Alister McGrath é mesmo reformado?

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Por Luciano Sena


Professores de Institutos e Seminários ortodoxos sempre dizem: “Todo santo tem seu pé de barro”. Usam esse ditado para destacarem que por mais que um intérprete seja ortodoxo, sempre haverá um ponto que deixará uma marca no erudito, nos alertando – todos erram! É assim com J. Stott sobre a condição dos mortos, Lloyd-Jones na teoria da lacuna em Gn 1.2, R. C. Sproul com seu preterismo moderado, Calvino em sua postura sobre o batismo romano, P. Washer em dizer que o batismo infantil foi o bezerro de ouro da Reforma, e a lista não para. Ao mesmo tempo, nenhum desses assuntos atinge o eixo da ortodoxia cristã. Porém essas polêmicas causam divisões.

Outros, não tem simplesmente um pé de barro, mas um pé e a perna com gangrena.  

Um erudito que ganhou espaço entre os Reformados, obviamente por méritos teológicos próprios, por admirar Calvino, incluindo também habilidades científicas, e entrou no arraial calvinista sem restrições, foi Alister McGrath. Apesar de admirar a contribuição dele no campo que atua, acredito que não posso ler tal autor sem sérias restrições.

1. Será que ele crê na Inerrância da Escritura Sagrada? Parece estranho perguntar isso, em especial quando lemos um artigo de McGrath no livro Religião de Poder (Capítulo 13), com um forte teor Reformado, além de defender a suficiência e a força pregação da Escritura, termina o artigo dizendo que ‘os reformadores são nossos pais na fé’ (p. 254).

Pois bem, ao percorrer as páginas do livro Paixão pela verdade, da Shedd Publicações, me deparei com algumas coisas que, confesso, me deixaram preocupado. McGrath escreve que a defesa da inerrância e da autoridade da Escritura, conforme exposta pela Velha Pricenton, na era ‘dos Hodges’, bem como pelo erudito Benjamin Warfield, são na verdade uma defesa que tem compromisso com Iluminismo, e que a o verdadeiro conceito bíblico de Inerrância não é aquele defendido por esses autores, e outros da atualidade. Ele chega a dizer que o conceito de inerrância deles ‘deveria ser colocado de lado’, conquanto que se mantenha a autoridade da Escritura (p. 21). 

Por um lado, reconhecida acusação de McGrath a respeito do contexto em que Hodge & CIA estavam inseridos, a abordagem bíblica deles não pode ser rejeitada. Nem mesmo que a postura deles era puramente de seu próprio tempo. O Dr. Paulo Anglada diz: “...os teólogos de Princeton estão em substancial harmonia com outros que os antecederam, e com Kuyper e Bavinck.” (http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/autoridade_anglada.htm).

Mesmo Lutero, Calvino, etc. responderam aos clamores de seu tempo, mas a base das respostas desses Reformadores não pode ser sepultada nessa classificação; de que a argumentação bíblica deles teve fecundação em filosofia ‘mundana’.

Vejas essas partes do livro Paixão pela verdade:

