Podemos confiar na Bíblia mais do que na ciência evolucionária?

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Nota do tradutor:


O ensaio elaborado pelo Dr. James N. Anderson, apesar de não conter detalhes técnicos e científicos sobre a discussão Evolucionismo vs. Criacionismo, servirá de grande ajuda aos cristãos que se deparam com argumentos ateístas e secularistas. O mecanismo por trás do processo de seleção de teorias científicas é analisado e comentado de tal maneira que dá ao cristão comum ferramentas suficientes para fornecer uma defesa filosófica racional de sua posição no debate em questão. Como um cientista em formação, esse ensaio me ajudou a perceber e relembrar várias coisas que fazemos ao obter evidências empíricas e, creio eu, que será de grande proveito para todas as classes de cristãos.

Erving Ximendes

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Não é segredo algum que uma das principais razões dadas pelos descrentes para não crer na Bíblia é que a ciência moderna (especificamente, a ciência evolucionária) mostrou que o relato da Bíblia concernente à origem do homem está incorreto. De fato, a ciência evolucionária não é meramente um obstáculo para descrentes; ela também pode ser uma pedra de tropeço para cristãos professos. Existem muitos crentes tentando desesperadamente reconciliar uma alta consideração pela Bíblia com as alegações científicas mais comuns acerca de nossas origens evolucionárias, e aqueles que não conseguem fazer isso acabam por invariavelmente diminuir a doutrina das Escrituras. Em alguns casos esse é apenas o primeiro passo a um abandono quase completo da ortodoxia cristã. Tanto para crentes quanto para descrentes, as alegações da ciência evolucionária apresentam um desafio sério à confiabilidade da Bíblia.

Podemos confiar na Bíblia mais do que na ciência evolucionária? Duvido que seja necessário eu escrever um “alerta de spoiler” antes de revelar que minha resposta à pergunta será um enfático “sim”. Ainda assim, muito precisa ser discutido antes de chegar à essa conclusão afirmativa. Por que podemos confiar na Bíblia mais do que na ciência evolucionária? Com base em quê podemos responder a essa pergunta com um “sim” de confiança? Esse será o foco primário deste artigo. Durante isso, no entanto, eu quero dizer algumas coisas importantes sobre como devemos tratar essa questão (e questões similares sobre a confiabilidade da Bíblia) para que os leitores possam ser melhor equipados para lidar com esse é outros desafios às Escrituras.[1]

I. Analisando a questão

Antes de tentar responder à nossa pergunta, precisamos examinar mais de perto a questão em si para entender o que realmente está em jogo. Qualquer pergunta da forma, “Podemos confiar em X mais do que em Y?” sugere duas coisas. Primeiro, sugere que X e Y são duas fontes distintas de afirmações sobre a verdade. A pergunta “Podemos confiar em X mais do que em Y?” pressupõe que X e Y fazem certas alegações e apresentam essas alegações como verdadeiras. Portanto, a questão que estamos considerando aqui pressupõe que a Bíblia é uma fonte de afirmações sobre a verdade e que a ciência evolucionária é outra fonte de afirmações sobre a verdade (mais adiante vou definir mais precisamente o que significa falar de “ciência evolucionária” como uma fonte de afirmações sobre a verdade).

Em segundo lugar, uma pergunta da forma “Podemos confiar mais em X do que em Y?” implica que X e Y estão em conflito em alguns pontos (ou pelo menos parecem estar em conflito). Se alguém perguntasse à minha filha: “Você pode confiar mais em seu pai do que em sua mãe?”, essa não seria uma pergunta muito pertinente, porque na maioria dos casos os seus pais não são fontes conflitantes de afirmações sobre a verdade (eu digo “na maioria dos casos”!). Da mesma forma, se este ensaio tivesse o título, “Podemos confiar mais na Bíblia do que nas Páginas Brancas da Carolina do Norte?” duvido que ele atrairia muito interesse. Eu certamente acredito que a Bíblia é mais confiável do que as Páginas Brancas da Carolina do Norte, mas isso não é uma questão premente para ninguém, porque não há nenhum conflito aparente entre as duas coisas. No caso da Bíblia e da ciência evolucionária, no entanto, é evidente para a maioria das pessoas que os dois entram em conflito em alguns pontos bem significativos.

Agora, é justo reconhecer que muitas pessoas acreditam que não há conflito entre religião e ciência quando entendidas em termos gerais. E há muitas pessoas (“evolucionistas teístas”, ou, como alguns preferem agora, “criacionistas evolucionistas”) que sustentam que não há conflito específico entre a crença em Deus e a teoria da evolução. Tais pessoas defenderão a possibilidade de Deus usar a evolução como seu meio escolhido de trazer a vida neste planeta. Mesmo que a evolução opere inteiramente através de processos naturais ininterruptos (principalmente a seleção natural agindo em mutações genéticas aleatórias, de acordo com o relato neodarwinista padrão), Deus poderia ter estabelecido as leis naturais e as condições iniciais do universo para que acontecesse tudo o que ele pretendia. Na verdade, o que parece ser aleatório para nós não precisa ser aleatório para Deus. O que observamos no mundo biológico de hoje poderia, em princípio, ser um resultado evolutivo divinamente manipulado.

