Seus defeitos me fazem crescer

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Como o próprio nome já diz, "defeitos", deduzimos não ser uma coisa boa. Mas como os defeitos do outro podem ser benéficos para você? Nos planos de Deus isso pode ser algo bom, o problema é que muitas vezes somos impacientes e de cara nos irritamos e pensamos em desistir de tudo. Quantos casamentos terminados, quantas amizades moídas por não suportarmos o defeito do outro? É cômodo nos afastarmos daquilo que nos fere, seja qual for a parte emocional, o difícil é enfrentar com sabedoria sem sermos covardes.

É fácil olharmos para os defeitos dos outros, o que não acontece com tanta frequência é olharmos para nós mesmos, nos autoavaliar e pensar no que precisamos mudar. Acaba acontecendo que não suportamos algumas coisas na outra pessoa, mas é cômico como queremos que as pessoas engulam seco nossas atitudes defeituosas, porém perfeitas aos nossos olhos.

Se Cristo olhasse nossos defeitos e simplesmente nos desse às costas, o que seria de nós? Louvado seja por Ele ser longânimo e misericordioso. Aí está! Que tal aprendermos com as Escrituras como lidar com os defeitos do outro para que sejamos parecidos com Cristo?

"Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou..." (Ef. 2.4)

Um dos mandamentos do Senhor é para que amemos ao próximo como a nós mesmos. Nos dias de hoje, as pessoas estão sedentas de amor, consequentemente todas as virtudes que viriam deste amor se esvai pelo ralo. Aqui neste pequeno versículo vemos que Deus é misericordioso por que nos amou! Como eu ou você teremos misericórdia dos erros alheios se estivermos desprovidos de amor? 

Precisamos buscar isso em Deus, orar para ter um coração misericordioso, um coração fácil em perdoar; lembrando que tais virtudes não significam sermos bobos. Além do amor ser manso, ele também serve para correção: 

"...repreenda, corrija, exorte com toda paciência e doutrina." (2 Timóteo 4.2)

A palavra paciência vem do L. PATI, "aguentar, sofrer", do Grego PATHE, "sentimento". 

Isso é uma virtude de quem suporta males e incômodos sem queixumes nem revolta. Olha que interessante, para suportar males, literalmente, haja paciência! 

Se o amor tudo suporta, como suportará sem paciência? Esta virtude é outra que deve ser trabalhada, se ao seu lado existissem apenas pessoas perfeitas, não haveria como aperfeiçoar a paciência, nem a misericórdia, tão pouco iria crescer à imagem de Cristo. Aprenda a crescer com o defeito de quem está ao seu lado: 

        Seu orgulho, me tornou humilde;
        Seu falatório, me fez uma boa ouvinte;
        Seu mau humor, me fez ser uma pessoa engraçada para ter fazer sorrir;
        Sua desesperança, me fez aumentar a fé para poder te ajudar;
        Sua agitação, me fez alguém mais tranquila;
        Seus atrasos, me fizeram ser pontual;
        Sua pressa, me fez ter cautela;
        Sua memória curta, me fez ser mais atenta;
        Sua falta de interesse, me fez uma pessoa interessada;
        Seu desleixo, me fez ser organizada.   

Quantos defeitos poderíamos citar aqui, dos quais nos fariam melhorar! Se observarmos apenas os pontos negativos, como se isso fosse um "carma", vamos acabar nos tornando tão defeituosos quanto a nossa maneira de enxergar as coisas. 

Não seja covarde a ponto de se afastar das pessoas que quase te fazem perder a paciência, não as abandone, por que você pode perder a grande chance de se tornar parecido com Cristo. Os seus defeitos, me fazem crescer! 

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Autora: Daniele Bosqueti
Fonte: Mulher Cristã & teologia

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Algumas objeções contemporâneas no âmbito do Culto consideradas e refutadas - 2/4

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3. Argumento de que “O Princípio Regulador do Culto Aplica-se apenas ao Templo”.

Um outro argumento popular contra o princípio regulador do culto baseia-se na ideia de que o princípio regulador aplicava-se apenas ao culto no tabernáculo e no templo. Esta ideia baseia-se no contexto da citação clássica do princípio regulador, Dt 12:32, e na noção de que Deus era muito exigente com o culto do tabernáculo/templo apenas porque o serviço do templo tipificava a pessoa e a obra de Jesus Cristo. Se este argumento for aceito, pode-se concluir que: (1) O culto descentralizado em Israel que ocorria na sinagoga não era estritamente regulado. Em outras palavras, os israelitas podiam fazer o que bem desejassem no culto desde que não violasse o ensinamento expresso da Escritura (esta é essencialmente a concepção episcopal-luterana do culto aceitável); (2) O princípio regulador foi ab-rogado com a morte de Cristo quando o Seu sacrifício perfeito tornou desnecessário o culto do templo; (3) Portanto, a igreja da nova aliança não tem nada a ver com o princípio regulador e tem a liberdade para criar ritos, cerimônias e dias santos conforme desejar, desde que as invenções humanas não violem ou contradigam a Palavra de Deus.

A ideia de que o princípio regulador aplicava-se apenas ao serviço do santuário central deve ser rejeitada por várias razões. Primeira, a noção de que Dt 12:32, pelo fato de ser dado numa seção que trata primariamente do tabernáculo, aplica-se apenas ao tabernáculo é simplesmente adotada sem comprovação exegética. É-nos dito em alguma parte do capítulo 12, ou em qualquer outro lugar em todo Velho ou Novo Testamentos, que o princípio de acrescentar ou subtrair está limitado ao tabernáculo ou templo? Não, não nos é dito. Mas, será que não podemos inferir do contexto que este princípio extremamente explícito aplicava-se apenas ao tabernáculo/templo? Não. Na verdade, o contexto prova exatamente o oposto. Conquanto é verdade que o capítulo 12 contém uma extensa discussão sobre o santuário central (em particular sobre a necessidade de se oferecer sacrifícios e oferendas no santuário central) o contexto de Dt 12:32 fala também da repressão à idolatria e ao sincretismo com o culto pagão que podem ocorrer não apenas no tabernáculo, mas em toda a terra de Israel. Observe o contexto imediato da passagem:


Quando o SENHOR, teu Deus, eliminar de diante de ti as nações, para as quais vais para possuí-las, e as desapossares e habitares na sua terra, guarda-te, não te enlaces com imitá-las, após terem sido destruídas diante de ti; e que não indagues acerca dos seus deuses, dizendo: Assim como serviram estas nações aos seus deuses, do mesmo modo também farei eu. Não farás assim ao SENHOR, teu Deus, porque tudo o que é abominável ao SENHOR e que ele odeia fizeram eles a seus deuses, pois até seus filhos e suas filhas queimaram aos seus deuses. Tudo o que eu te ordeno observarás; nada lhe acrescentarás, nem diminuirás (Dt 12:29-32).

A passagem aplica-se não apenas ao comportamento no tabernáculo, mas às praticas de culto em toda a terra de Israel. Se Dt 12:32 aplicava-se apenas ao santuário central, por que razão seria ele usado como texto fundamental para suprimir a idolatria pagã em todo o país? O culto pagão cananeu era descentralizado, com ídolos do lar, sítios pagãos, lugares altos e bosques sagrados. Será que devemos crer que Dt 12:32 preocupa-se apenas com o sincretismo dentro do tabernáculo? O versículo 31 preocupa-se apenas em suprimir o sacrifício de crianças dentro do tabernáculo? É claro que não! O contexto de Dt. 12:32 prova que ele não está restrito apenas ao tabernáculo/templo.


A segunda razão é que Dt 12:32 não pode ser interpretado à parte de passagens virtualmente idênticas, que afirmam sola scriptura, que se aplicam não apenas ao tabernáculo/templo, mas à vida como um todo. As passagens de sola scriptura ensinam que a igreja não tem autonomia ou autoridade legislativa quanto a ordenanças de doutrina, ética ou culto. Observe as seguintes passagens: ―Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, que eu vos mando (Dt 4:2). Toda palavra de Deus é pura... Nada acrescentes às suas palavras, para que não te repreenda, e sejas achado mentiroso (Pv 30:5-6).

Já chamamos a atenção, na nossa discussão de Dt 4:2, que é pecaminoso para o homem criar as suas próprias regras éticas. Os membros da igreja ficariam justamente irados e ultrajados se seu pastor ou conselho decretasse que comer carne às sextas-feiras, ou usar jeans, ou andar de bicicleta era agora pecaminoso e merecedor de censura eclesiástica. Deuteronômio 4:2 também proíbe as autoridades da igreja de fazerem subtrações ou acréscimos ao culto prescrito na Escritura. A única forma de Dt 4:2 ser contornado pelos opositores do princípio regulador é pretextar que o culto a Deus não é assunto prescrito da lei, mas que pertence à esfera das coisas indiferentes (adiaforia). A ideia de que o culto a Jeová (o dever mais sagrado e importante da igreja) é adiafórico é impossível por dois motivos. Primeiro, a adiaforia refere-se apenas aos assuntos indiferentes que não são ordenados nem proibidos, que não são diretamente regulados pela Escritura. O culto, entretanto, é ordenado por Deus. Segundo, as áreas da adiaforia são opcionais. O culto não é opcional. Dt 12:32, que é virtualmente idêntico a 4:2, é dado no contexto do culto para enfatizar: (1) a autoridade exclusiva da Escritura sobre o culto, (2) a falta de autoridade legislativa do povo da aliança para determinar ou criar o seu próprio culto e (3) a necessidade de ater-se estritamente ao que diz a Palavra de Deus para evitar os acréscimos humanos que, por causa da depravação humana herdada, levam ao sincretismo e ao pecado. O princípio regulador é simplesmente o sola scriptura aplicado à esfera do culto. Aqueles que aplicam Dt 12:32 apenas ao templo, fazem-no somente porque não entendem Dt 4:2 e a completa aplicação da sola scriptura.