“Teólogos evangélicos parecem muitas vezes ter estado mais preocupados com a defesa da autoridade da Escritura, do que em tratar do seu conteúdo” (p. 19). A advertência é legal, mas ele foi mais longe...
“A identificação da escritura como autoridade suprema em matéria de espiritualidade, doutrina e ética;” (p. 20). Note aí em quais assuntos a Bíblia é autoridade para McGrath. A Confissão de Chicago sobre a Inerrância Bíblica diz: “Art. IX - Nós confessamos que a inspiração, embora não conferindo onisciência, garantiu pronunciamentos verdadeiros e fidedignos em todos os assuntos dos quais os autores foram levados a falar e escrever.” Artigo XI também (Havendo Deus Falado, p.154). O que McGrath quer dizer com ‘autoridade’?
“A compreensão que Benjamin B. Warfield tem da autoridade da Escritura, por exemplo, é moldada por pressões e influências da filosofia escocesa do senso comum, que se tornou de muita importância em Princeton durante o século XIX.” (p. 49). Para McGrath o problema não era a autoridade da Escritura ali defendida, mas a maneira que ele apresentou a defesa desta autoridade. Poderia parecer bonito esta observação se a defesa de Warfield não fosse bíblica!
“O resultado é que formas do evangelicalismo estado-unidense que tem sido especialmente influenciado por racionalismo, como aquela associada com Carl Henry, tem colocado ênfase demais na noção de uma revelação bíblica puramente proposicional” (p. 90).
“Alguns evangélicos como Carl F. H. Henry e R. C. Sproul, são fundamentalistas em suas abordagens, mais uma vez aparentemente por razões apologéticas; isso, porém, não significa que o evangelicalismo como um todo seja fundamentalista em sua metodologia.(Nota 37 p. 210)
“O evangelicalismo sempre esteve preocupado em demonstrar a ligação próxima entre Escritura e doutrina. Por razões que em último caso refletem a dominância das ideias do Iluminismo em Princeton durante o século XIX...(p. 91).
“Cada vez mais, os evangélicos estão expressando receios com respeito às abordagens da autoridade bíblica associadas à escola da Old Princeton, vendo o uso continuado das ideias deste educandário contribuindo para a escravidão prolongada do evangelicalismo às ideias e pontos de vistas do racionalismo Iluminista. (p.99).
“Há uma percepção crescente dentro do evangelicalismo de que a posição de Princeton está em última análise dependente de suposições e normas extrabíblicas. (p. 99).
“E Princeton era para ser o cadinho no qual as grandes teorias evangélicas de inspiração e autoridade bíblica eram forjadas. O resultado? As teorias de escritores como Charles Hodge (1797-1858) são profundamente influenciadas pelos preconceitos do Iluminismo.(p. 142).
“O tom fortemente racionalista dessa filosofia é particularmente evidente nas obras de Benjamin B. Warfield, mas é claramente evidente nas dos primeiros tempos de Charles Hodge.” (p. 142).
“Essa teoria da teoria da língua é de importância fundamental, porque oferece alicerce à crença de Hodge de que, hoje, o leitor da Bíblia pode estar “seguro de encontrar muitos pensamentos e intenções do próprio Deus”. Contudo essa ideia metafísica foi emprestada, junto com igualmente questionável paternidade teológica, do Iluminismo. A análise de Hodge sobre a autoridade da Escritura é, em última instancia, baseada em uma teoria não reconhecida e implícita da natureza da linguagem, que se deriva do Iluminismo, e reflete a ordem dessa escola filosófica.(p.142).
“Donald G. Bloesch já argumentou que um espírito fortemente racionalista pode ser discernido mesmo dentro dos escritos desses evangélicos modernos estado-unidenses, como Carl F. H. Henry, John Warwck Montgomery, Francis Shaerffer e Norman Geisler.” (p. 142).
“A tendência geral de tratar a Bíblia puramente como um livro-fonte de verdades puramente proposicionais pode ser argumentada de maneira a encontrar base especialmente na antiga escola de Princeton, em particular nos escritos de Charles Hodge e Benjamin B. Walfield, em que tendências das pressuposições do Iluminismo é especialmente fácil de ser notada.(p. 146).

Conclusão desta parte: Se o Iluminismo é a essência argumentativa desses teólogos, em sua abordagem da autoridade da Escritura, estamos com sérios problemas ao citar os mesmos. Da mesma maneira posso perguntar: Qual influência teve McGrath? Será que na verdade McGrath precisa se livrar de alguns postulados permanentes entre os Reformados, para permanecer entre eles? Se até mesmo Francis Shaeffer recebeu o rótulo de ‘racionalista’, fica confuso o que o mesmo escreveu: “...os iluministas também ignoraram a base e o legado cristão e voltaram os olhos para o passado, para os velhos tempos pré-cristãos.” (E agora como viveremos, p. 77,78).

2. Ele é um teísta evolucionista (?). Dizem isso sobre ele... Tudo bem, é um teísta. E não tenho nenhuma habilidade para entrar nessa questão. Mas espera aí; a teologia Reformada é criacionista em sua base, e a IPB Confessionalmente Criacionista, simplesmente porque a Bíblia é Criacionista. Quanto a isso, embora não tenha capacidade e informações suficientes para debater essa questão, a postura Reformada está clara! – Veja: CFW IV, 1,2. CMW pergunta 15.

O Rev. Leandro Lima observa que ‘McGrath vai longe demais ao dar e entender que Calvino concordaria com as teorias cientificas da atualidade’ (O Futuro do Calvinismo, p.183). McGrath escreveu: “Se Calvino tivesse tido uma influência maior sobre seus seguidores... Todo o debate sobre a evolução teria tomado um curso radicalmente diferente...” (citado em O Futuro do Calvinismo, p. 182). A observação do Rev. Leandro Lima é acertada. A hermenêutica avançada de Calvino, a respeito da teoria da acomodação no relato da criação, não muda a ideia central da sua crença.

Conclusão: Das quatro obras da ‘biografia’ de J. Calvino que li, posso dizer que a de Alister McGrath é a melhor. Realmente ele contribuiu e contribui para muita coisa boa, não apenas na literatura mas até em debates. Porém, me parece que ele está tropeçando em assuntos nevrálgicos para uma correta classificação do que é ser um Reformado (II Tm 4.1-5).

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