sem trocar de corpo. É uma tentativa hercúlea de síntese pós-moderna onde uma libélula bateria suas asas, mas com a certeza que pode voltar para o casulo.

A igreja tradicional precisa se preparar para receber os filhos pródigos, pois, mudando o que deve ser mudado, eles sabem que é na casa do Pai (igreja) que são bem tratados!

para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade”. 1Tm 3:15


Deus nos abençoe!

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Fonte: Arrazoar
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Do Magistrado Civil e a Igreja - Confissão de Fé de Westminster

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Por G.I. Williamson

CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER
CAPÍTULO XXIII - DO MAGISTRADO CIVIL
Comentado por G.I. Williamson


Aqui deixamos uma vez mais a ordem da Confissão de Fé para considerar juntas certas seções da Confissão que são difíceis de considerar em relação umas com as outras. Estes capítulos e estas seções são: o capítulo XXIII, 3 e o capítulo XXXI, 1, 2. A dificuldade consiste em definir qual é o poder do magistrado civil com respeito aos assuntos eclesiásticos. A partir deste ponto, primeiro, procederemos discutindo as seções do capítulo XXIII que não são problemáticas; e segundo, as seções dos capítulos XXIII e XXXI que apresentam o problema e terceiro, as porções que ficaram do capítulo XXXI, ou seja, as seções 3, 4, e 5. 

1. Deus o supremo Senhor e Rei de todo o mundo, institui os magistrados civis, para estar abaixo dele e sobre o seu povo, para sua própria gloria e para o bem público; para cujo fim lhes deu autoridade da espada, para defender e estimulo dos bons, e para castigo dos maus.

2. É licito que os cristãos aceitem e desempenhem o oficio de magistrado quando para isso forem vocacionado por Ele. Na administração deste ofício os cristãos devem manter especialmente a piedade, a justiça e a paz de acordo com as leis saudáveis de cada estado. Para tal fim, podem legalmente a luz do NT, fazer guerra em ocasiões justas e necessárias.

3. [...]

4. O povo tem o dever de orar pelos magistrados, honrar suas pessoas, pagar tributos e outros direitos, obedecer aos seus mandamentos legítimos, e estar sujeitos a sua autoridade por causa de sua consciência. A infidelidade, ou a diferença de religião não invalida a justa e legítima autoridade do magistrado, nem exime do povo a devida obediência a ele, do qual as pessoas eclesiásticas não estão excluídas, e muito menos tem o papa poder de jurisdição alguma sobre os magistrados, sobre seus domínios, ou sobre algum de seu povo; e muito menos para priva-los de seu domínio, suas vidas, sejam porque os julguem que são hereges, ou por qualquer outro pretexto.

XXIII, 1,2,3

Estas seções da Confissão de Fé nos ensinam:

1) Que Deus estabeleceu o governo civil sobre a terra.
2) Que seu propósito e sua glória e o nosso bem.
3) Que nos deu os oficiais civis e o poder da espada.
4) Que os cristãos podem de forma lícita ter cargos civis e exercer o poder da espada em ocasiões necessárias e justas.
5) Que Deus requer que os cristãos exerçam o mandato, orem, se submetam aos que licitamente utilizam o seu cargo no governo civil.
6) Que esta responsabilidade não deixa de existir por causa das diferenças religiosas, e
7) Que o papa de Roma não tem nenhum direito sobre o poder civil.

A passagem clássica das Escrituras que trata do estabelecimento do governo civil é:

Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a devida condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra” (Rm 13:1-7).