Como isso nos ajuda em relação à questão que nos foi apresentada? Eu concordo que os evolucionistas teístas estão certos sobre uma coisa: não há conflito lógico direto entre a existência de Deus e a teoria padrão da evolução. Nenhuma das duas exclui logicamente à outra. Ainda assim, isso é de pouca ajuda para nós ao abordar a pergunta em questão, por duas razões. Em primeiro lugar, a evolução teísta implica que Deus criou o mundo de tal maneira que, em grande parte, ele (o mundo) esconde o fato de que Ele o criou. O Deus da evolução teísta pode ser comparado a um agente secreto que executa sua missão cobrindo cuidadosamente suas pistas e escondendo todas as evidências de suas ações. Mas certamente esse não é o Deus da Bíblia! O apóstolo Paulo nos diz em Romanos 1 que a existência e os atributos de Deus sempre foram “claramente perceptíveis nas coisas que foram feitas” – de fato, tão claramente que ninguém é deixado sem desculpas por não honrar e agradecer a Deus por seu bom trabalho na criação. Mas se Deus encobriu suas trilhas criativas, por assim dizer, as pessoas teriam uma desculpa. E a realidade é que muitos incrédulos apontam para a ciência evolucionária – especificamente, para a alegação de que o aparente design no mundo orgânico pode ser explicado inteiramente em termos naturalistas – como uma desculpa para sua incredulidade.

A segunda razão pela qual a evolução teísta não oferece muita ajuda aqui é que a questão que temos diante de nós não é se podemos crer em Deus em um sentido muito genérico, mas se podemos confiar na Bíblia. E existem conflitos muito claros entre o ensinamento da Bíblia e os ensinamentos das principais correntes da ciência evolucionária: o tipo de afirmações que encontraríamos, por exemplo, em um livro de biologia evolutiva. Basta mencionar aqui apenas dois pontos óbvios de conflito. (1) Gênesis 1 relata que Deus criou plantas e animais de acordo com tipos distintos, enquanto que a ciência evolucionária afirma que todos os organismos estão relacionados através de ancestralidade comum. Em termos de história evolutiva, não há descontinuidades acentuadas entre diferentes organismos ou espécies. Todo organismo é, em última análise, um primo mais ou menos distante de qualquer outro organismo. Não existem “paredes de separação” originais no mundo biológico. (2) Gênesis 2 registra que Deus trouxe à existência o primeiro casal humano diretamente e imediatamente (Adão do pó da terra, Eva do lado de Adão) enquanto que a ciência evolucionária afirma que os seres humanos são descendentes da procriação natural do primata pré-humano. Em outras palavras, não há lugar para a criação especial dos seres humanos nas correntes principais da ciência evolucionária.

Assim, a nossa pergunta “Podemos confiar mais na Bíblia do que na ciência evolucionária?” é extremamente importante, pois há um conflito muito aparente entre a Bíblia e as principais correntes da ciência evolucionária. Cada um desafia a legitimidade e a confiabilidade do outro, e apesar das muitas tentativas de conciliar os dois, não há maneira de fazê-lo sem comprometer um deles.

II. Uma abordagem evidencialista?

Como então devemos abordar a questão? Como devemos abordar qualquer pergunta da forma, “Podemos confiar mais em X do que em Y?”. Um método seria o que podemos chamar de abordagem evidencialista. Em termos simples, a abordagem evidencialista se parece com o seguinte:

        Colete todas as razões para se acreditar em X.

        Colete todas as razões para se acreditar em Y.

        Pese os dois lados e veja qual possui, no geral, as melhores razões.

        Ou, colocando a mesma ideia de uma maneira ligeiramente diferente:

        Empilhe de um lado todas as evidências que temos para confiar em X.

        Empilhe no outro lado todas as evidências que temos para confiar em Y.

        Compare os dois lados para ver qual tem o maior peso de evidência.


À primeira vista, isso parece ser uma abordagem razoável para as questões concernentes à relativa confiabilidade de X e Y. É o tipo de abordagem que pode ser usada em um julgamento criminal, com relação a testemunhos conflitantes. Mas há dois problemas básicos enfrentados pela abordagem evidencialista em relação à nossa pergunta em específico. O primeiro é que o tipo de evidência em cada lado pode ser muito diferente. O tipo de evidência que teríamos para confiar na Bíblia pode ser (e eu diria que tem que ser) muito diferente do tipo de evidência que teríamos para confiar na ciência evolucionária. E isso pode dificultar a comparação e o peso das evidências de forma objetiva e quantificável. Assim, o primeiro problema é o de comparar diferentes tipos de evidências.

O segundo problema (e muito mais significativo, na minha opinião) é o seguinte: chegamos à pergunta como cristãos e, portanto, não chegamos a ela com um quadro em branco ou um livro vazio. Nós não chegamos a ela no “quadrado de número 1”, como se não tivéssemos nenhuma crença ou comprometimento anterior. E não seria certo da nossa parte tentar voltar ao “quadrado de número um”, a fim de respondê-la!

Algumas analogias podem nos ajudar a ilustrar o ponto em questão. Suponha que eu apresente dois amigos meus: Dr. Calvin e Dr. Hobbes. Os dois médicos são ambos zoólogos profissionais. Mas eles têm um desacordo: eles fazem algumas afirmações conflitantes. O Dr. Calvin afirma que uma determinada espécie da aranha está diminuindo no número e será extinta dentro de 50 anos, enquanto que o Dr. Hobbes afirma que a mesma espécie da aranha está na verdade aumentando no número e não há nenhum perigo que ela seja extinta nesse período de tempo. Tendo apresentado esses homens e explicado a sua discordância, eu lanço a seguinte pergunta: “Devemos confiar no Dr. Calvin mais do que no Dr. Hobbes?”.

Supondo que você possa resistir à tentação de usar o recurso em seu telefone que faz uma chamada falsa para tirá-lo de uma conversa indesejada, como você vai responder tal pergunta? Uma abordagem seria fazer algumas pesquisas sobre as qualificações de cada homem (sua experiência profissional, seu registro de publicações, sua reputação entre seus semelhantes e assim por diante) e então tirar uma conclusão informada sobre qual dos dois homens é provável que seja a fonte mais confiável, pelo menos no que diz respeito às afirmações aracnológicas em questão. Isso refletiria a abordagem evidencialista.