Terceira razão, a ideia de que o princípio regulador aplicava-se apenas ao templo ignora o fato de que o culto no tabernáculo/templo continha ordenanças cerimoniais e não cerimoniais. O sacrifício de animais, a queima de incenso e o uso sacerdotal e levítico de instrumentos durante o sacrifício eram cerimoniais. Mas a leitura da Escritura (1Ts 5:27; Cl 4:16; 1Tm 4:13), a oração (Mt 6:9; 1Ts 5:17; At 4:31; 1Co 11:13-15; Fp 4:7; Tg 1:5) e o cântico de louvor (Mt 26:30; At 16:25; 1Co 14:26; Ef 5:19; Cl 3:16; Hb 13:15; Tg 5:13) não eram cerimoniais. Tal afirmação prova-se pelo fato de que a leitura da Escritura, a oração e o cântico de louvor são, todos eles, aspectos integrais do culto cristão após a dissolução do templo e a ab-rogação das ordenanças cerimoniais. Por isso, é extremamente simplista e exegeticamente falaz argumentar que o princípio regulador foi anulado juntamente com a ordem cerimonial. Se o princípio regulador aplicava-se ao culto do templo, então, ele regulava o culto não cerimonial que lá ocorria.

Aqueles que argumentam que o princípio regulador aplicava-se somente ao templo que foi, portanto, ab-rogado com a lei cerimonial, são culpados de fazerem uma antítese total entre o culto no templo e o culto público na sinagoga/culto público cristão. Não se pode negar que o culto no templo tipificava Cristo e Sua obra. Não se deve, entretanto, subestimar o fato de que o templo era também um lugar de culto (Jo 4:21) e oração (Mt 21:13). Alguns dos elementos cruciais do culto público cristão foram praticados primeiramente no templo. Bushell escreve:

Para o judeu do Velho Testamento o ritual do templo era a imagem viva da adoração e todos os exercícios de piedade estavam, de uma forma ou de outra, atrelados àquela fonte. As práticas litúrgicas na sinagoga correspondiam, em muitos casos, diretamente às do templo. A oração, por exemplo, era oferecida na sinagoga no mesmo momento das oferendas do templo. Fora deste lugar de culto, a oração era sempre feita com a face voltada para o Templo, ou Jerusalém. As sinagogas eram consideradas santuários em miniatura, a ponto de sua mobília (tais como a arca e o candelabro de sete braços) ser calcada na do templo. Por isso, considerando a importância do templo até mesmo para o culto fora de Jerusalém, seria razoável postular um grau maior de continuidade entre a prática do culto cristão e certos aspectos da liturgia do templo; uma continuidade maior do que grande parte das autoridades está disposta a admitir. A escassez de referências na literatura quanto à influência da liturgia do templo no culto cristão é uma situação desequilibrada que precisa muito ser corrigida. É nossa opinião que o templo, e não a sinagoga, é a referência final para certos aspectos mais importantes no culto cristão. O fato de que muitos desses aspectos podem ter sido intermediados pela sinagoga está além da questão, pelo menos até onde vai a nossa preocupação com o assunto. [78]

Apesar de serem feitas certas tentativas de se limitar o princípio regulador ao templo, elas não têm absolutamente qualquer fundamento na Escritura. O culto do templo prova em si mesmo que o princípio regulador não pode estar restrito às ordenanças cerimoniais.

Quarta razão, há algumas passagens que aplicam o princípio regulador fora da esfera do culto do tabernáculo/templo. Se existir na Escritura pelo menos uma palavra que aplique o princípio regulador fora do culto do tabernáculo/templo, então a afirmativa de que o princípio regulador aplica-se apenas ao templo cai por terra. Vamos examinar três passagens.  

Em Mt 15:1-3 Jesus condenou os fariseus por acrescentarem a lavagem ritualística, que ocorria em casa e não no templo, à lei. Então, vieram de Jerusalém a Jesus alguns fariseus e escribas e perguntaram: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos, quando comem. Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? Esta passagem constitui um sério problema para aqueles que ensinam que o princípio regulador aplicava-se apenas ao templo, e que as tradições criadas pelos homens são permitidas desde que não violem o claro ensinamento da Escritura. Onde, na Palavra de Deus, condena-se a lavagem das mãos? Se os acréscimos humanos são permitidos na esfera religiosa, o que poderia ser mais inocente, útil e prático do que um simples lavar de mãos? Entretanto o nosso Senhor não apenas recusou submeter-se a esse ritual religioso criado pelo homem como também repreendeu vigorosamente os fariseus por adicionarem uma regra humana à Palavra de Deus. Lavar as mãos é algo bem apropriado; pode-se desejar que fosse sempre praticado; mas elevá-lo à condição de ritual religioso é estultícia e pecado[79]. Os discípulos de Cristo foram bem treinados, pois sabiam que qualquer tradição humana, não importa quão boa e inocente, não deve ser observada quando recebe do homem, sem a sanção divina, status e significado religioso. Observe, as imposições ilegais [tradições humanas no culto] ficarão sob a responsabilidade dos que as sustentam, defendem, e as fazem vigorar, tanto quanto dos que primeiramente as inventaram e delas gozaram[80]. A antiguidade e os Pais [da Igreja] sem a Escritura são a velha cartilha dos supersticiosos formalistas... Daqui aprende-se que Deus em sabedoria põe em discussão as cerimônias dos homens para que sejam refutadas e condenadas.[81]

Jesus é um ardente defensor do princípio regulador. Ele rejeita a mais inofensiva das tradições religiosas e mostra-nos também como as tradições e leis humanas desviam e, portanto, invalidam a sentença sobre aquilo que Deus condenou. Rutherford escreve:

Os fariseus criticaram quando viram alguns dos discípulos comendo pão com as mãos sem lavar. Exigia-se a justificativa para a omissão de um ritual exterior, visível aos olhos. Essas tradições, entretanto, não são condenadas por Cristo por serem contrárias à Palavra de Deus ou por serem ímpias, mas por não serem ordenadas. Eles não acusavam os discípulos de Cristo da impiedade de qualquer sentimento perverso quanto a essas tradições, ou de crítica íntima ao ritual religioso de lavar as mãos, nem disputavam com eles sobre se as tradições dos anciãos deveriam, ou não, ser estimadas como a essência e a totalidade de todas as religiões, como disse Vasquez*, mas altercavam tão somente sobre a concordância externa em seguir, ou não seguir, a tradição dos anciãos, como está mais do que claro no texto. Cristo, na verdade, desaprovou o fato de terem maior consideração às tradições dos homens do que aos mandamentos de Deus, como os papistas e os formalistas o fazem; mas não era esse o ponto em questão entre os discípulos de Cristo e os fariseus. Cristo rejeita tais tradições com o argumento da falta de um Autor legal, quando as chama de preceitos de homens em oposição aos mandamentos de Deus.[82]  

As pessoas que se opõem ao princípio regulador tentam, frequentemente, contornar a importância óbvia dessas passagens apelando para o contexto. Dizem que o exemplo apresentado por Cristo nos versículos 4 e 5 (de alguém que segue a tradição para esquivar-se de sustentar seus pais na velhice) nos informa que Cristo tinha na mente apenas as tradições negativas, isto é, as tradições que anulavam, abandonavam ou contradiziam à Palavra de Deus. O problema dessa interpretação é que ela ignora completamente o versículo 2, o confronto original que resultou na respostas de Jesus nos versículos de 3 a 9. Jesus exemplifica por que é errado acrescentar exigências humanas à Palavra de Deus. Elas terminam por suplantar a Palavra de Deus. (Quem conhece o judaísmo ou a história da igreja sabe que o ensinamento de nosso Senhor é verdadeiro). O fato de Cristo dar tal exemplo não minimiza jamais o verso 2, onde a mais inocente e aparentemente inofensiva das tradições humanas (lavar as mãos) é considerada totalmente imprópria. Como é que o fato de alguém lavar as mãos pode contradizer, violar, ou pôr de lado a Palavra de Deus? Jesus condena os fariseus por presumirem (ao contrário da Palavra de Deus) que os líderes religiosos têm autoridade legislativa na igreja. Quando tais líderes atribuem a si mesmos a autoridade de inventarem doutrinas ou mandamentos, o resultado final é decadência e mesmo apostasia. Observe que nos versículo 9 Jesus condena claramente todas as doutrinas e mandamentos humanos na religião. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens (Mt 15:9; cf. Is 29:13).

Além disso, a passagem paralela de Marcos 7 põe termo ao assunto definindo-o, porque nessa narrativa Jesus identifica explicitamente as tradições que Ele condena, como inclusive as lavagens religiosas[83]. Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens. Porque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens, como o lavar dos jarros e dos copos, e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas. E dizia-lhes: Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição (Mc 7:6-9). É tão fácil destruir a autoridade da Palavra de Deus pelo acréscimo quanto o é pela subtração, tanto soterrando-a sob as invenções humanas quanto negando a sua verdade. A Bíblia toda, e nada a não ser a Bíblia, tem de ser a nossa regra de fé — sem acréscimos ou amputações.[84] O nosso Senhor não só condena as tradições humanas negativas, más ou contraditórias, mas a todas elas sem exceção. Spurgeon escreve:

A religião baseada na autoridade humana é inútil; devemos adorar ao verdadeiro Deus da maneira que Ele mesmo determina, ou não estaremos adorando-O jamais. Doutrinas e mandamentos só devem ser aceitos quando têm a sustentação da Palavra, e só por esta razão é que serão aceitos. A forma mais meticulosa de devoção será vã adoração, se for regulamentada por ordenanças humanas à parte dos próprios mandamentos de Deus.[85]  

Após um breve exame do ensinamento de Cristo no contexto só se pode concluir que o argumento de que nosso Senhor está condenando apenas certas tradições religiosas perniciosas, e não a toda e qualquer tradição humana, é "eisegesis" da pior qualidade. A tentativa de se burlar passagens que provam o princípio regulador, como Mateus 15:2-9, não são novas, mas são (de forma geral) reedições de antigos argumentos papistas e de lideranças eclesiásticas há muito rejeitados pelas igrejas reformadas. Observe as palavras de Zacarias Ursinus (escritas na década de 1570 e publicadas pela primeira vez na década de 1580):