Nesta passagem clássica das Escrituras se estabelece os ensinos desta seção da Confissão. “Todos devem se sujeitar as autoridades publicas” disse o apóstolo. Sem dúvida se requer do cristão que se submetam aos que estão como autoridades pela vontade de Deus. “Porque não há autoridade que não proceda de Deus, e as autoridades que existem foram por ele instituídas.” A. A. Hodge bem disse: “alguns imaginam que o direito e a autoridade legítima do governo humano tem seu fundamento final na aprovação dos governados,” bem como “na vontade da maioria”, ou, em algum pacto social imaginário feito pelos antepassados da raça na origem da vida social. Mas as Escrituras nos ensinam que o governo civil vem de Deus, e que tem sua autoridade pela vontade de Deus, e assim aprovação dos governos. Isto implica claramente que o cristão deve considerar o governo de fato, de qualquer país particular no qual pode residir como jure. Nenhuma forma de governo civil está designada nas Escrituras. O cristão não tem a liberdade de obedecer ou não dependendo do tipo de governo que exista. “Os poderes que existem foram estabelecidos por Deus”, disse Paulo. E se referia ao governo totalitário do Império Romano. Se Paulo e Jesus ensinaram que deveriam se sujeitar a Cesar, é difícil pensar em algum tipo de governo civil que não deveria ser obedecido pelos cristãos em assuntos civis. A luz deste contexto do período apostólico (quando o governo civil era totalitário), não cremos que os cristãos tivessem o direito de apoiar, ou, de participar na derrota violenta de uma autoridade civil, ou, seja uma monarquia ou democracia (ver Rm 13:2, I Pd 2:13-14, Tt 3:1 etc). Se todo o governo de fato é estabelecido por Deus, e a resistência é uma resistência diante do mandato de Deus então, não existe nenhuma outra conclusão.

No entanto, afirmar que a autoridade civil é de origem divina não é dizer que a mesma não tenha limites. Toda a autoridade divinamente estabelecida, em assuntos humanos, está limitada pelo decreto divino. O magistrado civil é estabelecido por Deus como “ministro” o servo de Deus “para o bem”. A sua responsabilidade é levar a espada do poder físico como terror contra as obras do mal. A sua responsabilidade é como vingador que demonstra a ira de Deus sobre quem fez o mal. Enquanto o governo civil se contenta restringindo e castigando o crime e a violência, proteger o bem e castigar o mal, o cristão deve apoiar, orar e honrar por esse governo. Mas quando esse governo castiga aos retos e recompensa ao malfeitor, tornando-se agressivo militarista, é a responsabilidade do cristão resistir esse poder porque subverte o mandato de Deus. Em muitos casos é sem dúvida, difícil determinar precisamente quando, até que ponto um cristão deve resistir a um governo civil em particular. Não é nossa intenção fazer que esta decisão pareça fácil. Mas certos princípios são muito claros, e se aplicados corretamente, tornará possível para que o indivíduo tome a decisão correta em seu caso particular.

1. Devemos sempre obedecer aos “mandatos legítimos” de nosso governo. Em todas e cada uma das instâncias devemos estar “prontos a fazer toda boa obra” (Tt 3:1).

2. Sempre devemos obedecer a Deus antes que ao homem quando existe um conflito entre os dois. “É necessário obedecer a Deus antes que os homens” (At 5:29).

3. Podemos resistir, tanto ativa como passivamente, se for necessário, para obedecer a Deus. Quando uma autoridade civil se mostra um terror quanto às boas obras e não quanto o mal, cremos que os cristãos tem o direito de defender–se ativamente. Tanto a “sua vida como a sua propriedade” conforme determina a lei “Salmo 82:4, Provérbios 24:11-12, etc.”. Assim “o fim imediato para o qual Deus instituiu os magistrados é o bem público e o fim último a manifestação de sua própria glória.”

Mas, consideremos atentamente certos erros modernos que ganharam um amplo apoio, e que confunde a mente de muitos cristãos.

1. O primeiro que consideraremos é a intenção modernista de descontinuar a prática da pena de morte. Em nossa nação hoje em dia existe uma corrente cada vez mais forte a favor de abolir a pena de morte. E muitos grupos protestantes liberais aprovam esta mudança dizendo que não beneficia a sociedade, não reforma o criminoso nem reflete os ensinos humanitários do Novo Testamento. É dizer, por várias razões, que é muito popular hoje em dia negar ao governo o poder da espada para castigar o mal. Tal posição enquanto autoridade civil está ao menos completamente contra ao ensinamento bíblico. Não pensemos que se possa provar que a pena de morte não seja um benefício para a sociedade. Cremos que seja, embora a única razão seja que a Escritura declara que o cumprimento fiel da justiça é uma punição para o mal e um alento para o bem. Pode ser possível que a pena de morte não reforme o criminoso. Mas, também é possível que a falta de punição contra a maldade também reforme o criminoso. Mas estamos convencidos de que ela promove a maldade. Sobretudo, nos opomos à ideia de que o poder e a autoridade civil devam refletir as ideias modernas de ensino humanitário do “Novo Testamento”. A justiça não é mais “humanitária” no Novo Testamento que no Antigo Testamento. E a instituição do governo civil não foi estabelecida para ensinar o Novo Testamento: é para castigar o crime e proteger os que fazem o bem. Sem motivos duvidamos que o esquema dos liberais que promovem abolição da pena de morte seja “humanitária”. Cremos que muitos dos crimes da atualidade se devem ao fato de que existe demasiada preocupação não bíblica pelo malfeitor e bem pouca preocupação bíblica pelos justos. 

