Quem Deve Ensinar no Culto Público?

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Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação”. (1 Coríntios 14:26)

Aqui o apóstolo Paulo fala sobre o culto público – “quando vos ajuntais. Ele lista determinadas coisas que poderiam acontecer no culto público. É importante observar que cada elemento de culto que ele menciona dependia de um dom do Espírito Santo para acontecer. O dom de profecia (1 Coríntios 12:28; 14:1,3) era necessário para que houvesse “revelação” e os dons de línguas e de interpretação (1 Coríntios 12:10,30) eram necessários para que houvesse “língua” e “interpretação” (1 Coríntios 14:26). Semelhantemente, o dom de mestre (1 Coríntios 12:28) era necessário para que houvesse “doutrina”.

A necessidade dos dons do Espírito para realizar cada um desses atos de culto implica que são atividades que o homem não tem em si mesmo a capacidade de realizar. O homem não tem a capacidade de profetizar ou de falar e compreender uma língua que ele nunca estudou. Semelhantemente, ele não tem a capacidade de ensinar verdades espirituais. Tudo o que acontece no culto deve ser feito para a edificação. Mas o homem não tem a capacidade de edificar o seu próximo. Por isso, é necessário que o Espírito opere através dele. Por isso, não é qualquer um que pode ensinar no culto público. Somente os que Deus capacitou espiritualmente para que fossem mestres. Em 1 Coríntios 12, Paulo questiona: “Porventura são todos apóstolos? são todos profetas? são todos mestres?” (1 Coríntios 12:29) Não.

É importante perceber também que o que Paulo diz sobre o dom de mestre implica que quem tem esse dom exerce ou deveria exercer o ofício de mestre. Em outras palavras, quando Paulo fala sobre o dom de mestre, ele não está falando de uma capacitação que membros comuns da Igreja recebem para pregar de vez em quando. Ele estava falando da capacitação espiritual para exercer um ofício, para ocupar um cargo. Quem tinha o dom do apostolado era um apóstolo. Quem tinha o dom de profecia era um profeta. Da mesma forma, quem tem o dom de mestre é um mestre, isto é, exerce o ofício de mestre, ocupa o cargo de mestre. Essa é a sua função no corpo, como ele diz também na epístola aos Romanos:

Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação, assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros. De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé… se é ensinar, haja dedicação ao ensino. (Romanos 12:4-7)

O dom do apostolado (1 Coríntios 12:28-29; Efésios 4:11) era a capacitação do Espírito Santo para que os apóstolos definissem a fé cristã e edificassem a Igreja (Mateus 10:5-8; João 14:1-3,16-17; 15:26; Atos 1:1-8; 1 Coríntios 3:10-11; 15:1-2,11; Efésios 2:20). Quando os apóstolos chegavam em um determinado lugar para ensinar a Palavra de Deus e plantar uma igreja, eles passavam um tempo naquele lugar, mas eles não tinham uma igreja fixa e permanente. Os apóstolos só permaneciam na igreja enquanto ela estava em fase de organização. Quando a igreja se mostrava capaz de existir sem a presença dos apóstolos, eles partiam para fazer o mesmo – ensinar a Palavra de Deus e plantar uma igreja – em outro lugar. Mas se os apóstolos exerciam a função de ensinar enquanto eles estavam presentes, era necessário que outros assumissem essa função depois que eles partissem. É por isso que eles promoviam a eleição de presbíteros:

E, tendo anunciado o evangelho naquela cidade e feito muitos discípulos, voltaram para Listra, e Icônio, e Antioquia, fortalecendo a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus. E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido. (Atos 14:21-23)

Esses presbíteros, que eram eleitos pela igreja e não escolhidos diretamente pelos apóstolos, eram responsáveis pelo governo da Igreja depois que os apóstolos fossem embora. E dentre esses presbíteros, existiam aqueles que seriam responsáveis pelo ensino:

Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses presbíteros, como já te mandei: Aquele que for irrepreensível, marido de uma mulher, que tenha filhos fiéis, que não possam ser acusados de dissolução nem são desobedientes. Porque convém que o bispo seja irrepreensível, como despenseiro da casa de Deus, não soberbo, nem iracundo, nem dado ao vinho, nem espancador, nem cobiçoso de torpe ganância; Mas dado à hospitalidade, amigo do bem, moderado, justo, santo, temperante; retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes. (Tito 1:5-9)

Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja. Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar; não dado ao vinho, não espancador, não cobiçoso de torpe ganância, mas moderado, não contencioso, não avarento; que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia (Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?); não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo. Convém também que tenha bom testemunho dos que estão de fora, para que não caia em afronta, e no laço do diabo”. (1 Timóteo 3:1-7)

Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina. (1 Timóteo 5:17)

Paulo queria que Tito e Timóteo estabelecessem presbíteros para governar e ensinar as igrejas. Aqui vemos que quando o Novo Testamento fala sobre o “bispo” e sobre o “presbítero”, está falando sobre o mesmo ofício. Como já vimos em Atos 14, a forma de estabelecer presbíteros era promovendo uma eleição na igreja. Ou seja, quando Paulo diz que Tito e Timóteo deveriam estabelecer presbíteros, isso não significa que eles deveriam escolher as pessoas diretamente. Eles deveriam promover uma eleição. As características que Paulo lista não é porque os presbíteros seriam escolhidos diretamente por eles, mas porque Tito e Timóteo, ao promover a eleição, deveriam estabelecer esses critérios para os candidatos. Não era qualquer um que tinha o direito de se candidatar. Nenhum novo convertido (“neófito”), por exemplo, poderia se candidatar (1 Timóteo 3:6).