Mas agora imagine um cenário diferente. Você está sentado em casa um dia e a campainha toca. Na porta está um homem engravatado, com uma expressão sombria, que se apresenta como Agente Smith da CIA. O agente Smith tem algumas notícias ruins para você. Ele diz que seu cônjuge amado é, na verdade, um agente secreto russo que foi enviado em uma missão para seduzi-lo com vista a desvendar segredos comerciais valiosos de seu empregador (assumiremos para os propósitos da ilustração que você não trabalha para a Taco Bell). O agente Smith está claramente insinuando que seu esposo tem sido falso com você.

Agora isso levanta uma pergunta: Você pode confiar em seu cônjuge mais do que no Agente Smith? Como você deve abordar essa questão? Em princípio, você poderia usar a abordagem evidencialista. Você poderia voltar ao “quadrado um”, sem assumir qualquer coisa sobre qualquer uma das fontes, e avaliá-las. Talvez o seu cônjuge tenha entrado na sala agora e está contestando as afirmações do Agente Smith, mas você tem que dizer: “Desculpe, querido(a), eu não posso ouvi-lo agora! Eu não posso simplesmente garantir que você é confiável, porque sua confiabilidade é precisamente o que está em questão. Eu tenho que estabelecer isso a partir do zero!”.

Então você empilha mentalmente todas as evidências a favor de seu cônjuge de um lado e, em seguida, empilha do outro lado todas as evidências a favor do Agente Smith (ele mostra-lhe o seu cartão de identificação da CIA, alguma documentação de aparência oficial do caso contra o seu cônjuge, fotografias de aspecto suspeito do seu cônjuge se encontrando com um estranho num café, e assim por diante). Você pesa os dois lados e finalmente decide em qual confiar.

Eu suponho que seja óbvio o que está errado com essa abordagem. No momento em que as afirmações conflitantes surgem, você já possui uma confiança firme em seu cônjuge. Seu ponto de partida é um de confiança em uma das fontes, e seria errado simplesmente suspender ou renunciar a essa confiança e começar do zero. Ao invés disso, a sua pergunta deve ser a seguinte: “O agente Smith é capaz de apresentar alguma boa razão para enfraquecer ou abandonar a confiança que você já tem em seu cônjuge?”.

A relevância destes dois cenários hipotéticos deve ser aparente. É o segundo dos dois cenários que mais corresponde à nossa situação como cristãos em relação à Bíblia. Então, quando consideramos a questão: “Podemos confiar na Bíblia mais do que na ciência evolucionária?”, temos que ter o nosso ponto de partida como algo claro em nossa mente. Nós já confiamos na Bíblia! E seria muito errado para nós, como cristãos, suspender ou “colocar entre colchetes” essa confiança ao considerarmos tal questão. Ao invés disso, devemos abordar a questão fazendo esta pergunta secundária: A ciência evolucionária nos apresenta alguma razão boa o suficiente para enfraquecer ou abandonar a confiança que já temos na Bíblia?

III. A base da nossa confiança na Bíblia

O problema agora chega ao seguinte ponto: A ciência evolucionária apresenta algum desafio sério à nossa confiança na Bíblia? O primeiro passo para responder a essa pergunta exige que nos lembremos da base de nossa confiança na Bíblia. Como realmente sabemos que a Bíblia é a Palavra de Deus e que ela é, portanto, supremamente digna de confiança?

Sobre esta questão, não conheço uma declaração sumária melhor do que a encontrada na Confissão de Fé de Westminster. O artigo 4 do capítulo inicial da Confissão diz assim:

A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus.

O objetivo aqui é afirmar que a Bíblia tem autoridade intrínseca precisamente porque ela é a Palavra de Deus. Não depende de alguma autoridade superior para certificá-la ou validá-la, e isso simplesmente porque não existe autoridade superior a Deus. Ainda assim surge a pergunta: como podemos saber que a Bíblia é a Palavra de Deus? Como podemos saber que não é um livro meramente humano, mas divinamente inspirado? A Confissão responde no próximo artigo:


Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações.

A Confissão está essencialmente dizendo o seguinte: O testemunho da igreja cristã (isto é, o testemunho dos crentes cristãos através dos tempos) certamente conta para alguma coisa. Ele testemunha a inspiração da Bíblia. Além disso, há muitas evidências objetivas de que a Bíblia é a Palavra de Deus (o que a Confissão chama de “excelências incomparáveis”), como, por exemplo, sua mensagem espiritual unificada e seu poder de transformar vidas. Em outras palavras, ela traz todas as marcas de uma revelação divina. No entanto, o fator decisivo da nossa aceitação da Bíblia como a Palavra de Deus é uma obra interna do Espírito Santo em nossas mentes e em nossos corações.

Isto é o que os teólogos Reformados chamaram de “testemunho interno do Espírito Santo”, pelo qual o Espírito nos dá a capacidade de reconhecer que o próprio Deus está nos falando na Bíblia e Ele realmente produz em nossas mentes uma crença, uma aceitação, uma confiança segura de que a Bíblia é a Palavra de Deus. O que geralmente acontece na prática é que lemos a Bíblia, ou ouvimos ela sendo pregada, e nos encontramos com a profunda convicção de que não se trata apenas de palavras dos homens, mas da própria Palavra de Deus. Em suma, o Espírito de Deus nos dá ouvidos para ouvir a voz de Deus falando-nos nas Escrituras.

A ideia central aqui é muito semelhante à que encontramos Jesus ensinando em relação ao seu papel como Bom Pastor: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem” (João 10:27). As ovelhas são precisamente aqueles que ouvem a voz do Pastor. Ativados pelo Espírito Santo, os cristãos reconhecem a voz de seu Mestre.