Alguns há que se opõem ao que dissemos aqui, afirmando, como apoio à pretensa religiosidade, que as passagens que citamos condenando-a referem-se apenas às cerimônias instituídas por Moisés e aos mandamentos humanos ilegítimos que não fazem parte do culto a Deus, e não aos preceitos sancionados pela igreja, e bispos que nada ordenam contrário à Palavra de Deus. Mas a falsidade deste argumento pode ser provada por certas declarações, análogas às passagens da Escritura que citamos, que também rejeitam àquelas leis humanas, que, em sua própria autoridade, nada prescrevem com referência ao culto divino que Deus não tenha ordenado, embora, em si mesma, a coisa não seja pecaminosa nem proibida por Deus. Embora não fosse pecaminosa em si mesma, Cristo rejeita a tradição dos judeus quanto ao lavar as mãos, pois associavam a ela a ideia de culto divino, dizendo assim: Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem e Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão cheios de rapina e intemperança! (Mt 15:11; 23:25). O mesmo se aplica ao celibato e à discriminação entre dias e tipos de carnes, ao que Ele chama de doutrinas de demônios, embora sejam intrinsecamente legítimas ao piedoso, como Ele ensina noutra parte. Por isso, aquelas coisas que são em si mesmas indiferentes, que não são ordenadas nem proibidas por Deus, se forem prescritas e realizadas como culto a Deus, ou se delas se supor que Deus seja honrado quando as executamos e desonrado quando as negligenciamos, é claramente manifesto que a Escritura as condena, nestas e em outras referências.[86]

Outra passagem da Escritura que desaprova a teoria do apenas ao templo é Cl 2:20-23: Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquilo outro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade. O apóstolo Paulo, escrevendo sob a inspiração do Espírito Santo, vários anos após o princípio regulador ter sido supostamente abolido, impôs rigorosamente o princípio regulador.

Paulo diz que qualquer adição ao que Deus ordenou ou autorizou é religião auto-imposta, ou como diz a versão do rei Tiago, culto da vontade [ou culto de si mesmo, ARA ou pretensa religiosidade, NVI]. A palavra grega usada por Paulo (ethelothreskeia) significa culto que se origina da própria vontade do homem. Este não é o culto ordenado por Deus, mas que brota da própria ingenuidade do homem; é devoção não autorizada... O referido culto não é solicitado nem aceito. É superstição...[87]

O essencial é que essas ordenanças são formas de culto ou de ato religioso escolhido pelo homem, conforme a vontade do homem, não significa escolhidos por Deus. Este é o cerne do culto corrupto: quando os homens procuram estabelecer as suas próprias formas de culto. Podemos chamá-lo de culto tipo livre escolha, pois os advogados do culto feito pelo homem alegam que o homem tem o direito (ou a liberdade) de instituir meios aceitáveis para adorar a Deus.[88] 

Paulo diz que fazer acréscimos à Palavra de Deus é uma demonstração de falsa humildade. Será que o homem é capaz de melhorar a adoração e o ato de culto que Deus instituiu? É o ápice da arrogância e da estupidez pensar que o homem pecador pode melhorar as ordenanças de Deus. É provocar a Deus, pois isso recai sobre a Sua honra, como se Ele não fosse sábio o suficiente para determinar o modo do Seu próprio culto. Ele odeia todo fogo estranho oferecido em Seu templo. Lv 10:11. Uma cerimônia [qualquer] pode a um tempo [qualquer] levar a um crucifixo. Aqueles que defendem o uso do sinal da cruz no batismo, por que não defendem também o óleo, o sal e o creme?[89] Como diz Paulo: a regras e regulamentos feitos pelo homem não têm valor algum para o que crer (Cl 2:23).

Os oponentes do princípio regulador tentam contornar o ensinamento de Colossenses de modo semelhante à passagem de Mt 15:2. Eles pretendem que Paulo não está condenando a todas as tradições humanas, mas que só está preocupado com a eliminação de certos tipos de ascetismo. Em outras palavras, é errado criar regras que proíbam comer carne e outros alimentos, mas é inteiramente aceitável inventar práticas de culto, dias santos e rituais.

Há uma série de razões pelas quais a condenação de Paulo aos preceitos humanos não pode estar limitada a certas práticas ascéticas. Primeira, o amplo contexto da passagem indica que Paulo rejeita enfaticamente todas as tradições humanas na esfera religiosa, e não meramente leis dietéticas ascéticas. O provável problema na igreja de Colossos era a influência de uma forma primitiva de ascetismo gnóstico. Paulo, no capítulo 2, condena enfaticamente o legalismo gnóstico. Entretanto, ao condenar esta filosofia em particular, e ao falso sistema ético que dela deriva, Paulo condena todas as formas de filosofia não cristã e todo culto e ética fundamentados na filosofia e tradição de homens. Nesta epístola, Paulo primeiro aponta Jesus Cristo aos colossenses. Os crentes colossenses precisam trazer à memória que Cristo é preeminente (1:18); que em Cristo, que é o Cabeça de todos, eles estão completos (2:10); que alguns não têm se mantido fiéis à Cabeça (2:19); que em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (2:3). Cristo, sozinho, é Rei e Cabeça da igreja. Somente Ele é a nossa santificação. Somente através de Cristo e da Sua palavra-lei procede justa doutrina, propósito e ética. Por isso Paulo escreve: Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo (Cl 2:8). Calvino escreve:

Conforme a tradição dos homens. Ele [Paulo] aponta mais precisamente qual é o tipo de filosofia que reprova, e ao mesmo tempo condena-a duplamente como inútil: porque não é segundo Cristo, mas conforme as inclinações dos homens; e porque consiste dos rudimentos do mundo. Note, entretanto, que ele opõe Cristo aos rudimentos do mundo, e igualmente, às tradições dos homens; com isso, o que ele quer dizer realmente é que, qualquer coisa produzida pela imaginação do homem não está de acordo com Cristo, a quem o Pai designou como nosso único mestre, para que Ele nos guarde na simplicidade do Seu evangelho, que se corrompe até mesmo pela menor partícula do fermento das tradições humanas. Ele também quer dizer que são estranhas a Cristo todas as doutrinas que tornam o culto a Deus — que, segundo a lei de Cristo, sabemos ser espiritual — em rudimentos do mundo, e que, como tais, escravizam as mentes dos homens com ninharias e frivolidades, ao passo que Cristo chama-nos diretamente para Ele.[90]

É universal, a condenação de Paulo à filosofia conforme as tradições dos homens. Não se pode argumentar que, nessa passagem, Paulo condena apenas o ascetismo gnóstico e não condene as filosofias de Kant, Hegel, Schleiermacher, Marx e Dewey. Para Paulo não existe neutralidade filosófica ou ética. Uma doutrina ou prática ou está, ou não está, em concordância com Cristo. E se não estiver, ela procede, então, da imaginação autônoma do homem e é (segundo Paulo) uma tradição de homens. Por isso, quando em 2:20-23 Paulo condena os preceitos humanos, ele usa a mesma linguagem universal. No versículo 20 Paulo pergunta àqueles que estão em erro em Colossos o seguinte (numa paráfrase): Por que é que vocês agem como pessoas perdidas que continuam a viver sob uma visão pagã e sujeitando-se assim a preceitos humanos? E então, no versículo 21, Paulo dá exemplos específicos. Seriam os preceitos humanos, mencionados no versículo 21, as únicas tradições humanas que Paulo proíbe? Não. Por causa da condenação universal da filosofia e tradição humanas, que tanto precedem quanto sucedem o versículo 21, os preceitos humanos desse versículo devem ser vistos como uns poucos exemplos tirados da categoria universal das filosofias e tradições humanas. Não há como limitar a assertiva de Paulo no versículo 22 segundo os preceitos e doutrinas dos homens apenas aos preceitos do ascetismo gnóstico, tanto quanto a condenação da filosofia humana no versículo 8 não pode ser restrita a uma única comunidade grega. Além disso, a declaração do versículo 22, segundo os preceitos e doutrinas dos homens, espelha a condenação às tradições judaicas quanto à doutrina e a ética encontradas em Is 19:13 e Mt 15:2-9. A Bíblia condena os acréscimos e os preceitos criados pelo homem, na doutrina, na ética e no culto, sejam eles judaicos, gregos, persas, romanos, alemães, ingleses ou americanos.

Segundo, a interpretação que diz que Paulo proíbe o acréscimo de algumas filosofias e tradições humanas à doutrina, ética e culto da igreja, mas permite outras tradições humanas, viola o padrão ortodoxo dos métodos de interpretação protestante. Um estudo tanto do Velho quanto do Novo Testamentos prova, sem qualquer sombra de dúvida, que Deus proíbe acréscimos ou subtrações à doutrina, ética e culto estabelecidos na divina revelação (Dt 4:2; 12:32; Pv 30:6; Gn 4:3-5; Lv 10:1-2; 2Sm. 6:3-7; 1Cr 15:13-15; Jr 7:24,31; 19:5; Is 29:13; Nm 15:39-40; Mt 15:2-9; Jo 4:24; Ap 2:18, 19; etc.). Essa afirmação é simplesmente o entendimento confessional reformado de sola scriptura que tem sido discutido nas partes anteriores desse estudo. A tentativa de fazer de Paulo um bom episcopal, luterano, ou católico, quanto às tradições humanas, envolve a ignorância proposital de todo o ensinamento da Escritura. O coração do homem é tão enganoso que, pelo autoengano e sutilezas da razão humana, ele cria onde não existe brecha para a autonomia humana. Por isso, a nossa única esperança em manter a pureza na doutrina, na ética e no culto está em adotar e obedecer estritamente aos mandamentos de Deus sem se desviar para direita ou esquerda.

Outra passagem que desaprova a teoria do apenas ao templo é Jo 4:21-24: Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.