Quando Paulo escreveu 1 Timóteo, ele tinha enviado Timóteo para cidade de Éfeso (1 Timóteo 1:3). Em Atos dos Apóstolos, encontramos o registro do último discurso de Paulo aos presbíteros de Éfeso:

De Mileto, mandou a Éfeso chamar os presbíteros da igreja. E, quando se encontraram com ele, disse-lhes: Vós bem sabeis como foi que me conduzi entre vós em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, servindo ao Senhor com toda a humildade, lágrimas e provações que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram, jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo. E, agora, constrangido em meu espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações. Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus. Agora, eu sei que todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis mais o meu rosto. Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos; porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus. Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um. Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados. De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes; vós mesmos sabeis que estas mãos serviram para o que me era necessário a mim e aos que estavam comigo. Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: Mais bem-aventurado é dar que receber. Tendo dito estas coisas, ajoelhando-se, orou com todos eles”.(Atos 20:17-36)

Essa passagem também mostra que os bispos eram os presbíteros, pois as mesmas pessoas que são chamadas de presbíteros no verso 17 são chamadas de bispos no verso 28. Além disso, vemos que os presbíteros/bispos são os pastores da Igreja, pois ele chama a igreja de rebanho e diz que a função dos presbíteros/bispos é pastorear. “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (v. 28). De que maneira eles pastoreariam a igreja? Da mesma forma que eles já tinham sido pastoreados por Paulo. Como Paulo enfatiza em seu discurso, “Vós bem sabeis como foi que me conduzi entre vós em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia… jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 18, 20). Por isso, ele disse a Timóteo e a Tito que era necessário que esses presbíteros fossem “aptos para ensinar” (1 Timóteo 3:2) e “apegado à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem” (Tito 1:9). A capacidade de ensinar incluia a capacidade de “convencer os que o contradizem” porque “existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores” (Tito 1:10), que são os “lobos vorazes, que não pouparão o rebanho” (Atos 20:29).

O que tudo isso deixa claro é que os mestres (1 Coríntios 12:28), isto é, aqueles que são ordinariamente encarregados de ensinar a Igreja (Romanos 12:7; 1 Coríntios 14:26), não são todos (1 Coríntios 12:29), mas aqueles que ocupam o ofício de presbítero e foram especialmente capacitados para “trabalhar na palavra e na doutrina” (1 Timóteo 5:17). Como já demonstramos, a capacidade de exercer qualquer função na igreja depende de uma capacitação especial do Espírito Santo. Portanto, as características que Paulo lista em Tito 1:5-9 e 1 Timóteo 3:1-7 são as características visíveis que demonstram se alguém verdadeiramente tem esse dom do Espírito, tendo sido espiritualmente capacitado para ensinar verdades espirituais ao rebanho de Cristo. E a existência de um processo de reconhecimento desse dom demonstra que não é suficiente que alguém simplesmente acreditasse ter e dissesse ter o dom. Para ser admitido ao ofício, era necessário que demonstrassem ter as características que Paulo lista e também era necessário que essas características fossem publicamente reconhecidas pela igreja através de uma eleição promovida por aqueles que já eram oficiais. Esse é o processo que costumamos chamar de ordenação.

A ideia de que qualquer cristão pode ensinar na igreja ignora o que Paulo ensina sobre a nossa completa incapacidade de edificar o nosso irmão e sobre a necessidade das operações do Espírito para que ele seja edificado. Se uma operação específica do Espírito é necessária para produzir um determinado efeito, não podemos tentar produzir o mesmo efeito de outras maneiras. Se os apóstolos, mesmo depois de conviver tanto tempo com Jesus, precisaram ser especialmente capacitados pelo Espírito para edificar a igreja, por que a continuidade do ensino na Igreja ao longo dos séculos não precisaria de uma capacitação especial? E que autoridade nós temos para alterar a forma apostólica, divinamente inspirada? “E louvo-vos, irmãos, porque em tudo vos lembrais de mim, e retendes os preceitos como vo-los entreguei” (1 Coríntios 11:2).

Se alguém que não tem o dom de cura (1 Coríntios 12:28) impõe suas mãos sobre um enfermo e determina que ele seja curado, qual é o resultado? O resultado é que o enfermo continua doente. Se alguém que não tem o dom de profecia tenta profetizar, qual é o resultado? O resultado é que suas palavras são uma falsa profecia. E se alguém que não tem o dom de ensino é colocado na igreja para ensinar, qual é o resultado? O resultado é que o seu ensino não produzirá um verdadeiro impacto espiritual nos seus ouvintes. Onde o dom de ensino é ignorado, onde a forma apostólica de estabelecer mestres não é respeitada, é certo que a qualidade do ensino da igreja entrará em decadência e haverá abundância de heresias. O Espírito deu dons específicos para que a Igreja persevere na sã doutrina e seja preservada dos falsos ensinos (Efésios 4:11-14). Se o Espírito estabeleceu um determinado dom para preservar a sã doutrina na igreja, não podemos esperar que o mesmo resultado seja obtido de outra maneira.