Outra analogia pode ajudar neste momento. Imagino que a maioria dos leitores tenha passado pela experiência de atender o telefone apenas para ser saudado com as palavras: “Sou eu!”. De uma perspectiva estritamente lógica, essa afirmação não poderia deixar de ser verdadeira. Qualquer pessoa no mundo – até mesmo um completo estranho – poderia dizer sinceramente: “Sou eu!”. No entanto, eu aposto que quase toda vez que você ouve essas palavras, você sabe imediatamente quem esse “eu” realmente é. As palavras em si não identificam quem está ligando para você. Ao invés disso, você reconhece diretamente a voz da pessoa que está falando. Além do mais, esse reconhecimento normalmente não envolve  qualquer raciocínio consciente ou inferência a partir de evidências empíricas (“É a voz de uma mulher, provavelmente em seus 30 ou 40 anos, com um sotaque escocês da costa leste, portanto…”). Você simplesmente sabe quem é por um reconhecimento imediato. De maneira análoga, quando o Espírito testifica em nossos corações e mentes a autoria divina da Escritura, reconhecemos imediatamente a voz de Deus.

É importante enfatizar que essa explicação não se reduz ao subjetivismo desenfreado. A Confissão não está dizendo que os cristãos experimentam algo como um sentimento quente e confuso de que a Bíblia é a Palavra de Deus e concluem, com base nisso, que ela deve ser verdadeira. Esta não é a versão calvinista do “peito ardente” dos Mórmons! Em vez disso, a Confissão está afirmando que o Espírito nos dá um conhecimento direto com a Bíblia como a Palavra de Deus. Assim como podemos perceber diretamente que algo é doce a partir de seu gosto, ou que é quente a partir do toque, o Espírito Santo nos dá uma capacidade espiritual (uma percepção espiritual) pela qual podemos perceber diretamente que a Bíblia tem um autor divino.

Tal é a posição básica da Reforma sobre a base da nossa confiança na Bíblia, representada por João Calvino, seus companheiros reformadores e teólogos reformados subsequentes. [2] E é uma posição que recebeu uma defesa sofisticada por filósofos cristãos em nossos dias. [3]

IV. Destruidores

Pode-se pensar que já dissemos tudo o que precisa ser dito. Afinal, se a Bíblia é realmente a Palavra de Deus, então ela é supremamente confiável e absolutamente infalível, uma vez que o próprio Deus é absolutamente infalível. Nada poderia ser mais confiável do que a Bíblia, e isso inclui a ciência evolucionária.

A lógica está inteiramente sólida, na medida em que vai. Se a Bíblia é a Palavra de Deus, então nada poderia ser mais confiável do que ela. O problema, entretanto, é que a ciência evolucionária desafia nossa convicção de que a Bíblia realmente é a Palavra de Deus. Apresenta um desafio à nossa confiança da mesma forma que o Agente Smith fez na minha ilustração anterior. Colocando o assunto em termos que se tornaram comuns na epistemologia contemporânea: a ciência evolucionária nos apresenta um potencial destruidor de nossa confiança na Bíblia.

Um destruidor, como a própria palavra indica, é algo que destrói uma crença que temos. Dá-nos uma razão para abandonar essa crença ou pelo menos para afirmá-la de uma maneira mais fraca. Tomando um exemplo simples: suponha que eu olhe para fora da janela ao me levantar de manhã e observe que o jardim está molhado. Eu penso comigo mesmo que deve ter chovido mais cedo; Formulo a crença de que choveu durante a noite. Um momento depois, no entanto, lembro-me de que eu tinha programado o sistema de irrigação do gramado para ligar às 5 horas. Eu tenho agora um destruidor da minha convicção que choveu mais cedo; Eu tenho uma razão para abandonar a crença (precipitadamente formada!) de que choveu durante a noite. E se minhas faculdades cognitivas estiverem funcionando corretamente, não irei mais acreditar que choveu durante a noite.

Aqui está outro exemplo. Suponha que eu compre um donut e que o armazene no armário da cozinha, tendo em mente desfrutá-lo quando chegar em casa do trabalho no dia seguinte. A medida que vou dirigindo até minha casa, digo a mim mesmo: “Eu realmente vou saborear esse donut!”. Mas quando eu passo pela porta, para minha grande surpresa e consternação, a primeira coisa que minha esposa me diz é: “Muito obrigado pelo donut, querido. Isso era exatamente o que eu precisava nessa tarde!”. Eu tenho agora um destruidor da minha crença de que irei desfrutar um donut (eu também posso formar uma nova crença de que preciso encontrar um melhor esconderijo para os meus donuts).

Logo, um destruidor é algo que destrói uma ou mais de nossas crenças. E um destruidor potencial é algo que tem o potencial de destruir uma ou mais de nossas crenças (se o destruidor potencial se torna um destruidor real vai depender de uma série de fatores, incluindo como o destruidor potencial é processado pela pessoa que se depara com ele). Portanto, o desafio que precisamos abordar é que a ciência evolutiva nos apresenta um potencial destruidor de nossa confiança na Bíblia. Mas será que esse potencial destruidor deve se tornar um destruidor real? A ciência evolucionária nos apresenta alguma boa razão para abandonar ou diminuir nossa confiança na Bíblia? Agora que temos uma visão clara da natureza do desafio, podemos enfrentá-lo frontalmente.

V. A ciência evolucionária nos fornece destruidores?

Estamos agora no ponto em que precisamos ser mais específicos sobre o que se entende por “ciência evolucionária”. A ciência evolucionária não é uma pessoa ou um escritório que possa ser consultado diretamente. Você não pode ligar para a Academia Nacional de Ciências e pedir para passar para a “Ciência Evolucionária”. Nem a ciência evolutiva é uma fonte bem definida de qualquer outro tipo, como um conjunto reconhecido de documentos oficiais. Como, então, deveríamos identificar as afirmações da ciência evolucionária?