Quando Jesus discutiu sobre adoração com a mulher samaritana e contrastou o culto da velha aliança com o da nova, Ele ensinou que em ambas as dispensações o culto deveria ser realizado sob os mesmos princípios. Observe a frase: mas vem a hora e já chegou (v. 23). Embora a morte de Cristo tenha eliminado todos os aspectos e cerimônias típicas do culto da velha aliança, a necessidade de adorar a Deus em espírito e em verdade não era um princípio novo, pois já vigorava quando Jesus disse essas palavras. Segundo Jesus, Deus deve ser adorado em espírito e em verdade, não porque o templo represente a Cristo e ao evangelho, mas devido à natureza e ao caráter de Deus. Bushell escreve:

O Espírito, que é a fonte da vida eterna, precisa ser também a fonte da verdadeira adoração. Se admitirmos que o Espírito apenas opera em e através da Sua Palavra, tal princípio tem por justa inferência que todo o culto verdadeiro deve estar fundamentado nas Sagradas Escrituras... O culto aceitável precisa ser conforme o caráter de Deus, como nos está revelado nas Escrituras, e em conformidade com tal e suficiente regra, em todos os seus aspectos. Somente o culto que procede em última instância do Espírito através da Sua Palavra é agradável a Deus.[91] 

Essa passagem da Escritura refuta por si mesma a ideia de que o princípio regulador aplicava-se apenas ao templo, porque quando Jesus começa essa discussão, fica claro que Ele falava do culto no templo em Jerusalém (v. 21). Portanto, quando Ele diz que o mesmo princípio de adoração em espírito e em verdade‖, que está em vigor agora na era da velha aliança, estará também em vigor na era da nova aliança, Ele está ligando à igreja da nova aliança o rígido princípio de adoração que regulamentava o templo. Se os crentes tanto da velha quanto da nova aliança querem adorar adequadamente a Deus, eles só podem fazê-lo em conformidade com a Sua natureza e caráter. E a única forma de aproximar-se de Deus num modo que O agrade é achegar-se a Ele nos Seus próprios termos conforme as Sua próprias regras. Isso significa que o culto tem de ser prescrito pela Escritura e não por homens pecadores. Deus que é em si mesmo a verdade tem de ser adorado conforme a verdade e não segundo a imaginação do homem. O Catecismo Maior de Westminster diz: “Os pecados proibidos no segundo mandamento são: o estabelecer, aconselhar, mandar, usar e aprovar de qualquer maneira qualquer culto religioso não instituído por Deus mesmo”... (Catecismo Maior de Westminster, resposta 109). A ideia de que o princípio regulador aplicava-se apenas ao culto do tabernáculo/templo não tem respaldo bíblico, contradiz o óbvio ensino da Escritura e, portanto, tem de ser rejeitado.

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NOTAS: 
[78] Michael Bushell. The Songs of Zion, pág 71-72.
[79] Charles Haddon Spurgeon. The Gospel of Matthew (Grand Rapids: Revell, 1987), 201.
[80] Matthew Henry. Commentary (McLean, VA: MacDonald, s.d.), 5:210-211.
[81] David Dickson. Mathew (Carlisle, PA: Banner of Truth, 1987 [1647]), 207.
* Gabriel Vasquez (1549-1604). Filósofo e teólogo jesuíta, também conhecido como ―Bellomontanus. Sua obra mais importante é Commentari ac Disputationes sobre a Summa Theologica de Tomás de Aquino.
[82] Samuel Rutherford, The Divine Right of Church Government and Excommunication (London: John Field, 1647), 138.
[83] A segunda metade do versículo 8, que começa com ― o lavar dos, não foi incluída nas edições críticas modernas do Novo Testamento grego (e.g., 3a. edição do Novo Testamento Grego das Sociedades Bíblicas Unidas; 26a. edição do Novo Testamento Grego Nestle-Aland). A maioria das traduções modernas em inglês (ASV, RSV, NASB, NEB, JB, NIV) refletem a crítica textual moderna deixando fora a segunda metade do versículo 8 [Em português o mesmo ocorre com ARA, NVI e BLH]. A versão ampliada do versículo 8 encontra-se no Textus Receptus (ou Texto Recebido) e no Texto Majoritário (ou bizantino/texto tradicional). As versões KJV (Versão do Rei Tiago) e NKJV (Nova Versão do Rei Tiago) têm por base o Textus Receptus. Em síntese, as edições críticas do Novo Testamento grego (em que estão baseadas virtualmente todas as traduções modernas) dependem primariamente de uns poucos manuscritos mais antigos que foram descobertos principalmente entre o final do século XIX e começo do século XX (e.g., o Codex Vaticanus e o Codex Sinaiticus). Os textos majoritários não são tão antigos quanto os utilizados nas edições críticas, mas são bem mais numerosos e são usados pela igreja de Cristo aproximadamente desde os primórdios do quinto século, no mínimo. O conhecimento erudito moderno dos textos majoritários (i.é, a arqueologia, a verificação de várias versões de papiros mais antigos, versões e citações dos primitivos pais da igreja [e.g., por exemplo, o polêmico texto final de Marcos foi aceito como canônico lá pelo segundo século d.C.]), sérios problemas com as pressuposições e metodologia dos primeiros mestres da crítica, como Wescott e Hort, e as grandes diferenças entre os manuscritos Vaticanus e Sinaiticus, fizeram muitos cristãos apontarem de volta o Texto Majoritário como superior ao texto da crítica moderna. Este autor considera que as versões da KJV e da NKJV para Marcos 7:8 refletem as verdadeiras palavras de Jesus. Entretanto, a aceitação do princípio regulador não depende da aceitação da versão do Texto Majoritário para Marcos 7:8.
[84] J. C. Ryle. Expository Thoughts on the Gospels: Mark (Wheaton, IL: Crossway Books, 1993), 101-102. Não obstante sejam verdadeiros seus comentários sobre Marcos, citados acima, Ryle (1816-1900) foi ministro anglicano e bispo (de Liverpool) e, portanto, não adotava o princípio regulador.
[85] Spurgeon. Matthew, 203.
[86] Zacarias Ursinus. Commentary on the Heidelberg Catechism (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, s.d. [de uma edição de 1852]), 518-519.
[87] John Eadie. Commentary on the Greek Text of the Epistle of Paul to the Colossians (Grand Rapids: Baker, 1979 [1884]), 199-200.
[88] Kevin Reed. Biblical Worship (Dallas: Presbyterian Heritage, 1995), 56.
[89] Thomas Watson. The Ten Commandments (Edinburgh: Banner of Truth, 1986 [1692]), 63.
[90] John Calvin. Commentary on the Epistle to the Colossians (Grand Rapids: Baker, 1981), 181.
[91] Michael Bushell. The Songs of Zion, 149, 151-152.

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Autor: Brian Schwertley
Fonte: 
Sola Scriptura e o Princípio Regulador do culto, pág 76-89. Editora Os puritanos

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O Pastor precisa mesmo ser Teólogo?

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Mais uma vez, dirijo-me aos pastores. É importante deixar claro que não falo como pastor, mas como ovelha que tem alguns pedidos a fazer. Não falo em tom de superioridade, mas com muito carinho e respeito aos pastores. Tem sido semeada em muitas igrejas - e até em instituições teológicas - a ideia de que ser pastor não é ser teólogo. Antes de qualquer coisa, quero esclarecer que não sou a favor de uma teologia sem espiritualidade, nem de que o conhecimento bíblico apenas, sem que haja uma vida piedosa, seja suficiente. Também não estarei dizendo que não se pode ser pastor sem ter feito algum curso teológico. O ponto não é esse e não entrarei nessa questão.

Dito isso, apresento-lhes um fato: não é pequena a quantidade de igrejas que são pastoreadas por homens com raso conhecimento teológico e superficial conhecimento bíblico. Há instituições que carecem profundamente da sã doutrina e do zelo pelas Escrituras. Mas a grande pergunta é: Se isso é um fato, por qual motivo ele existe? Tenho um palpite. Acredito que tudo que deixamos de lado, seja em qualquer área de nossa vida, é porque não consideramos importante (que Deus tenha misericórdia de nós, pois fazemos isso). E, se a teologia tem sido deixada de lado por alguns pastores/igrejas/instituições, é porque ela não tem sido considerada importante. A teologia ortodoxa afirma que o estudo sobre Deus (Theo + logia) deve ser baseado única e exclusivamente na Bíblia. O que me leva a concluir que, quando o estudo teológico é deixado de lado, a própria Escritura também não tem sido considerada importante.

Então, surge o ponto central deste meu escrito: É possível ser pastor e não ser teólogo? Minha resposta vai mais além que um simples "não". O conceito de pastor e teólogo tem sido dicotomizado quando, na realidade, ambos nunca deveriam, nem poderiam ser considerados diferentes com relação ao pastorado. Vejamos o que Efésios 4:11-14 diz:

"E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro." 

Note, no versículo 11, que as expressões "pastores e mestres" estão ligadas. No grego, elas são apontadas por um mesmo artigo. Alguns para apóstolos; Outros para profetas; Outros para evangelistas; E, por fim, outros para PASTORES e MESTRES. Essas últimas expressões, que formam um mesmo grupo - e não dois, caracterizam os dons espirituais de homens que têm a responsabilidade de cuidar e guiar o rebanho. Sim, são os pastores. Mas o que quer dizer "mestres"? Em outras versões, encontramos a palavra "doutores" no lugar de "mestres". Essas palavras querem dizer a mesma coisa: pessoas que detém conhecimento. E, se estamos falando de mestres da igreja, que tipo de conhecimento seria se não o do Filho de Deus (v.14), o próprio Cristo, revelado na Escritura?


O próprio texto deixa claro para quais finalidades Deus designou essas pessoas. No aspecto positivo, "preparar os santos para a obra do ministério", edificar o "corpo de Cristo" - a Igreja, alcançar a "unidade da fé" e "conhecimento do Filho de Deus" - Jesus Cristo, chegar à "maturidade", atingir "a medida da plenitude de Cristo". No aspecto negativo, evitar que sejamos "como crianças", "jogados para cá e para lá por todo vento de DOUTRINA" (ênfase minha), evitar homens que "induzem ao erro". Fica claro, pelo texto, que ser pastor é ser mestre, de modo que eles tenham o conhecimento suficiente para tudo isso. Então do que estamos falando? De pastores teólogos! Sim, existem teólogos que não são pastores, mas é inadmissível biblicamente a existência de pastores não teólogos.