2. Outro ataque moderno contra a instituição do governo civil pode-se observar por aqueles que promovem a corrente pacifista. Os concílios da igreja modernista têm defendido tais coisas:

2.1. O completo desarmamento de nossa nação.
2.2. O desarmamento unilateral [ou seja, somente do cidadão de bem].
2.3. A negociação em vez da defesa armada ao serem confrontados com agressão criminosa. 
2.4. O reconhecimento dos que são agressores sem nenhum tipo de castigo justo.

A Confissão de Fé insiste que os magistrados civis (ainda que sejam pessoas cristãs) “podem legitimamente, conforme o Novo Testamento, fazer atualmente guerra em ocasiões justas e necessárias. Os que apoiam a política que basicamente exige que nosso governo nacional renuncie o poder da espada e renuncie os esforços para ser um punidor dos malfeitores, e que renuncie a execução de vingança sobre eles, pedem nada menos que destruição do mandato de Deus em Romanos 13:1-5. É precisamente porque “se opõem a autoridade” então “se rebelam contra o que Deus instituiu”. Este pecado deve ser denunciado como ele realmente é. É um pecado contra Deus, é um pecado contra o nosso governo.

A última parte da seção número 4 deste capítulo trata dos males históricos associados com a Igreja Católica Romana.

3. O primeiro destes males é que lhes outorga um status privilegiado aos oficiais da igreja em assuntos civis. Existem em alguns países que são dominados pela Igreja Romana nos quais os sacerdotes não podem ser julgados nas cortes civis por seus crimes. Existe talvez um pouco de humor nos relatos tradicionais da vergonha da polícia irlandesa quando se deu conta de que havia prendido um sacerdote por excesso de velocidade. No entanto, as Escrituras ensinam que os cristãos, sejam oficiais da igreja ou não, não devem se considerar acima do poder civil. Cremos que a Confissão de Fé concorda com a Escritura quando diz que “as pessoas eclesiásticas não estão excluídas desta autoridade”. E a infidelidade, ou diferença de religião entre os cidadãos cristãos e o governo civil “não invalida a justa e legítima autoridade do magistrado”.

4. O outro mal que outorga autoridade ao Papa de Roma. Este foi e continua sendo uma reivindicação do Pontífice Romano, ele insiste que exerce tanto a espada espiritual como a temporal do poder e a autoridade. “Segundo a posição ultramontana estritamente lógica, sendo toda nação, em todos seus membros, uma porção da igreja universal, a organização civil está compreendida dentro da igreja para certos fins subordinados para o grande fim para o qual existe a igreja e assim, portanto, finalmente responsável diante dela para execução da autoridade delegada. Quando enfim o Papa se coloca na condição de exigir a sua autoridade, pondo o reino debaixo de edito emitido aos súditos exigindo o seu voto de fidelidade (civil), e demonstrando aos soberanos, baseando-se na suposta heresia da insubordinação dos líderes civis no país”. (A A. Hodge, Ibid., p. 276). A Escritura anunciou o que a história demonstrou, ou seja, que tal usurpação resulta na perseguição aos verdadeiros crentes (Ap 13; 18:24).

Perguntas para estudo

1. Qual o fundamento da autoridade do governo civil? Prove biblicamente.
2. Que tipo de governo vem da autoridade divina?
3. Deve um cristão promover a derrota violenta de um governo civil?
4. Deve um cristão resistir licitamente ao governo?
5. Quando é que os cristãos devem obedecer ao seu governo?
6. Quando é que os cristãos devem desobedecer ao seu governo?
7. Enumere os erros modernos promovidos por cristãos liberais que estão contra a instituição divina do governo civil?
8. Por que estes estão contra a instituição divina do governo civil?
9. Quais são os erros refutados na seção número 4 da Confissão de Fé?


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Fonte: G.I. Williamson, La Confesión de Fe de Westminster (Carlisle, El Estandarte de la Verdad, 2003), pp. 355-360.
Tradução: Rev. Gaspar de Souza
Revisão: Rev. Ewerton B. Tokashiki
Via: Estudantes de Teologia

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