Há uma visão notavelmente ingênua em nossa cultura (merece ser chamada de um mito moderno) de que a “ciência” é algum tipo de fonte oficial, identificável, autoritária que fala a nós com uma voz distinta. Poderia citar numerosas expressões desse ponto de vista, mas vou mencionar aqui apenas duas, ambas ligadas ao debate contemporâneo sobre a mudança climática. Alguns anos atrás, eu notei um fluxo de “tweets” da conta oficial da Casa Branca, promovendo a política do Presidente sobre lidar com a mudança climática, todos os quais levavam a hashtag #ScienceSaysSo (em português, “#AssimDizACiência”). Não era #AssimDizemOsCientistas (o que seria questionável o suficiente) mas a “ciência“! Mais recentemente, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou um novo relatório sobre o clima global. Convidado a comentar o assunto, Ban Ki-moon, o Secretário-Geral das Nações Unidas, liderou com esta declaração: “A ciência falou”.[4]

Tal linguagem reflete uma visão historicamente ingênua e filosoficamente indefensável do que é a ciência e como ela funciona. Na verdade, representa uma personificação superficial da ciência que faz fronteira com a deificação. Contudo, tendo em conta tais preocupações, penso que é possível definir a “ciência evolucionária” de uma forma sensata que permita uma consideração significativa da questão colocada:

Ciência evolucionária: um consenso de opinião entre um subgrupo particular de cientistas que são geralmente considerados especialistas na teoria da evolução.

Dada esta definição de “ciência evolucionária”, vejo basicamente duas maneiras pelas quais a ciência evolucionária pode apresentar um destruidor de nossa confiança na Bíblia. Primeiro, há o testemunho geral dos cientistas evolucionários; E em segundo lugar, há a evidência empírica citada por cientistas evolucionários em apoio a essas reivindicações específicas que entram em conflito com a Bíblia. Vamos considerar um de cada vez.

O testemunho geral dos cientistas evolucionários

Aqui está a primeira maneira pela qual a ciência evolucionária pode apresentar um destruidor de nossa confiança na Bíblia. Há cientistas que são especialistas na teoria da evolução (autoridades reconhecidas em seu campo) e entre eles encontramos um consenso estabelecido de que todos os organismos na Terra, incluindo os humanos, estão relacionados por descendência comum, tendo evoluído de formas de vida mais simples através de processos inteiramente naturais. Uma vez que este é um consenso entre os especialistas, devemos confiar neles. Devemos aceitar seu testemunho. Em quatro palavras: “Assim dizem os cientistas”.

Penso que há várias razões pelas quais o testemunho dos cientistas evolucionários não deve derrotar a nossa confiança na Bíblia, embora também não possa simplesmente ser desconsiderado. Por um lado, o consenso científico é notoriamente falível e aberto a revisão. Em um tempo havia um consenso de que a terra era estacionária e o sol orbitava a Terra. Essa teoria agora foi abandonada. Em certo momento havia um consenso de que um elemento chamado “flogisto” era liberado durante a combustão. Essa teoria também foi abandonada. Exemplos de casos em que um consenso científico anterior é agora considerado muito errado poderiam ser multiplicados.

Além disso, sugiro que devamos suspeitar de qualquer consenso científico que tenha implicações religiosas, morais, políticas ou econômicas significativas. Há outro mito moderno prevalecente no sentido de que os cientistas são observadores desinteressados do mundo natural, inteiramente objetivos e perseguidores da verdade. Na realidade, os cientistas são seres humanos defeituosos como o resto de nós, com todos os preconceitos, tendências e agendas que nos são familiares.[5] Além disso, é tão claro como o dia o fato de que a ciência evolucionária não é religiosamente neutra. Richard Dawkins, indiscutivelmente o mais famoso promotor do Darwinismo, fez notar que Darwin “tornou possível um ateu ser intelectualmente realizado”, enquanto o professor de biologia de Cornell, William Provine, comentou uma vez que a evolução é “o maior motor do ateísmo que já foi inventado”. Com o que Paulo declara em Romanos 1:18-32, é evidente que os cristãos precisam tratar o consenso dos cientistas evolucionistas com uma saudável dose de ceticismo. Para aqueles que querem fugir de Deus, a teoria darwiniana da evolução é o carro de fuga de escolha.

A estas observações eu acrescentaria que a ciência evolucionária é, em grande parte, auto-definidora e, portanto, auto-auxiliadora. Não é surpreendente encontrar um consenso sobre a teoria da evolução entre os cientistas evolucionistas, uma vez que para ser um cientista evolucionista basta apenas aceitar a ciência evolucionária. Há um elemento inevitável de circularidade no modo como as comunidades científicas operam, incluindo a comunidade de cientistas evolucionários. É praticamente uma tautologia que, se um cientista evolucionista não aceitasse a ciência evolucionária, ele não seria um membro do grupo de cientistas evolucionista. E por quem são treinados os cientistas evolucionistas? Outros cientistas evolucionistas, é claro. E o que eles ensinam quando são treinados? Acho que já deu para entender… É tentador sugerir que o consenso dos cientistas evolucionistas sobre as origens dos seres humanos carrega pouco mais peso do que o consenso dos jogadores de futebol profissional sobre a questão de o futebol ser ou não o maior de todos os esportes.