É provável que, até aqui, a maioria destes pastores dos quais me refiro já tenham desistido de ler este texto. Discursos e atitudes como essas provocam justamente aquilo que deve se evitado pelo pastor e mestre. As igrejas não têm crescido. Os irmãos têm permanecido como crianças, levados por qualquer vento de doutrina. E a consequência disso é erro por cima de erro. Meu convite é a você, ovelha como eu, que tem sido prejudicado pela ausência de líderes como esses. Oremos e trabalhemos por uma radical mudança em nosso meio. Não podemos nos calar. A igreja tem voz. Podemos e devemos cobrar, com amor e humildade, que nossos pastores empenhem-se no estudo teológico para servir melhor as suas igrejas. Até quando vamos ter perguntas sem respostas? Até quando vamos engatinhar enquanto outras igrejas crescem em maturidade bíblica? Aos pastores não teólogos, falo pautado na Palavra e não com minha autoridade própria, arrependam-se e mudem de atitude, ou vocês verão suas ovelhas sendo melhor pastoreadas por pregações do YouTube do que por vocês.

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Autor: Richardson Gomes
Fonte: Electus
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A homossexualidade em Romanos 1: um fruto do afastamento da humanidade

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Introdução

Ao contrário do que alguns poucos aloprados afirmam, o que Paulo combate em Romanos 1 e 2 não é a promiscuidade dentro de relações homossexuais, mas a própria homossexualidade.

A homossexualidade existe há milênios e é conhecida tanto dentro da literatura judaico-cristã quanto fora. O termo deriva dos termos homo e sexus (a primeira, tanto da língua grega quanto da latina, e a segunda da língua latina), e refere-se a um ser humano, homem ou mulher, que possui afeição e atração sexual por outro ser humano do mesmo sexo. Homens e mulheres podem ser homossexuais. As mulheres normalmente são chamadas de lésbicas e os homens de sodomitas. Lésbicas, por causa de uma ilha grega chamada Lesbos, onde viveu uma poetisa, Safo, que escreveu amplamente sobre seus relacionamentos sexuais com outras mulheres. Sodomitas, por causa da prática comum na cidade de Sodoma onde homens buscavam outros homens para relações sexuais, pública ou privadamente.

Os protestantes, desde o início, se valeram dos textos bíblicos para lidarem com o assunto. Apenas recentemente, com um distanciamento da Sagrada Escritura como elemento normativo quanto à moral, ética, sexualidade, comportamentos e fé, é que dentro do protestantismo começou-se a aceitar a homossexualidade como prática aceitável desde que dentro de princípios morais e éticos respeitáveis.

MEU OBJETIVO com esta pregação é compreender qual era o pensamento de Paulo sobre a homossexualidade. Procuraremos compreender qual a razão do apóstolo ter colocado as relações homoafetivas no topo da lista de pecados na abertura de sua epístola aos romanos.

Exposição

Em Romanos 1.1-7, Paulo fala sobre as Boas Novas sobre um Novo Rei. Paulo, claramente, começa sua epístola desafiando o pensamento dos cristãos gentios e judeus na igreja em Roma a pensarem e compararem o rei presente em seu contexto local, o próprio César, e o novo Rei que se apresenta com os mesmos títulos usados para César.

Nesta porção, fazendo clara comparação com César, Paulo chama Jesus de kyrios (Senhor), apresenta Jesus como um filho de Deus, e como alguém que possui um evangelho. Todos estes termos eram usados, antes do cristianismo, à pessoa de César.

Paulo, assim, está provocando o pensamento de seus leitores a pensarem na supremacia da pessoa de Jesus diante do Senhor de todo império romano.

Nos versos 8 a 13 deste mesmo capítulo, Paulo apresenta seu imenso desejo de visitar os cristãos romanos (especialmente, versos 11 e 12).

Nos versos 14 a 17, Paulo volta a falar sobre o Evangelho. Ele inclui temas como salvação, justificação e justiça de Deus.

Nos versos 18 a 23, Paulo apresenta a forma como seres humanos rejeitam a justiça graciosa de Deus e abraçam a corrupção.

Então, nos versos 24 a 27, Paulo entra no assunto que pretendo expor aos irmãos nesta noite. Paulo fala sobre desejos impuros, e corpos que não o honram:

É por isso que Deus os entregou à impureza sexual, ao desejo ardente de seus corações, para desonrarem seus corpos entre si; pois substituíram a verdade de Deus pela mentira e adoraram e serviram à criatura em lugar do Criador, que é bendito eternamente. Amém. Por isso, Deus os entregou a paixões desonrosas. Porque até as suas mulheres substituíram as relações sexuais naturais pelo que é contrário à natureza. Os homens, da mesma maneira, abandonando as relações naturais com a mulher, arderam em desejo sensual uns pelos outros, homem com homem, cometendo indecência e recebendo em si mesmos a devida recompensa do seu erro. Rm 1.24-27

Segundo as Escrituras, a consequência da rejeição da justiça de Deus foi a entrega que o próprio Deus realizou dessas pessoas à impureza sexual. O texto diz que Deus os entregou. A palavra é παρέδωκεν, de παραδίδωμι, ou seja, entregar alguém ou alguma coisa a outro, especialmente, à autoridade de um outro.


Assim, com essa entrega, tais pessoas não teriam como vencer os impulsos desonrosos de sua carne. O final do verso 24 diz que eles desonrariam seus corpos entre si. A razão é simples: a idolatria do corpo. Ao entregarem-se a idolatria do corpo criado ao invés daquele que o criou, substituem a verdade pela mentira.

No verso 26, o verbo παρέδωκεν, o mesmo do verso 24, é repetido, enfatizando que o próprio Deus é quem confundirá a mente do homem idólatra que insiste em fugir do culto ao Criador. A partir daqui as paixões desonrosas serão explicadas com detalhes:

Porque até as suas mulheres substituíram as relações sexuais naturais pelo que é contrário à natureza. Os homens, da mesma maneira, abandonando as relações naturais com a mulher, arderam em desejo sensual uns pelos outros, homem com homem, cometendo indecência e recebendo em si mesmos a devida recompensa do seu erro.

A homossexualidade é tratada pelo Espírito do Senhor como uma paixão desonrosa, contrária à natureza. Segundo este texto, por mais desconcertante que venha a ser, uma das maneiras de constatarmos a corrupção da vida humana é pela existência das práticas homossexuais.


Algo que deve nos chamar a atenção aqui é, porque razão Paulo coloca este pecado no topo da lista no início de sua epístola aos romanos? Como escreveu N. T. Wright, a resposta não é simples, como alguns têm sugerido. Como um judeu, essa prática já era claramente repugnante a Paulo. No entanto, muitas culturas pagãs de sua época aceitavam a homossexualidade com naturalidade.

Alguns pontos precisam ser conhecidos aqui. O próprio Nero, o imperador, era conhecido por suas práticas homossexuais, bem como várias práticas bizarras heterossexuais. É bastante possível que o apóstolo Paulo tenha desejado colocar o dedo na ferida, apontando para o sistema imperial como algo corrompido, podre, por conta de imoralidade em seu núcleo central.

Além de Roma, a homossexualidade era comum em toda a Grécia Antiga, chegando a ser considerado um modelo de educação para os jovens. Em Roma, uma curiosidade é que a relação homossexual passiva era considerada desonrosa. Os romanos eram ensinados a serem ativos em suas relações. A posição passiva era devida apenas às mulheres e aos escravos. De todos os imperadores romanos do período neotestamentário, somente Claudio foi heterossexual. O mais imoral de todos foi Julio César, que era respeitado apenas por ser o imperador e por causa de suas conquistas em favor do império. De Julio César se dizia que “era o homem de todas as mulheres e a mulher de todos os homens”.

É interessante notar também que Paulo escreve esta epístola muito provavelmente durante sua estada em Corinto. Nesta cidade, a cultura grega sobre educação sexual era muito forte. Os meninos deixavam a casa de seus pais ainda muito cedo, provavelmente no início da adolescência, e iam estudar com homens mais velhos dos quais se esperava que fossem introduzidos às práticas sexuais. Estes meninos tornavam-se amantes destes mestres adultos. A pedofilia homossexual era vista como um relacionamento afetivo e educacional entre mestres e alunos. E Paulo estava mergulhado nessa cultura quando escreveu aos romanos. E note que, quando Paulo escreveu sua primeira epístola aos Coríntios, no capítulo 6, versos 9 a 11, citou que os efeminados e os sodomitas não herdariam o reino de Deus. E afirma impressionantemente que, alguns na igreja em Corinto haviam sido homossexuais, mas haviam sido justificados, lavados, santificados em nome do Senhor Jesus, pelo Espírito do nosso Deus (1Co 6.11).

É possível que Paulo tenha pensado nesse contexto coríntio e romano ao escrever. Mas esse não é o seu ponto aqui. Paulo não estava apenas dizendo que os judeus eram contrários àquela prática normal no mundo não judeu, como alguns insistem.

Paulo apenas está a esclarecer que não foi para isso que Deus fez macho e fêmea. Nem está Paulo preocupado em apontar uma realidade somente da casa imperial, ou da cultura greco-romana que assistia com certa medida de simpatia as relações homossexuais. Paulo está a tratar da homossexualidade, e não de homossexuais específicos.

No verso 18, Paulo afirma que a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens, que impedem a verdade pela sua injustiça. Paulo, então, está falando de todos os homens, ou seja, da raça humana. Assim, as relações homoafetivas são um sinal de que o universo humano está quebrado.

A homossexualidade é um sinal de que Deus entregou a humanidade à outra autoridade. A homossexualidade, então, segundo a teologia-bíblica, é apenas um de muitos sinais da entrega da humanidade para viver longe de Deus e contrariamente à sua vontade e verdade.

Quando um homem se deita com um homem, temos algo que não está funcionando como deveria na criação. A criação está quebrada, fora de ponto. E isso é o resultado de Deus ter entregado os seres humanos às paixões infames, contrárias à natureza.

As escolhas que a humanidade tomou, e não apenas homossexuais, tem trazido consequências a todos. E Deus tem permitido que exploremos as consequências de nossa própria rebelião. Ele nos avisa, nos chama ao arrependimento, nos convida à conversão. Mas, se escolhermos a idolatria do corpo, a idolatria da criatura, a idolatria e serviço e culto da carne, caminharemos para o dissolver da humanidade.