Por isso, se queremos que a sã doutrina seja restaurada em nossas igrejas, é urgente que voltemos a confessar e a praticar o que lemos na pergunta 158 do Catecismo Maior:

158. Por quem a Palavra de Deus deve ser pregada?
A Palavra de Deus deve ser pregada somente por aqueles que têm dons suficientes e são devidamente aprovados e chamados para o ministério. (Catecismo Maior de Westminster)

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Autor: Rev. Frank Brito
Fonte: Catequese Presbiteriana

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Paradoxos Bíblicos

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Os crentes mais antigos já devem ter se deparado com disputas teológicas entre arminianos e calvinistas. Para quem não sabe, o debate entre os dois grupos gira em torno, basicamente, da polêmica entre a existência de livre-arbítrio para crer no Evangelho. Os dois grupos recorrem a um compêndio de textos bíblicos para fundamentar suas teses, deixando qualquer leigo sem posição definida atônito diante de duas hipóteses concorrentes largamente embasadas no mesmo livro.

Como calvinista, entendo que nossa vontade está condicionada aos propósitos divinos ao mesmo tempo que Deus nos faculta escolhas. As duas situações coexistem! Mas não há espaço aqui para discutir esse tópico. Minha intenção é levá-lo a refletir sobre os paradoxos existentes na Bíblia e que podem trazer certa confusão, como na polêmica existente entre arminianos e calvinistas.

Nos vemos diante de um paradoxo quando Jesus nos diz que: os últimos serão os primeiros (Mt 20:16) ou que o menor é o maior (Lc 22:26); seu fardo é leve (Mt 11:30) ao mesmo tempo que temos de carregar nossa própria cruz e negar a nós mesmos (Mc 8:34); é chegado o Reino de Deus (Mt 3:2), o qual, contudo, não é deste mundo (Jo 18:36). Paulo, por sua vez, em um testemunho pessoal chega à conclusão de que quando está fraco é que está forte (2 Co12:10). E ainda podemos observar que enquanto nas cartas apostólicas por diversas vezes se enfatiza a salvação pela graça (Ef 2:8-9), em Tiago lemos que a fé sem obras é morta (Tg 2:14-17) e em Hebreus somos lembrados que sem santidade ninguém verá a Deus (Hb 12:14).

A interpretação precipitada desses ensinamentos aparentemente contraditórios têm resultado em um sem-número de divergências doutrinárias, especialmente no tocante ao entendimento da doutrina da graça. Enquanto alguns, por exemplo, enfatizam a graça, outros se focam nos aspectos morais e nas obras. Em geral essa torre de babel de interpretações decorre da simples negligência de princípios básicos de exegese e interpretação, como desconsiderar os destinatários primários dos textos bíblicos, objetivos do autor, contextos etc. E aqui me apropriarei da figura do corpo humano para explanar melhor sobre esse tema.

Paulo usa o corpo humano para dissertar a respeito dos dons pois um corpo, como bem observa o apóstolo, é equilibrado. E é justamente esse equilíbrio que nos falta ao refletir e optar por um lado nas controvérsias. Quando se enfatiza muito a graça em detrimento das obras a intenção é, para resumir bastante, libertar os crentes das amarras do legalismo. No entanto, tal ênfase na graça pode levar a uma noção equivocada da importância da santidade e das obras, tendo como consequência principal um relaxamento no aspecto moral da vida. A doutrina da graça é, sem dúvida, uma doutrina central no cristianismo, atrelada diretamente à obra salvífica de Cristo e suas implicações para nós, mas pode trazer graves prejuízos quando é isolada da doutrina da santidade cristã. Se a graça é o coração do corpo, sendo responsável por bombear sangue para os demais órgãos, a santidade pode ser representada pelos rins, que filtram as impurezas. Sem o coração o corpo padece imediatamente, mas sem os rins, embora o corpo possa subsistir um pouco mais, ele também não sobreviverá. Desse modo, o primeiro benefício da aplicação correta dos dois ensinamentos bíblicos é que para se ter uma vida cristã saudável, equilibrada, é preciso compreender que seu esforço não pode contribuir para a salvação, mas que é imprescindível para uma vida em santidade e uma fé produtiva.

Essa tensão constante entre termos que parecem representar uma oposição e coexistirem parece intencional e até um padrão divino, pois se repete diversas vezes na Bíblia, como já mencionado. Podemos inferir, então, que a vida cristã é caracterizada por paradoxos, e o crente que não entende isso se perde em algum extremo. 

Conforme Mt 5:4,11, somos bem-aventurados por chorarmos e sofrermos perseguição! O Sermão do Monte em seu início é quase uma apologia ao sofrimento, pois prega valores contrários ao instinto humano na maioria das vezes. O mundo é naturalmente injusto, e buscar justiça nele não poucas vezes requer sacrifício e uma boa dose de altruísmo. Ser manso numa sociedade que te impele a revidar e a impor-se para não ser pisado não é uma tarefa fácil. Ser manso, em muitas situações, é até mesmo contrário à natureza humana, especialmente quando estamos em posição de superioridade. Que se dirá então sobre ser misericordioso quando nossa vontade natural é retribuir o mal com mal?

O Evangelho não apenas nos apresenta realidades aparentemente paradoxais, como é vivenciado dessa forma. Nós até podemos entender facilmente o que foi discutido até aqui, mas viver esse Evangelho é que é o grande desafio, pois implica uma compreensão da própria existência que transcende a lógica do entendimento humano.