Para ser justo, muitas vezes é afirmado que há um consenso em toda a comunidade científica sobre a teoria da evolução. Todos (ou quase todos) os cientistas aceitam a teoria, segundo nos dizem, e portanto o resto de nós também deveria aceitar. Mas a verdade é que a maioria dos cientistas não são experts em ciência evolucionária. Eles são especialistas apenas em seus próprios campos. E a quem eles apontam quando questionados sobre a ciência evolucionária? Você adivinhou.[6]

Um último ponto é digno de nota antes de prosseguirmos. Tendências recentes sugerem que um número crescente de cientistas está admitindo sérias dúvidas acerca da teoria neodarwiniana da evolução e se ela realmente explica as evidências empíricas que deveria explicar. Quando acrescentamos este fato às considerações acima, parece-me que o testemunho geral dos cientistas evolucionários não nos dá um destruidor da nossa confiança na Bíblia. Ele simplesmente não carrega peso suficiente. E o mesmo vale para qualquer consenso científico geral.

Evidência empírica para as alegações específicas da ciência evolucionária

Consideremos agora a segunda maneira pela qual a ciência evolucionária pode apresentar um destruidor. Os cientistas evolucionistas poderiam nos dar evidências empíricas para as alegações específicas que entram em conflito com o ensino da Bíblia. Não é possível entrar aqui em uma discussão detalhada sobre todas as supostas evidências para a teoria da evolução. Há simplesmente muita coisa para cobrir e o material seria bastante técnico e tedioso. Ao invés disso, propomos abordar brevemente alguns exemplos representativos que tratam especificamente de alegações sobre a evolução humana, isto é, que afirmam que os seres humanos são descendentes de animais pré-humanos parecidos com macacos, de modo que compartilhamos um ancestral comum distante com chimpanzés e outros macacos. Quais são algumas das evidências reais dadas para estas afirmações sobre as origens humanas?

(1) Muitas vezes, é alegado que, em geral, existem evidências convincentes para a evolução, ou seja, para a ascendência comum de todas as espécies, e, portanto, devemos aceitar que os seres humanos fazem parte desse quadro maior. No entanto, é bem conhecido (se não amplamente admitido) que existe considerável evidência contra essa teoria geral da evolução. Por exemplo, o registro fóssil simplesmente não é o que esperamos encontrar se a teoria da evolução fosse verdadeira. Não deveríamos ver todas as lacunas e descontinuidades entre as espécies que realmente vemos. O problema dos “fósseis desaparecidos” tem sido um espinho na carne do darwinismo desde que Charles Darwin propôs sua teoria da evolução, e houve muitas tentativas engenhosas de contorná-lo, mas todas envolvem teorias especulativas que funcionam para explicar a evidência observacional e não para prever de forma independente essa evidência. Como tal, essas teorias modificadas da evolução não servem para aumentar o suporte evidencial para a teoria darwiniana da evolução. Na verdade, o fato de que os cientistas evolucionários têm de fazer ajustes ad hoc à sua teoria central realmente enfraquece o caso evidencial para a evolução darwiniana.[7]

(2) Outro argumento comum é que há evidências fósseis específicas para a evolução humana. Descobrimos ossos de hominídeos pré-humanos que demonstram (assim nos asseguram) uma clara linha de evolução levando até os seres humanos atuais. Sem dúvida, a maioria de nós já viu as reconstruções estereotipadas retratadas em museus de história natural que pretendem mostrar a progressão passo a passo de antepassados semelhantes aos macacos ao homem moderno.

Na realidade, tais reconstruções são altamente especulativas e susceptíveis à dúvida. “A evidência fóssil da história evolutiva humana é fragmentária e está aberta a várias interpretações“, escreveu o paleontólogo e biólogo evolucionário britânico, Henry Gee, na prestigiada revista científica Nature.[8] Afinal de contas, os fósseis não são descobertos com pequenos rótulos convenientes nos informando exatamente de quais espécies eles vêm e como tais espécies estão relacionadas a qualquer outra espécie em nosso esquema taxonômico atual. As reconstruções de nossa suposta história evolutiva são precisamente isso: reconstruções. E a evidência física real sobre a qual essas reconstruções são baseadas é escassa e ambígua.

Não é de se admirar, então, que os paleontólogos discordem bastante sobre como interpretar a evidência fóssil e quais espécies foram nossos supostos antepassados evolucionários. Acontece que a evidência fóssil se divide em duas categorias básicas: espécies semelhantes ao macaco e espécies semelhantes ao humano. Não há nenhuma espécie de transição claramente intermediária, e não há consenso sobre a suposta linha de descendência do primeiro grupo para o segundo grupo. Os cientistas evolucionistas concordam que a evolução humana aconteceu: eles simplesmente não concordam sobre onde aconteceu, quando aconteceu, e como isso aconteceu. Conseqüentemente é muito difícil ver como o registro fóssil nos dá evidência sólida da evolução humana. [9]

(3) Um terceiro argumento comum para a evolução humana é que ela é apoiada por evidências genéticas. A tecnologia avançou a tal ponto que agora podemos “mapear” o genoma humano, o código de DNA que é tomado para nos definir como espécie, e compará-lo aos genomas de outras espécies, como os macacos, para determinar como estamos relacionados a eles. Portanto, o argumento é que a análise de DNA moderna revela nossa relação genética próxima com a dos macacos, que é precisamente o que a teoria da evolução prevê.

Várias coisas podem ser ditas acerca dessa linha de argumentação. Em primeiro lugar, devemos observar que os argumentos genéticos muitas vezes assumem a ascendência comum ao invés de demonstrá-la. Eles normalmente tomam por certo que temos um antepassado comum, e com base nisso extraem conclusões da genética sobre quais espécies estão mais estreitamente relacionadas a nós. A genética, por si só, não estabelece a ancestralidade comum; em vez disso, a ascendência comum funciona como uma suposição auxiliar no argumento.