Um livro lançado em 2013 nos Estados Unidos revelou o poder de Deus na vida de um famoso ator de filmes pornográficos homossexuais. O livro se chama Swallowed by Satan (Engolido por Satanás), e tem como subtítulo “como nosso Senhor Jesus Cristo me salvou da pornografia, homossexualidade e ocultismo”. Seu autor, Joseph C. Sciambra, conta a história de como ele, com uma infância tranquila numa família tradicional, entrou no universo da pornografia.

Em princípio, a porta foi via a pornografia impressa em revistas. Após ser introduzido no universo dos vídeos pornográficos, Sciambra passou a não mais se interessar somente pela pornografia heterossexual. Ele afirma em seu livro que foi a adicção à masturbação e pornografia heterossexual que o introduziu ao universo homossexual.

Ele conta como, com 19 anos de idade, ele começou a frequentar o distrito de Castro e encontrou um homem mais velho que estava disposto a pagar tudo para ele. Esse homem passou a ter encontros sexuais com ele, depois passou a filmá-lo, depois passou a mostrar tais filmes a amigos, e ele passou a fazer sucesso. Com o tempo, Sciambra passou a fazer filmes pornográficos oficialmente e a viver disso. Em suas palavras, Satanás o engoliu aos poucos.

De acordo com Sciambra, sua história não é mais ou menos extraordinária da de tantos outros que entram no universo pornográfico homossexual. Ele afirma:

“O que em minha vida justifica este livro? Em uma palavra: Eu não fiz nada que possa ser considerado extraordinário, excepcional, ou digno de nota. O que pode ser interessante aos outros é o papel que Nosso Senhor Jesus Cristo desempenhou em minha história.”

Em outra ocasião, Sciambra, pensando em sua própria história, afirma que, no universo homossexual, “Satanás tem anexado alguns demônios extremamente vorazes. A influência deles sobre suas vítimas é forte e profunda. Uma vez que eles grudam em você, se livrar deles não é algo fácil.”

Foi quando esteve à beira da morte que Joseph Sciambra descreve a sensação de algo estava o arrastando ao inferno. Sciambra diz que o pouco que havia conhecido sobre Jesus em sua infância foi suficiente para que ele clamasse o socorro de Jesus, dizendo: “Senhor, me ajude”. Ele diz que neste momento, uma paz imensa invadiu seu coração e ele se converteu. É óbvio que sua jornada de conversão foi longa, mas começou com o reconhecimento de sua carência de Jesus para transformá-lo.

Hoje, Sciambra possui um site no qual ajuda outras pessoas a encontrarem em Jesus a mão para socorrer pessoas que desejam sair da pornografia e viver um celibato até o final de sua vida.

Assim, a única solução para o problema humano da homossexualidade é a conversão. Quando os seres humanos adoram o Deus à imagem de quem foram criados, estes mesmos seres humanos passam a ser transformados por Deus a fim de serem aquilo que Deus os criou para ser.

Obviamente, esta não é uma palavra final de Paulo sobre o assunto. São apenas dois versículos (26-27). Muito mais poderia ser dito e colocado, mas os mesmos não podem ser explorados sem que este princípio esteja em mente. A homossexualidade não é fruto de uma escolha individual, ou genética, ou de uma doença, ou de uma construção social. A homossexualidade é fruto da entrega que o Criador realizou quando o primeiro casal se rebelou. A homossexualidade somente existe na humanidade pelo fato de todos terem pecado e estarem distantes de Deus. A homossexualidade, tal como qualquer outro pecado de natureza sexual, qualquer outra perversão sexual, é fruto do afastamento de Deus, da escolha que, desde o início, os homens têm feito.

Conclusão

Há poucas referências bíblicas sobre a homossexualidade. No Antigo Testamento, a primeira e principal referência é sobre a história de Sodoma, em Gn 19.4-11. Além desta passagem, Jz 19, Lv 18.22, Lv 20.13 apresentam a abominação que é ao Senhor a prática homossexual. O Antigo Testamento observa pouco este assunto, não sendo objeto de grande preocupação pelos escritores veterotestamentários. No entanto, no Novo Testamento, mostrando que não se tratava de um assunto exclusivo de um tempo distante, os escritores voltaram a tratar do assunto em 1Co 6.9-11, 1Tm 1.10 e Rm 1.27. Nestes últimos textos, a homossexualidade volta a ser condenada, embora muitos críticos no Novo Testamento acreditem que estas orientações não sejam válidas para a contemporaneidade. Muitos destes, afirmam que sejam moralistas aqueles que usam tais textos bíblicos como suporte para sua visão sobre homossexualidade.

Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é abominação. Nem te deitarás com animal, para te contaminares com ele, nem a mulher se porá perante um animal, para ajuntar-se com ele; é confusão. Lv 18.22-23

Se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles. Lv 20.13

Assim, hoje, entre protestantes encontra-se um pequeno grupo que sustenta não haver base para a Lei Natural e sua relação com os atos sexuais, inclusive, procriativos. À medida em que muitas nações têm revisto suas leis e têm reformado a lei civil reconhecendo e favorecendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, algumas igrejas têm buscado se adaptar ao contexto em que vivem não encarando mais como um comportamento pecaminoso as relações homossexuais.

Todavia, a vasta maioria dos cristãos permanecem com sua tradição bíblica de que a homossexualidade, por conta de todos os textos bíblicos apresentados, deve continuar a ser vista como um pecado a ser deixado. Assim como todos os demais pecados, a homossexualidade também deve ser confessada e abandonada. Não só ela, mas todos os demais pecados para os quais um ser humano diz que nasceu inclinado para aquilo.

Segundo a visão protestante mais aceita, todos são concebidos em pecado (Sl 51.5) e seguem durante a vida sendo mais inclinados ou tentados a um determinado pecado, enquanto que, outros, são mais tentados em outros pecados. Mas, desde o momento em que tal ser humano compreende o chamado para o arrependimento e fé no Filho de Deus, tal pessoa deve olhar para suas antigas práticas do mesmo modo como Deus olha. E, no caso da homossexualidade, como um pecado a ser abandonado para o resto da vida.

Termino com o testemunho de Jerry Arterburn, falecido em 13 de junho de 1988 aos 38 anos, de AIDS:

“Espero que você compreenda que não importa o quão longe você tenha ido em seu estilo de vida homossexual, nunca é tarde demais para mudar, nunca é tarde demais para voltar ao lar. Deus tem o poder de reformá-lo completamente em corpo, alma e espírito. Por causa do que Deus fez por mim, o velho Jerry Arteburn acabou. Ele se foi. E sou uma nova pessoa através do poder de Deus.”

Eu termino com a conclusão de que o apóstolo Paulo pretendia apresentar a homossexualidade não como fruto de uma doença, de uma condição social, de um determinismo genético, ou qualquer outra pressuposição moderna. O Espírito Santo usou Paulo para revelar ao Seu povo que a homossexualidade deve ser vista como um sinal da queda da humanidade e da quebra, ou seja, da impossibilidade dessa humanidade viver os propósitos de Deus sem uma conversão e retorno a Ele.

Assim como a relação entre céus e terra está quebrada, a relação entre homem e mulher também foi afetada pela queda. A homossexualidade deve ser vista conforme comentou Bob Utley – como o pior julgamento que pode haver. É como se Deus dissesse: “deixe que a humanidade caída trilhe seu próprio caminho”. Em Salmo 81.12: Assim, deixei-o andar na teimosia do seu coração; siga os seus próprios conselhos. Em Os 4.7: Efraim está entregue aos ídolos; é deixá-lo. Em At 7.42: Mas Deus se afastou e os entregou ao culto da milícia celestial.

O paganismo, ou seja, o distanciamento de Deus, sempre foi caracterizado pela perversão sexual. Não devemos olhar para esse pecado como mais ou menos importante, mas apenas como mais uma força que oprime pessoas afastando-as do caminho de Deus. E precisamos nos lembrar que nada nem ninguém é capaz de vencer sozinho contra as forças tentadoras de seu próprio coração (sejam estas forças a mentira, a fofoca, a ganância, ou a homossexualidade). É somente na conversão, na justificação dessa vida, que ela será capaz de viver como um homem, ou uma mulher, conforme planejados por Deus.

Deus abençoe a vida de cada um dos irmãos e nos ajude a lidarmos com esse assunto sempre com sabedoria e cuidado, e a lidarmos com as pessoas que são tentadas homossexualmente, com o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, e também com respeito e compaixão.

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Autor: Pr. Wilson Porte Jr.
Fonte: Wilson Porte Jr.

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A Gênese da Revolução Civil - Uma Refutação a Olavo de Carvalho (Parte 1)

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Nosso problema básico hoje é que temos duas religiões em conflito, o humanismo e o cristianismo, cada um com sua própria moralidade e as leis dessa moralidade.” R. J. Rushdoony

Nos últimos dias, o meio evangélico brasileiro voltou sua atenção para as declarações do jornalista, ensaísta e professor Olavo de Carvalho nas redes sociais. Natural de Campinas, Olavo de Carvalho hoje mora na Virgínia, que faz parte do "Bible Belt", o cinturão bíblico dos Estados Unidos. Ele destacou-se em anos recentes especialmente por suas opiniões políticas. Suas últimas declarações, apimentadas por sua personalidade controversa, causaram desconforto e irritação entre os protestantes. Nosso propósito aqui será fornecer informações e elementos alternativos aos usados por Olavo de Carvalho, especialmente no ensaio “Herança de Confusõespublicado no Diário do Comércio no dia 8 de setembro de 2015, com algumas poucas referências a outras opiniões no mesmo contexto publicadas em sua comunidade no Facebook. A tese defendida por ele é que as liberdades modernas não são de forma alguma herança da Reforma Protestante, e que a Reforma na verdade seria a responsável pela divinização do Estado e muitos males modernos.