A lógica humana é linear, relativamente simples. Em termos gerais, eu planto e colho,  trabalho e recebo. A lógica divina, que encontramos nas páginas bíblicas, porém, é um tanto diferente. Eu planto e outro pode colher, e isso é bênção para mim, que plantei. Eu trabalho, mas posso receber o mesmo de que quem não trabalha, e isso continua sendo justo. Não, não estou fazendo apologia ao socialismo! O fato é que as duas lógicas, tanto a humana como a divina, coexistem para os cristãos. Nós continuamos sendo abençoados se outro colhe os frutos do que plantamos, ao mesmo tempo que também é bênção eu mesmo colher. E receber sem trabalhar é basicamente a graça divina em nossas vidas. Continua sendo justo e funcionando a lógica humana e bíblica de que se alguém não quer trabalhar que não coma (2Ts 3:10), mas precisamos aceitar que recebemos a dádiva da salvação sem nada fazer por merecê-la. As duas realidades existem na vida do cristão, e em algum momento ele precisará aplicar uma ou outra. Há tempo para ser gracioso com o próximo, e tempo para recompensar os que trabalharam.

Acredito que a existência de tais paradoxos na Bíblia representa o distanciamento entre nossa capacidade de compreensão e o agir divino, assim como a transmissão dessas ideias pelos escritores bíblicos enfrentava as limitações da linguagem humana e do nível intelectual de cada autor. Por isso, fazemos contorcionismos para encaixar a lógica divina dentro das nossas limitações. Tentamos até explicar a trindade! 

Talvez devamos tão somente aceitar que, mesmo sendo salvos pela graça, Deus quer que  sejamos santos, quase (eu disse “quase”) como se nossa salvação dependesse de nós mesmos, tamanho o zelo e devoção com os quais devemos lidar com cada aspecto das nossas vidas. Somos salvos pela graça mas devemos buscar a perfeição (Mt 5:48). Se juntarmos os dois lados do debate sobre livre-arbítrio, quem sabe chegaremos a alguma conclusão que traga mais conforto e noção de responsabilidade aos cristãos, uma vez que entenderão ser impossível perder a dádiva da salvação, pois foram escolhidos por Ele, ao mesmo tempo que estarão conscientes de que é preciso escolher a melhor parte (Lc 10:42).

Por fim, e mais importante, sabendo que vivemos num tempo em que muitos se voltam para o Evangelho da Prosperidade ou dão ouvidos a pastores-coaches, precisamos compreender que as bem-aventuranças proferidas por Jesus em Mateus 5 não são apenas uma forma enigmática de representar a lógica do Reino de Deus, mas nos alertam sobre a realidade da vida cristã quando vivida integralmente. Se não entendemos que podemos ser bem-aventurados enquanto estamos tristes e sofrendo, então somos candidatos a repetir o erro dos israelitas que murmuraram depois de haverem sido libertados da escravidão no Egito. 

Essa tensão entre opostos nos acompanhará até nossos últimos dias neste mundo, pois a lógica do reino de Deus é diferente da nossa. Nesse reino que, como diria Oscar Cullman,“já veio, mas ainda não”.

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Autor: Renato César



O Ponto Fraco da Declaração de Fé da Assembleia de Deus

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A Assembleia de Deus é uma das denominações mais conhecidas das igrejas evangélicas no Brasil. De acordo com o censo de 2010, do IBGE, ela é o maior segmento evangélico, com 12 milhões de fiéis, e o segundo maior do Brasil, atrás da Igreja Católica. Além de ser influente no Brasil, vale ressaltar que a Assembleia é uma denominação popular em vários países do mundo, sendo reconhecida internacionalmente.

As Assembleias originaram-se do ressurgimento pentecostal do início do século XX. Esse avivamento levou à fundação das Assembleias de Deus nos Estados Unidos em 1914. Através da obra missionária estrangeira e estabelecendo relações com outras igrejas, as Assembleias de Deus se expandiram para um movimento mundial. E, como toda comunhão pentecostal, as Assembleias de Deus acreditam no distintivo pentecostal do batismo no Espírito Santo, com a evidência de falar em línguas.

O presente artigo é baseado na Declaração de Fé da Assembleia de Deus, e tem como finalidade contrariar algumas doutrinas citadas na obra. Para isso, serão apresentados os equívocos teológicos presentes nesse credo e, posteriormente, diagnosticaremos a razão de sua existência – o ponto fraco – tomando como referência as doutrinas reformadas, as quais, julga o autor, têm apoio escriturístico mais coerente.

A Apresentação da Declaração de Fé da Assembleia diz que

1. A DF¹ não oferece nenhuma oportunidade para vicissitudes.
2. A DF tem íntima e inseparável comunhão com as doutrinas bíblicas.
3. A DF possui um grande rigor na observação doutrinária.
4. A DF serve como um guia contra falsas doutrinas.

Dessa forma, a missão deste artigo é

1. Mostrar que algumas doutrinas da DF possuem falhas interpretativas, contradições e instabilidades.
2. Mostrar que algumas doutrinas da DF não têm fundamento lógico e/ou coerência.
3. Mostrar que algumas doutrinas da DF não têm apoio bíblico ou se apoiam em um texto bíblico interpretado de maneira forçada.
4. Finalmente, mostrar que, apesar da DF ter o objetivo de proteger seus fiéis contra heresias, ela mesma é uma fonte de onde podem surgir heresias, por causa de seus próprios equívocos perigosos. 