Em segundo lugar, os argumentos genéticos tipicamente envolvem grandes saltos a conclusões que simplesmente não são suportadas pela evidência em questão. É freqüentemente observado, por exemplo, que nosso genoma é 99% idêntico ao dos chimpanzés, e então a conclusão de que devemos estar intimamente relacionados aos chimpanzés é afirmada sem esforço algum. Mas isso é um non sequitur. Uma vez que temos uma anatomia muito semelhante aos chimpanzés, é lógico que o DNA, que especifica tal anatomia, também será muito semelhante. No entanto, essa semelhança genética pode ser igualmente bem explicada tanto pelo design comum como pela ancestralidade comum.

Em todo caso, apesar de a estatística de 99% soar como evidência convincente, o valor numérico em si significa muito pouco aparte de um contexto interpretativo. Entre outras coisas, depende exatamente de como se comparam os dados genéticos (e precisamente quais dados genéticos são comparados). Acontece que diferentes métodos de comparação dão diferentes valores numéricos. Além disso, poderíamos até argumentar que, uma vez que os seres humanos são radicalmente diferentes dos chimpanzés em tantos aspectos, não podemos ser definidos apenas em termos de nosso DNA. No final, a evidência genética pode ser interpretada de maneiras muito diferentes, dependendo dos pressupostos que alguém leva consigo.

Muito mais poderia ser dito sobre a suposta evidência científica para a evolução humana, mas eu quero dar um passo atrás neste momento e fazer uma observação mais geral sobre as teorias científicas e as evidências usadas para apoiar essas teorias. Uma conclusão que podemos extrair da discussão anterior de que a evidência não fala por si mesma (apesar do que muitas pessoas ingenuamente assumem). A evidência sempre precisa ser interpretada contra um cenário de suposições orientadoras e conhecimento prévio. Além disso, a evidência é sempre suscetível a interpretações diferentes, cada uma das quais pode ser consistente com as evidências tomadas isoladamente.

No último meio século, os filósofos da ciência reconheceram que a complexa relação entre teorias e evidências apresenta aos cientistas uma série de desafios, um dos quais é conhecido como “o problema da subdeterminação da teoria”.[10] Aqui está o problema: Quando reunimos um conjunto de evidências observacionais, sempre há mais de uma teoria que se ajusta às evidências disponíveis. Considere, a título de ilustração, os pontos representados na Figura 1, que podemos considerar para representar um conjunto de observações empíricas. Que teoria subjacente explicaria esses dados brutos? Talvez a teoria mais natural é aquela que postula uma relação linear entre os pontos, como apresentado na Figura 2. Mas isso está longe de ser a única teoria que se ajusta aos dados. Como a Figura 3 ilustra, uma teoria que coloca uma relação sinusoidal entre os pontos se ajusta igualmente bem aos dados. Os dados brutos em si não são capazes de determinar uma preferência a teoria linear sobre a teoria sinusoidal. As duas teorias são subdeterminadas pelos dados que procuram explicar.

 Figura 1: Alguns dados brutos

Figura 2: Uma teoria que se ajusta aos dados

Figura 3: Outra teoria que se ajusta aos dados

Poder-se-ia supor que a teoria da linha reta deveria ser favorecida sobre a teoria da onda senoidal, já que essa é a mais simples ou mais natural das duas teorias. Mas em termos matemáticos uma onda senoidal é igualmente simples, e sinusoides são onipresentes no mundo natural. A função senoidal está relacionada com a posição de um ponto à medida que se move em um círculo. E o que poderia ser mais simples ou mais natural do que um círculo? (Se você acha que “uma linha” é a resposta óbvia a essa pergunta, isso só revela seu viés geométrico!) O desfecho é o seguinte: qual das duas teorias propostas você preferirá dependerá de outros critérios além da evidência observacional, porque a própria evidência não resolve o problema.

Pode-se imaginar que a saída para o problema da subdeterminação da teoria é simplesmente eliminar teorias concorrentes ao se obter mais evidências. No exemplo representado na Figura 1, pontos de dados adicionais podem excluir uma das duas teorias propostas. O problema é que, para qualquer conjunto finito de dados, sempre haverá inúmeras teorias que poderiam ser construídas para explicar esses dados. Apesar de evidências adicionais poderem ajudar a excluir algumas teorias (ou grupos de teorias) sempre haverá um número ilimitado de possíveis teorias consistentes com os dados.

Para ser claro: o meu objetivo aqui não é dizer que uma determinada teoria científica é, em última análise, tão boa quanto qualquer outra, ou que não pode haver base racional para favorecer uma teoria sobre suas concorrentes. Ao invés disso, meu objetivo é dizer que os cientistas não podem confiar apenas em evidências observacionais para estabelecer suas teorias. Eles têm que depender de outros critérios para selecionar entre teorias alternativas (e isso é exatamente o que acontece na prática, mesmo que os cientistas não percebam). Além do mais, esses outros critérios são tipicamente filosóficos (até mesmo religiosos) em sua natureza.

Agora aqui está o desfecho de nossos propósitos. Um dos critérios que utilizamos para selecionar uma teoria científica e uma interpretação das evidências observacionais é o nosso conhecimento prévio: o que nos já sabemos acerca do mundo. Podemos perguntar: Qual das teorias disponíveis se encaixa melhor com nosso conhecimento prévio? Na prática, todos os cientistas aplicam esse critério (novamente, reconhecendo isso ou não). Mas, como cristãos, uma das coisas que já temos conhecimento é de que a Bíblia é a Palavra de Deus. Isso faz parte do nosso conhecimento prévio. É uma de nossas suposições de plano de fundo. Portanto, é bastante legítimo para os cristãos, quando apresentados com evidências empíricas que podem ser explicadas por diferentes teorias científicas, favorecer aquelas teorias científicas que são consistentes com a Bíblia e rejeitar as que são inconsistentes com ela.

E isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito à teoria da evolução. A evidência observacional que muitos cientistas assumem ser explicada pela teoria evolucionária (ou melhor, pelas teorias evolucionárias) também pode ser explicada por teorias alternativas, como uma teoria da criação especial que permite a especiação generalizada dentro de tipos naturais. Além do mais, há uma série de outras evidências (como as diferenças fundamentais entre humanos e outros animais) que é melhor explicada por essas teorias alternativas. O que tudo isso significa é que os argumentos evidenciais dos cientistas evolucionários não precisam ser (e não devem ser) um destruidor de nossa confiança na Bíblia.

Conclusão

Podemos confiar na Bíblia mais do que na ciência evolucionária? Eu respondo com um ressonante “sim”. Sabemos que a Bíblia é a Palavra de Deus porque há muitas evidências objetivas de sua autoria divina, e através do testemunho interno do Espírito Santo temos a capacidade de enxergar essas evidências e de ouvir a Voz de Deus nos falando nas Escrituras. Além disso, pelas razões que expus, estou persuadido de que a ciência evolucionária não forneceu nada que chegue perto de destruir nossa confiança na Bíblia.

Gostaria de encerrar com um último pensamento, mais pastoral do que filosófico em sua natureza, que nos dá uma outra perspectiva importante sobre esta questão. Quando fazemos a pergunta “Podemos confiar na Bíblia mais do que na ciência evolucionária?”, estamos implicitamente fazendo a seguinte pergunta: “Podemos confiar em Jesus mais do que na ciência evolucionária?”.

Por que eu digo isso? Simplesmente porque Jesus consistentemente e inequivocamente afirmou que as Escrituras do Antigo Testamento eram a própria Palavra de Deus.[11] Ele apelou especificamente ao Gênesis como um relato histórico confiável das origens humanas.[12] E ele insistiu que “as Escrituras não podem ser anuladas”. [13]

Então, em quem você vai confiar? Jesus já lhe deu razões para não confiar nele incondicionalmente e de todo o coração? Sem rodeios, vamos colocar da seguinte maneira: se você pode confiar em seu cônjuge mais do que no Agente Smith, certamente pode confiar em seu Salvador mais do que na ciência evolucionária.

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Referências:

[1] Esse artigo é adaptado de uma aula dada na Raleigh Reformation Conference em Outubro de 2013.

[2] João Calvino, Institutas da Religião Cristã, ed. John T. McNeill, trans. Ford Lewis Battles (London: Westminster John Knox Press, 1960), 1.7.4-5; Francis Turretin, Institutas da Teologia Elentica, ed. James T. Dennison Jr., trans. George Musgrave Giger (Phillipsburg, NJ: Presbyterian & Reformed, 1992), Segundo Tópico, Pergunta VI. Veja também a Pergunta 5 da Confissão Belga: “Nós recebemos todos esses livros [da Escritura], e somente eles, como santos e canônicos, para regulamento, fundação e conformação da nossa fé; acreditando sem qualquer dúvidas em todas as coisas contidas neles, não porque a Igreja os recebe os aprova, mas mais especialmente porque o Espírito Santo testemunha em nossos corações que eles são de Deus, do qual carregam evidências em si mesmos”.
[3] Veja, e.g., Alvin Plantinga, Warranted Christian Belief (Oxford: Oxford University Press, 2000), 241–323; James N. Anderson, Paradox in Christian Theology: An Analysis of Its Presence, Character, and Epistemic Status, Paternoster Theological Monographs (Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2007), 177–99.
[4] “Of Warming and Warnings,” The Economist, November 3, 2014.
[5] O escândalo “Climategate” que surgiu em Novembro de 2009 oferece uma ilustração. Andrew C. Revkin, “Hacked E-Mail Is New Fodder for Climate Dispute,” The New York Times, November 21, 2009.
[6] O ponto pode ser levado ainda mais adiante: a ciência evolucionária por si só é altamente interdisciplinar, envolvendo contribuições de diversos campos da paleontologia, zoologia, biologia molecular, química, biofísica, genética, estatística, e assim por diante. É virtualmente impossível que qualquer cientista seja um expert na ciência evolucionária como tal, ao invés disso eles são experts em um ramo particular dentro dela.
[7] Para uma discussão detalhada do problema que o registro fóssil apresenta para o Darwinismo veja Stephen C. Meyer, Darwin’s Doubt: The Explosive Origin of Animal Life and the Case for Intelligent Design (New York: HarperOne, 2013).
[8] Henry Gee, “Return to the Planet of the Apes,” Nature 412, no. 6843 (July 12, 2001): 131–32.
[9] Para uma excelente análise crítica da suposta evidência para a evolução humana, veja Ann Gauger, Douglas Axe, and Casey Luskin, Science and Human Origins (Discovery Institute Press, 2012).
[10] Para uma boa visão global, veja Kyle Stanford, “Underdetermination of Scientific Theory,” ed. Edward N. Zalta, The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2013.
[11] Benjamin B. Warfield, The Inspiration and Authority of the Bible (Philadelphia, PA: Presbyterian & Reformed, 1948); John W. Wenham, Christ and the Bible, 3rd ed. (Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2009); Craig L. Blomberg, “Reflections on Jesus’ View of the Old Testament,” in The Enduring Authority of the Christian Scriptures, ed. D. A. Carson (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2016), 669–701. ↑
[12]Mateus 19:4-6.
[13] João 10:35.

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Autor: James N. Anderson
Fonte: Reformed Faith & Practice
Tradução e adaptação: Erving Ximendes
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