O primeiro erro visível no texto parece ser uma incompreensão ou negligência, tanto da diferença entre as cosmovisões luterana e calvinista quanto das consequências e desenvolvimentos heterogêneos da Reforma em cada país que alcançou, nos quais ela enfrentou problemas diferentes e encontrou estruturas políticas, sociais e tensões históricas também diferentes. Ademais, há a mais absoluta falta de referência ao contexto histórico e filosófico que precedeu a Reforma Protestante. Diga-se de passagem, a eleição da Reforma como "bode expiatório" dos católicos romanos não é uma opinião original, mas já sustentada há alguns séculos por católicos como o visconde de Bonald.

Contudo, a opinião historicista, que influenciou de Bonald e até mesmo Guillaume Groen Van Prinsterer, estadista holandês e precursor de Abraham Kuyper (embora Prinsterer tenha escrito trabalhos no intuito de refutar a acusação papista), não pode ser considerada suficiente ou adequada para explicar a complexidade do tema. Herman Dooyeweerd explica que "[se] identificamos o aspecto histórico com 'o que aconteceu', então esquecemo-nos de que os acontecimentos concretos exibem muitos outros aspectos que não são de caráter histórico. Consequentemente, a realidade é equiparada a apenas um de seus aspectos (o aspecto abstraído da ciência da História). Abandonamos então o motivo cristão da criação e nos tornamos historicistas." 

Mas, como Groen mostrou, o período anterior à Reforma já dá indícios que o secularismo e a Revolução Civil estavam vivos antes da Reforma Protestante, o que dificulta mais ainda a abordagem tradicional de muitos deles. Groen Van Prinsterer, em seu livro mais famoso, Incredulidade e Revolução”, nos dá algumas informações importantes:

"Pouco antes da Reforma, o cristianismo experimentava grandes doses de superstição acompanhada, como de costume, pela incredulidade. Aos eruditos interessava-lhes mais a mitologia grega do que as verdades cristãs. O brilho das cerimônias não podia esconder o espírito de dúvida e apostasia entre o clero corrupto. Em tempos como esses, um concílio viu-se na necessidade de proclamar a importância de crer na imortalidade da alma [Decreto do V Laterano, em 1513, contra o reavivamento do averroísmo aristotélico]. Isto necessariamente afetaria a lei constitucional. Primeiro na própria Roma. Seus ensinamentos sobre esse assunto nem sempre foram consistentes. Mas eles concordam em um ponto: os interesses e a supremacia da cadeira papal. A doutrina das duas espadas foi interpretada como se a espada espiritual fosse a usada pela igreja e a espada temporal, pelos soldados e governantes que dominavam como representantes da igreja, por seu mandato e permissão. Esta teoria continha a semente da incredulidade. Primeiro, moveu a soberania de Deus para a do Papa, convertendo o vicário em um rebelde, e o culto, em idolatria. Além disso, o que a igreja e o estado juntos reprimiram e coagiram a consciência provocou aversão à religião, e uma reação negativa à autoridade levou as pessoas a situações de perigo real. [...] A confusão na teoria leva ao caos na prática. O efeito prático da incredulidade é maior e mais geral do que se supõe. Alguns países gozaram de uma ordem aparente, que se manifestou e estabeleceu pela força arbitrária. Luís XI reprimiu com crueldade a seus súditos franceses. Henrique VII da Inglaterra pavimentou o caminho para o governo arbitrário de seus sucessores. A resposta de Carlos V na Espanha e nos Países Baixos à monarquia foi a supressão de todas as liberdades. Em terras germânicas, prevaleceu a anarquia. Pouca obediência inspirava o Imperador. Particularmente antes da Reforma, verificou-se uma terrível agitação entre os nobres, os camponeses e as pessoas das cidades. Por toda a Europa, as relações estavam por um fio, dava-se livre expressão às paixões, a liberdade foi além da legalidade e os estados foram atingidos por tumultos, se não pela insurreição. A tradição chegou a ser desprezada e o clamor por mudanças tornou-se universal. Essas eram as condições do cristianismo sob as doutrinas religiosas e políticas do papado, que não conseguiram curar ou proteger da enfermidade" (p. 99-101).


A desmoralização e a confusão eram generalizadas. Não apenas a igreja tinha problemas de corrupção, mas, devido aos problemas religiosos, políticos e filosóficos, o próprio povo tornara-se profundamente imoral e rebelde. Muitos dos problemas sociais vistos hoje também se faziam presentes na Baixa Idade Média. As universidades, embora criadas pela igreja, viviam em conflito com ela. Algumas mulheres tinham o propósito de seduzir jovens padres. Surgiram movimentos heréticos e de grande tensão apocalíptica, como os "adamitas", pregando o nascimento de uma nova era na qual o pecado haveria de ser definitivamente retirado do mundo, e, por essa razão, andavam nus. Franciscanos entraram em guerra entre si. O Franciscanismo radical, influenciado pelas ideias do monge Joaquim de Fiori, atacavam a estrutura da igreja na tentativa de produzir uma nova era. Os novelistas começaram a entender as paixões humanas como "naturais", e a fidelidade marital como meramente religiosa. Francis Schaeffer, por exemplo, fala sobre a ascensão do realismo e da natureza na arte, com Von Eyck, Masaccio e outros. Antes da Baixa Idade Média, a arte ocidental era basicamente simbólica. Cristo e Maria eram pintados sem realismo, em posições rígidas, quase sempre sem panos de fundo retratando a natureza. Mas com Filippo Lippi (1406-1469) e Fouquet (1416-1480), Schaeffer mostra como a "natureza" começou a ganhar atenção e a devorar a graça:


"Bem poucos anos antes, artista nenhum ousaria pensar em pintar Maria em moldes naturais – pintar-lhes-ia apenas um símbolo. Quando, porém, Filippo Lippi executou o quadro da Madona em 1465, a mudança que se patenteava era surpreendente. Retratava uma jovem extremamente formosa com uma criança nos braços e uma paisagem que sem dúvida fora grandemente influenciada pela obra de Van Eyck. Esta Madona já não era mais um símbolo remoto, distante, de cunho transcendente, era uma linda jovem com uma criança. Mas hã algo ainda que devemos saber acerca deste quadro. A jovem que representava Maria era nada menos que sua amante, fato conhecido de toda Florença. Ninguém teria ousado fazer isso alguns anos antes. Na França, Fouquet pintou, por volta de 1450, a amante do rei, Agnes Sorel, como Maria. Todos quantos conheciam a Corte de perto, vendo o quadro, sabiam tratar-se da então amante do rei. Ademais, Fouquet pintou-a com um dos seios a mostra. Enquanto nos tempos precedentes a representação de Maria amamentando o menino Jesus, agora era a amante do rei, com um seio à vista – e a graça estava morta!" (A Morte da Razão, p. 6 e 7).


Em todos os lugares era possível perceber como o cristianismo começara a dividir espaço com a cultura pagã romana e grega. No teto da Capela Sistina, no Vaticano, pintada por Michelangelo, as profetisas pagãs como a Sibila Délfica, Cumana, Eritréia e Líbica dividiam espaço com os profetas do Antigo Testamento. Os escritos de Dante apresentaram a mesma hibridização. No campo filosófico, uma grande síntese entre o cristianismo e Aristóteles começou a ser feita por Pedro Abelardo (m. 1142) e seu pupilo Pedro Lombardo (m. 1160), cujos Quatro Livros das Sentenças tornaram-se padrão para estudo, sendo, inclusive, alvo de crítica pelos reformadores.


A autoridade da igreja de Roma estava em crise inclusive dentro de seus próprios portões. No século XI, os papas quiseram afirmar seu poder secular, enfraquecido pelo feudalismo. Era o Curialismo, que tem sua raiz na carta do papa Gelásio I ao imperador Anastácio (494), e donde nasceu a teoria das duas espadas, conforme anteriormente citada por Groen. Em 1075, o papa Gregório VII lançou o Dictatus Papae, documento no qual reivindicava, por exemplo, que o papa "é o único que deveria ter os pés beijados por todos os príncipes”. Pouco depois, Inocêncio III viveu o auge do papado, vivendo os ditames de Gregório, afirmando que o papa ocupava uma posição intermediária entre o divino e o humano – “inferior a Deus, porém superior ao homem”. E Bonifácio VIII, em sua bula Unam Sanctam (1302), definiu que “para a salvação, é necessário que toda criatura humana esteja sujeita ao Pontífice Romano”. A morte do papa Bonifácio VIII marcou a decadência desse poder soberano e iniciou aquilo que ficaria conhecido como o Cativeiro Babilônico do papado (1309-1377), quando o papa ficou exilado em Avinhão. Entre 1378 e 1417, aconteceu o Grande Cisma do Ocidente, quando, durante algum tempo, dois, e depois três papas, alegaram simultaneamente ser o cabeça supremo da Igreja. Dante, a quem nos referimos agora há pouco, colocou Bonifácio num dos mais baixos círculos do inferno em sua obra magna, “A Divina Comédia [Inferno]”, junto a dois outros papas simoníacos maculados pela soberba do Curialismo de Gelásio I (494), que reivindicava poder sobre ambas as esferas temporal e espiritual. Dante escreveu que, “[…] visto que a Igreja procurou ser dois governos ao mesmo tempo, ela está afundando muito, conspurcando tanto seu poder quanto seu ministério”.  