1. SOBRE A SALVAÇÃO

1.1. ARMINIANISMO (FACTS)

A Assembleia demonstra, em sua DF, seguir a corrente soteriológica arminiana, que apresenta cinco pontos.

F: Livre pela Graça (Freed by Grace)
A: Expiação Ilimitada (Atonement for All)
C: Eleição Condicional (Conditional Election)
T: Depravação Total (Total Depravity)
S: Segurança em Cristo (Security in Christ)

Segundo os ensinos de Armínio, cada pessoa tem livre arbítrio (Livre pela Graça) para escolher seguir a Deus ou não. Sendo assim, para ser salvo, é o homem que deve se movimentar em direção a Cristo. Para o arminianismo, Deus elegeu para a salvação aqueles que Ele sabia que aceitariam a salvação (Eleição Condicional). Sendo assim, trata-se de uma eleição condicionada à ação do homem, que somente precisa ter fé para ser salvo. Quanto à expiação, acredita-se que foi ilimitada (Expiação Ilimitada), ou seja, Cristo morreu por todos e pagou pelos pecados de todos. Porém, o ser humano pode resistir à ação do Espírito Santo em sua vida (Graça Resistível) e escolher não ser atraído por ela para a salvação em Cristo. E em relação a durabilidade da salvação, um homem pode deixar de ser salvo caso peque e não se arrependa e não persista nas boas obras (Segurança em Cristo).

1.2. CALVINISMO (TULIP)

No século XX, ocorreu o Sínodo de Dort na Holanda. A razão para este concílio foi discutir o crescimento de uma doutrina nova e diferente na Igreja Reformada Holandesa: o arminianismo. A agenda da discussão incluiu cinco temas fundamentais sobre a salvação, os quais foram interpretados por João Calvino: a depravação total do homem, a eleição incondicional, a expiação limitada, a graça irresistível e a perseverança dos santos. No final do Sínodo, Jacó Arminio e seus ensinos haviam sido oficialmente rejeitados pela Igreja por estarem em discordância com tais temas. Assim, TULIP é o acróstico que abrange os 5 pontos da soteriologia reformada de uma forma simples e concreta.

T: Depravação Total (Total Depravity) 
U: Eleição Incondicional (Unconditional Election)
L: Expiação Limitada (Limited Atonement) 
I: Graça Irresistível (Irresistible Grace) 
P: Perseverança dos Santos (Perseverance of the Saints) 

A Depravação Total diz que toda a humanidade foi afetada, danificada e distorcida pela entrada do pecado no mundo, de modo que estamos mortos em nossas transgressões e pecados (Ef 2.5), e nós mesmos não podemos mudar a nossa situação sem a graça do Espírito Santo (Cl 2.13), pois somos inclinados, por natureza, ao mal. As doutrinas do pecado e a depravação total do homem são mais do que bem representadas em ambos os testamentos (cf. Is 53.6; 2 Cr 6.36; Rm 3.9-12; 1 Jo 1.8,10; Mc 10.18; Mq 7.2-4; Jr 17.9; Mt 15.19; Gn 6.5, 8.21). 

A Eleição Incondicional afirma que Deus escolhe a quem Ele quer escolher. Uma vez que estamos mortos, a única saída da nossa morte espiritual é que Deus nos tire dela (2 Tm 1.9). Se realmente cremos que somos maus, não temos o direito de reclamar que Deus exerça Sua graça soberanamente (Rm 9.11-16). A eleição incondicional significa simplesmente que Deus escolhe dar a vida eterna sem ter visto nada de bom nos eleitos. Assim, alguns homens são predestinados à vida eterna; e outros são predestinados à morte eterna. E isso fica claro em João 15.16 e é comum na teologia paulina (cf. Ef 1.4-5; 1 Ts 1.4-5; 2 Ts 2.13; 1Co 1.27-29). 

A Expiação Limitada explica que a morte de Cristo paga por todos os pecados daqueles que foram eleitos. O perdão dos pecados está disponível para todos os pecadores e a expiação de Cristo é suficiente para que toda a humanidade seja salva (independentemente de crerem ou não), mas é eficiente somente para aqueles que creem, isto é, aqueles a quem o Pai predestinou desde a fundação do mundo. Isso pode ser visto em vários textos (cf. Ef 1.4; Is 53.11; 2 Co 5.21; Jo 10.11-29). 

A Graça Irresistível diz que ninguém pode negar ou resistir à graça salvadora de Deus. Quando a graça vem, nunca pode ser rejeitada: sua eficácia é perfeita. Isto significa que se Deus escolheu alguém, não há como essa pessoa não ser salva. Todos a quem Deus elegeu para a salvação serão inevitavelmente salvos a seu tempo determinado por Deus. Quem somos nós para dizer ‘não’ ao Senhor (Rm 9.19-20)? Assim, vemos o poder da graça em toda a Escritura (cf. Jo 6.37,44,65; 2 Ts 2.13-14; 1 Co 1.9). 

A Perseverança dos Santos conclui que os escolhidos perseverarão até o fim. Filipenses 1:6 nos diz: “Estou convencido precisamente disto: que aquele que começou a boa obra em vós a aperfeiçoará até o dia de Cristo Jesus”. Isto não se refere ao chamado “uma vez salvo, sempre salvo”, que uma vez que somos escolhidos por Deus, podemos viver como quisermos. Pelo contrário, diz-nos que, na soberania de Deus, aqueles que Ele escolheu para a salvação sustentarão aquela confissão de conversão até à sua morte, perseverando na vida de santidade. Esta verdade é citada várias vezes na Bíblia (cf. Rm 8.35-39; 2 Pe 1.10; Jo 10.28,29; 1 Jo 3.9; 1 Pe 1.5,9). 

“Quem Deus aceitou em seu Amado, e que foi efetivamente chamado e santificado pelo seu Espírito, não pode cair completa ou definitivamente do estado de graça, mas deve seguramente perseverar nele até o fim, e serão salvos eternamente (...) Esta perseverança dos santos não depende do seu livre arbítrio, mas da imutabilidade do decreto de eleição, que brota do amor livre e imutável de Deus Pai” (Confissão de Fé de Westminster, capítulo 17, I, II)

1.3. REFUTAÇÃO AO ARMINIANISMO

1.3.1. 1ª AFIRMAÇÃO

Primeiro, temos a afirmação de que não há eleição para a condenação e que Deus deseja a salvação de todos, pagando, assim, pelos pecados de todos (p. 110, l. 12-15). Ora, se há um grupo de pessoas selecionadas por Deus para serem salvas, consequentemente, há um outro grupo selecionado por Deus para a condenação (Rm 9.21). E isso não torna Deus injusto ou mal, pois a verdade é que a salvação não é algo que merecemos (Ef 2.8-9). Deus não “deveria” nos salvar, Ele não possui uma dívida para conosco. Além do mais, a eleição não foi feita com base em preferencialismos (Ef 1.4). Ele não escolheu os mais ricos, os mais nobres, os mais piedosos, os mais santos, até porque não somos nada disso e, se comparados a soberania de Deus, que somos (1 Pe 1.24)? Por fim, dizer que o sacrifício de Cristo expiou os pecados de todos é o mesmo que dizer que aqueles que não aceitaram a Cristo tornaram a morte dEle um fracasso, já que não serviu para a salvação dos que não a desejam.

1.3.2. 2ª AFIRMAÇÃO

Segundo, temos a afirmação de que a graça é resistível por causa do livre arbítrio (p. 110, l. 17). Se pararmos para pensar, essa afirmação enaltece o homem e diminui a soberania de Deus. De acordo com a depravação total, o ser humano é corrupto por natureza, logo, não pode, pelo seu livre arbítrio corrompido pelo pecado, escolher a Deus. Porém, quando o Espírito Santo chama um eleito, a seu tempo determinado por Deus, ele não pode resistir, pois quem pode resistir aos planos do Altíssimo (Jó 42.2)? Obviamente, por vezes, podemos ser desobedientes e obstinados. Não somos perfeitos. Mas isso não impede a Deus de fazer o que quer. Deus não depende das nossas escolhas, como se submetesse ou se adaptasse às nossas decisões. Antes, Ele já sabe o que vamos fazer (Sl 139). 

1.3.3. 3ª AFIRMAÇÃO

Por fim, temos a afirmação da perda da salvação (cap. X, ponto 6). Acerca disso, vejamos alguns pontos.

1. Ter tal crença significa subestimar o poder do sacrifício de Cristo. Porém, o Senhor Jesus Cristo morreu pelos pecados de toda humanidade, e, além disso, esse sacrifício foi perfeito e resolveu para sempre o problema do pecador (Hb 10.12). 

2. Sim, o cristão deve vigiar sempre (Mt 26.41, 1 Co 10.12, 1 Ts 5.17) e é claro que pecar e se desviar traz consequências danosas para nossa saúde espiritual e para a nossa vida pessoal (Ez 18.24). Porém, isso não quer dizer que pagaremos pelos nossos pecados com a perda da salvação, porque Cristo perdoa nossos pecados (1 Jo 1.9) e já pagou por eles na cruz. Quem nos separará do amor de Cristo (Rm 8.33-35,37-39)?

3. O verdadeiro salvo, quando peca, sempre pede perdão a Deus e volta às veredas da justiça (Lc 15.32, Sl 51). Porém, aquele que se diz salvo, porém ama pecar, nunca foi salvo (1 Jo 2.18,19; Jo 8.32), pois a santificação, processo de consagração constante a Deus, é o que nos dá certeza da Salvação, evidenciando-a (1 Jo 2.3-6). Deus é fiel para cumprir a obra da salvação na vida dos seus filhos e os preserva ao longo de toda vida com sua graça (Fp 1.6, Hb 10.23, 1 Co 1.8,9). Portanto, a salvação não é certificada no começo, isto é, na regeneração, mas no fim (Mt 24.13).
2. SOBRE OS DONS ESPIRITUAIS

2.1. CONTINUACIONISMO

A DF professa e ensina que “os dons do Espírito Santo são atuais e presentes na vida da Igreja (...) São recursos sobrenaturais do Espírito Santo operados por meio dos seres humanos, os crentes em Jesus, enquanto a Igreja estiver na terra” (página 171). Assim, a Assembleia demonstra seguir a corrente continuacionista acerca da atualidade dos dons espirituais, entre eles, o dom de curar (cap. XX, ponto 4), o dom de falar em línguas e o dom de profetizar (cap. XX, ponto 5). O continuacionismo é a crença de que todos os dons espirituais, incluindo curas, línguas e milagres, ainda estão em operação hoje, exatamente como estavam nos dias da igreja primitiva.