No início do século XV, mais perto de Martinho Lutero, as demandas por uma reforma na igreja eram enormes. Da crise do Grande Cisma do Ocidente surgiu o Conciliarismo, que afirmava a superioridade dos concílios ecumênicos sobre o papa no governo e na reforma da igreja, no caso deste cair em heresia ou tomar atitudes contra a integridade da Igreja. Grandes implicações políticas eram trazidas nessa visão. Ela não queria abolir o papado, mas declarar que a plenitudo potestatis, a “plenitude do poder”, residia somente em Deus. A soberania seria cambiada. O papa Pio II, em 1460, enterraria completamente o movimento com a bula Execrabilis, ameaçando de excomunhão todos que tentassem burlar seu decreto. Anulavam-se as tentativas de reforma por outros meios senão pela autoridade papal. Ressurgia assim a monarquia papal e o papado fechava os ouvidos para os clamores por reforma. O papado reivindicava a soberania intramundana do paganismo para si, em vez de combatê-la como fizeram os primeiros cristãos dentro do Império Romano. Gregório XII disse que “Eu sou o papa, e não preciso do conselho de ninguém. Sim, eu estou acima da lei, e vocês devem conformar-se às minhas decisões." [Herbert B. Workman, The Dawn of the Reformation, vol. II, The Age of Hus (New York, NY: AMS Press, [1902] 1978), 68. Sov. 51]

Em 1440, o humanista Lorenzo Valla provou a falsidade de alguns documentos papais, conhecidos hoje como "Falsa Doação de Constantino" e as "Falsas Decretais de Isidoro". Alguns governantes já confiscavam terras da igreja. Eles preferiam uma igreja corrupta e fraca para assegurarem seu próprio poder. E devemos nos atentar ao fato de que o próprio poder secular já começava a questionar e rebelar-se contra a autoridade da igreja de Roma, uma vez que ansiavam por uma igreja sob controle (por exemplo, o Galicanismo na França). Rousas J. Rushdoony, também historiador, falou a esse respeito:


"O reino do Vaticano progressivamente tornou-se administração, arquitetura, arte, e, com o tempo, estado papal. Era mais fácil para os papas ser cabeças do estado do que de uma igreja que ameaçava reis com ultimatos morais. Uma Europa Erastiana estava em construção, uma em que o estado controlou a igreja dentro de seus domínios. Na Inglaterra, em 1514-1515, as pessoas de Londres manifestaram-se contra a igreja por causa do assassinato de Richard Hunne, considerado herege, na prisão do bispo em Saint Paul. Charles VIII, Louis XII, e outros monarcas franceses eram campeões de uma igreja Galicana, uma controlada por eles, não pelos papas, e aos católicos da Espanha não era permitido um apelo ao papa, contra o rei ou contra a Inquisição do rei. Antes, Ferdinando e Isabella haviam sido 'vigorosamente Erastianos'. Maximiliano I (1459-1519) esperava ganhar o trono papal depois da morte do papa ou pela deposição dele. Todos esses homens confiscaram propriedades e bens da igreja quando lhes aprouve fazê-lo. Estes eram 'bons católicos' que fizeram tanto dano à igreja quanto Henrique VIII. Thomas More, um 'bom católico' posteriormente feito santo, aconselhou Henrique VIII a tomar os mesmos passos aos quais ele opôs-se posteriormente. […] A Renascença estava ansiosa com a tradição, mas não a tradição cristã, e sim aquela da antiguidade pagã. Lorenzo Ghiberti deixou transparecer algum ressentimento pelo triunfo do Cristianismo. A arte começou a perder seu panorama e referência sobrenatural, e, progredindo na arte renascentista, ‘não há referência além do que nós vemos’”  (Sovereignty, p. 261-262).


Como pode, pois, a Reforma Protestante ser a causa de um fenômeno que lhe precede, ainda que tal tendência só tenha assumido uma forma consistente posteriormente, com o Iluminismo? Como a Reforma pode ser causa para a Revolução Civil se essa começou a tomar forma antes de Lutero nascer? É necessário, portanto, buscar a verdadeira causa da transformação do "homem cristão" em "homem civil".


JOAQUIM DE FIORI E A TENSÃO ESCATOLÓGICA

O abade Joaquim de Fiori (m. 1202), monge cisterciense, é muito pouco conhecido, especialmente entre os evangélicos. Eric Voegelin, de quem trataremos adiante, citado por Olavo de Carvalho em seu ensaio no Diário do Comércio, cita-o diversas vezes como uma das figuras-chave para o entendimento das tensões escatológicas que marcam as revoluções modernas. A interpretação agostiniana da estrutura da história, tendo marcado a Idade Média até aquele momento, chegava ao ocaso. Joaquim dividiu a história em três eras, associadas às três pessoas da Trindade através de uma interpretação simbólica que é inaceitável do ponto de vista da Reforma Protestante, mas não incomum naquele período. A Primeira Era (ou Reino), a Era do Pai; a Segunda Era, a Era do Filho, que começou com o advento do Cristianismo até o ano 1260, segundo os cálculos de Fiori; e a Terceira Era, por vir, a Era do Espírito Santo. Essa Terceira Era seria anunciada pelo aparecimento de uma nova ordem de homens espirituais descalços, que se oporiam à falsa autoridade da igreja e abririam caminho para um milênio de paz entre as nações e as religiões que duraria até o juízo final. [Eric Voegelin, A Nova Ciência Política, p. 88-89]

O pensamento fioriano invadiu a Igreja a tal ponto que Inocêncio III subscreveu-a, quando o papado viveu uma grande concentração de forças, tanto na Igreja quanto no Estado. Frederico II (1194-1250), um dos maiores imperadores de todos os tempos, também foi influenciado pela profecia fioriana. Frederico viu-se como o grande fundador dessa Terceira Era, de maneira que ele estava então acima do bem e do mal, e além da religião, que seu Império tentou eliminar as diferenças, por exemplo, entre muçulmanos e cristãos. As Cruzadas contra islâmicos aconteceram antes de Frederico II, no entanto, ele negociou com os muçulmanos e conseguiu reabrir Jerusalém para os cristãos, já que, conforme dito, ele se encontrava além da religião. É interessante que Frederico II tenha chamado sua cidade natal de Nova Belém. Dante Alighieri, citado por Voegelin [p. 82], também aderiu a esta Terceira Era. Hoje, é claro, ele é visto como um poeta muito devoto ao catolicismo romano. Em “Monarquia”, há certa confusão neste ponto:

"Todas estas ações são servas da especulação, bem supremo, para o qual a Bondade Suma criou o gênero humano. Bastante se insistiu já sobre este ponto: a tarefa própria do gênero humano, tomado na totalidade, é de pôr continuamente em ato toda a potência do intelecto possível, em vista, primeiro, da especulação, em vista da prática, e por via de consequência, depois. […] Viu-se que o meio mais imediato para chegar ao fim supremo é a paz universal. […] Mas o gênero humano tanto mais imita Deus quanto mais se unifica, dado que a razão verdadeira da unidade apenas em Deus se encontra.”

Escreve ele em termos bem escolásticos. Dante já vislumbra o objetivo civilizacional além dos objetivos nacionais, locais e familiares, e estabeleceu a necessidade de uma Monarquia sobre o mundo, para assim estar submisso a Deus. Nas palavras dele, "toda a humanidade se ordena a um fim único. É preciso, então, que um só coordene. Tal chefe deverá chamar-se o monarca ou imperador. Torna-se evidente que o bem-estar do mundo exige a Monarquia ou Império."


Não vemos aqui nada além do propósito da Organização das Nações Unidas, e da salvação pela lei e pela razão prática, não pela graça mediante a fé. Dante continua: "Viu-se que o meio mais imediato para chegar ao fim supremo é a paz universal. […] Se consideramos o homem, verificamos que, porque todas as suas forças se ordenam à felicidade, importa que todas sejam dirigidas e reguladas pela inteligência. […] Resulta que toda a razão das coisas ordenadas a um fim se deve colher no mesmo fim” – ou seja, a paz deve ser buscada como meio para atingir o fim da paz. Se a fé não é importante, a coexistência o é. A fé cristã nessa obra foi substituída pela teologia natural. A Teologia Liberal, que enfraqueceu severamente o protestantismo, é apenas um tipo moderno de Teologia Natural, como Karl Barth notou. Dante elege o Monarca como o ordenador mundial, não a fé cristã, embora cite as Escrituras algumas vezes, com clara descontextualização. Ademais, seu conceito de felicidade é o mesmo de Aristóteles. Mostra-se aqui o padrão moral humanista, que utilizaria a Lei Natural de Tomás de Aquino como substituto para a religião na política, como veremos a seguir. Foi uma conclusão lógica para os humanistas o entendimento de que, se existem muitos povos com crenças diversas, a lei deveria basear-se na natureza, naquilo que eles têm em comum. Ainda para Dante, o Bem da unidade é maior do que o Bem das partes. Se a unidade consiste no Bem Supremo, aqueles que promovem divisão são, portanto, maus, porque são contra a unidade. Por isso ele povoou o inferno com muitos papas e clérigos. As diferenças doutrinárias, assim, tornam-se más e motivo de divisão como uma conclusão lógica desse pensamento. Finalmente, o objetivo do Império na visão dantesca é a perfeição da raça humana. Isso não soa marxista? Ou nazista? Mais clareza nesse aspecto podemos ver ainda no capítulo XV do seu Purgatório, no qual um anjo diz: "Mas se o amor da esfera suprema elevasse o desejo de vossos corações, não terias no peito tal temor, pois quanto mais existissem pessoas que pudessem falar “nosso” ao invés de “meu”, mais cada um iria possuir de bem." [p. 48]. Rushdoony é categórico em dizer que a Divina Comédia é a história da salvação política.

Voegelin notou quatro símbolos pertinentes na filosofia da história de Joaquim de Fiori que ecoam pela modernidade: (1) a concepção de história como uma sequência de eras; (2) o líder da Nova Era, o Dux; (3) o profeta dessa nova era; e (4) a irmandade de pessoas autônomas.

O primeiro pode ser reconhecido na teoria de Turgot e Comte sobre a sequência das fases teológica, filosófica e científica, bem como na dialética hegeliana. O segundo foi reconhecido na pessoa de S. Francisco de Assis pelos próprios franciscanos. Dante especula em sua obra “A Divina Comédia” sobre quem seria o Dux. O terceiro símbolo poderia incluir o próprio Joaquim de Fiori. O quarto, por sua vez, seria representado por uma comunidade de perfeição espiritual que aboliria qualquer necessidade institucional, e é exatamente a meta comunista.

Algumas acusações de Voegelin contra a Reforma serão discutidas num tópico à parte no transcorrer deste texto. No momento, vamos atentar para algo que os inimigos da Reforma convenientemente se esquecem de mencionar quando usam Voegelin como argumento: a figura de Francisco de Assis como o Dux, o Líder, da Nova Era.

Em nenhum momento, pois, foi necessário citar a Reforma Protestante como causa das conclusões acima.

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Autor: Vitor Barreto
Divulgação: Bereianos

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A Gênese da Revolução Civil - Uma Refutação a Olavo de Carvalho (Parte 2)
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