2.2. OS DONS AO LONGO DA HISTÓRIA

Em contrapartida, façamos uma cronologia histórica dos dons espirituais com base nas afirmações de homens de Deus que marcaram a vida da Igreja.

1. Agostinho (354-430)

“Nos tempos antigos, o Espírito Santo veio sobre os crentes e eles falaram em línguas que não haviam aprendido, conforme o Espírito concediam que falassem. Aquilo foi o sinal do Espírito Santo em todos os idiomas para mostrar que o Evangelho de Deus era para ser espalhado a todas as línguas sobre a terra. Isto foi feito por um sinal, e o sinal findou.” (Fonte: Agostinho. Homilias sobre a Primeira Epístola de João, 6.10. Cf. Schaff, NPNF, First Series, 7:497-98)

2. Martinho Lutero (1483-1546)

“Na Igreja primitiva, o Espírito Santo foi enviado de forma visível. Ele desceu sobre Cristo na forma de uma pomba, e à semelhança de fogo sobre os apóstolos e outros crentes. Esse derramamento visível do Espírito Santo foi necessário para o estabelecimento da Igreja primitiva, como também foram necessários os milagres que acompanharam o dom do Espírito Santo. Paulo explicou o propósito destes dons miraculosos do Espírito em 1 Coríntios 14:22, “as línguas são um sinal, não para os que creem, mas para os que não creem”.  Uma vez que a Igreja tinha sido estabelecida e devidamente anunciada por estes milagres, a aparência visível do Espírito Santo cessou.” (Fonte: Martinho Lutero, traduzido por Theodore Graebner [Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1949], p. 150-172. A respeito do comentário de Lutero sobre Gálatas 4.6)

3. João Calvino (1509-1564)

“Embora Cristo não declare expressamente se Ele pretende que esse dom [de milagres] seja temporário ou permaneça perpetuamente na Igreja, é mais provável que os milagres tenham sido prometidos apenas por um tempo, para dar brilho ao evangelho enquanto ele era novo ou em estado de obscuridade.” (Fonte: João Calvino, Comentário sobre os Evangelhos Sinóticos, III: 389.)

4. Mattew Henry (1662-1714)

“O dom de línguas foi um novo produto do espírito de profecia e dado por uma razão particular: mostrar [aos judeus] que todas as nações podem ser conduzidas à igreja. Estes e outros sinais da profecia, começaram como sinais, e há muito cessaram e foram deixados para trás, e nós não temos nenhum incentivo para esperar um avivamento deles; mas, pelo contrário, somos direcionados para o chamado das Escrituras, a mais certa palavra de profecia, mais certa que vozes dos céus, a qual nos orienta a tomar cuidado, a buscá-la e firmarmo-nos nela.” (Fonte: Mattew Henry, Prefácio ao Vol IV de sua Exposição do At e NT, vii.).

5. Jonathan Edwards (1703-1758)

“Nos dias de sua [Jesus] encarnação, os seus discípulos tinham uma medida dos dons miraculosos do Espírito, sendo habilitados desta forma para ensinar e fazer milagres. Mas, depois da ressurreição e ascensão, ocorreu o mais completo e notável derramamento do Espírito em seus dons milagrosos que já existiu, começando com o dia de Pentecostes, depois da ressureição Cristo e Sua ascensão ao céu. E, em consequência disto, não somente aqui e ali uma pessoa extraordinária era dotada de dons extraordinários, mas eles eram comuns na igreja, e assim continuou durante a vida dos apóstolos, ou até a morte do último deles, mesmo o apóstolo João, que viveu por cerca de cem anos desde nascimento de Cristo, de modo que os primeiros cem anos da era cristã, ou o primeiro século, foi a era dos milagres. Mas, logo após a finalização do cânon da Escritura quando o apóstolo João escreveu o livro do Apocalipse, não muito antes de sua morte, os dons miraculosos tiveram seu fim na igreja. Pois, agora, a revelação escrita da mente e da vontade de Deus estava completa e estabelecida. Revelação na qual Deus havia perfeitamente gravado uma regra permanente e totalmente suficiente para Sua igreja em todas as eras. Com a igreja e a nação judaica derrotadas, e a igreja cristã e a última dispensação da igreja de Deus estabelecidas, os dons miraculosos do Espírito já não eram mais necessários e, portanto, eles cessaram; pois embora eles tenham continuado na igreja por tantas eras, eles se extinguiram, e Deus fez com que fossem extintos porque já não havia ocasião favorável a eles. E assim foi cumprido o que está dito no texto: “Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá”.  E agora parece ser o fim para todos os frutos do Espírito tais como estes, e não temos mais razão de esperar que voltem.” (Fonte: Jonathan Edwards, sermão intitulado “O Espírito Santo deve ser comunicado ao Santos para sempre, In na graça da caridade, ou amor divino”, em 1 Coríntios 13:8). 

2.3. CESSACIONISMO

Nesse sentido, concluímos que os relatos de tais homens seguem a visão do Cessacionismo, na qual formula-se que parte dos chamados dons do Espírito Santo, tais como profecias, línguas e curas, apesar de terem sido de fundamental utilidade e importância nos primórdios da igreja cristã, cessaram de existir ainda no período da Igreja Primitiva. Entendem os cessacionistas que tais e restritos dons serviram a um propósito, isto é, a fundação da Igreja Primitiva, momento que os apóstolos teriam que cumprir o ide sem possuírem qualificação de doutores ou mestres. Assim, o encerramento do livro teria tornado dispensável a existência dos dons milagrosos e de profecias.

2.4. REFUTAÇÃO AO CONTINUISMO

2.4.1. 1ª AFIRMAÇÃO

A DF diz que os “dons de curas são manifestações do poder do Espírito Santo que operam de maneira multiforme para cura de doenças e enfermidades do corpo, da alma ou psicossomáticas, sempre concedidas pelo Espírito Santo à pessoa que irá ministrá-la” (cap. XX, ponto 4). E, por crerem na atualidade dos dons, as curas podem ser ministradas até hoje.

Porém, é importante destacar que os dons de cura tinham um propósito. Vemos nas Escrituras que a cura era associada com o ministério de Jesus e dos apóstolos (Lc 9.1-2). E vemos que à medida em que a era dos apóstolos chegou a um fim, a cura tornou-se menos frequente. Isto porque o dom de cura e de realização de milagres teve o propósito de autenticar o apostolado. E, ao final da era apostólica, a ministração de sinais e prodígios adicionais tornaram-se progressivamente desnecessários.

Vale ressaltar que os cessacionistas creem plenamente em milagres, curas e todo o tipo de maravilhas e sinais nos dias de hoje, desde que operados diretamente por Deus, e não por intermédio de outrém, como um dom.

2.4.2. 2ª AFIRMAÇÃO

A DF, inicialmente, afirma que “não necessitamos de uma nova revelação extraordinária (...) para nosso crescimento espiritual (...) O livro de Provérbios reafirma a inteireza e a pureza da Bíblia Sagrada: ‘Nada acrescentes às suas palavras, para que não te repreenda, e sejas achado mentiroso’ (Pv 30.6)” (cap. I, ponto 6) e com isso parece defender a Sola Scriptura, que diz:

“Reafirmamos a Escritura inerrante, como fonte única de revelação divina escrita, única para constranger a consciência. A Bíblia sozinha ensina tudo o que é necessário para nossa salvação do pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado. 

Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de um crente, que o Espírito Santo fale independentemente de, ou contrariando, o que está exposto na Bíblia, ou que a experiência pessoal possa ser veículo de revelação.” (Declaração de Cambridge, Tese 1: Sola Scriptura)

Entretanto, posteriormente, a DF passa a afirmar que “Deus fala conosco por meio de sua palavra (pregação e ensino) e das manifestações dos dons espirituais” (cap. XV, ponto 1), tornando incoerente sua defesa inicial da Sola Scriptura e deixando clara a crença de que, ainda hoje, Deus pode falar através de experiências interpessoais de revelação profética. 

Porém, o cessacionismo defende que, com o cânon bíblico fechado, o termo “profecia”, que é a mensagem de Deus para o seu povo, passa a se referir, agora, às Escrituras Sagradas e profeta é o pregador que, através da Palavra, edifica, exorta e consola (1 Co 14.3). “O dom de profecia”, diz o Rev. Augustus Nicodemus, importante defensor do Cessacionismo no Brasil, “continua hoje, conforme entendo, mas somente enquanto exortação, consolo, confrontação pela Palavra. Já o aspecto revelatório da profecia que vemos, por exemplo, em João ao escrever Apocalipse, ou em Paulo e Pedro ao prever como será o futuro, a vinda de Cristo, a ressurreição dos mortos etc., isso certamente não faz parte da profecia de hoje. Já cessou”.

2.4.3. 3ª AFIRMAÇÃO

A Assembleia de Deus também acredita na atualidade do dom de línguas e no seu papel como evidência inicial do batismo no Espírito Santo (p. 165) e, por esse motivo, a busca por esse dom é bastante incentivada pela Igreja. Além disso, creem que a natureza dessas línguas pode ser humana ou celestial (p. 168). Acerca disso, elencam-se os esclarecimentos.

1. O dom de línguas teve um propósito temporário e nasceu como um sinal para a descrente Israel de que a salvação de Deus estava agora disponível para outras nações (1 Co 14.21-22; Is 28.11-12). A observação atual confirma que o milagre de línguas cessou. Se esse dom, em sua forma pura, ainda estivesse disponível hoje, não haveria necessidade de missionários frequentarem uma escola de línguas. Os missionários seriam capazes de viajar para qualquer país e falar qualquer língua fluentemente, assim como os apóstolos foram capazes de fazer em Atos 2. 

2. O dom de línguas possibilitava a pregação da Palavra de Deus em línguas estrangeiras, isto é, idiomas (At 2.6-11), para mostrar que Deus pode capacitar uma pessoa a pregar sua Palavra numa língua estrangeira, a qual ele nunca estudou. Nesse sentido, vale ressaltar que a língua dos anjos citada em 1 Coríntios 13.1 é uma figura de linguagem denominada hipérbole, utilizada na passagem para explicar a supremacia do amor em relação aos dons espirituais.

2.5. A PROFECIA DO PENTECOSTES

A Assembleia de Deus acredita na continuidade e na atualidade dos dons com base na profecia de Joel 2.28-32 e Atos 2.16-21, 39. Porém, alguns pontos têm sido interpretados de maneira errada. Assim, segue-se a interpretação adequada.

28. E há de ser que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões.  29. E também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito.  30. E mostrarei prodígios no céu, e na terra, sangue e fogo, e colunas de fumaça.  31. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. 32. E há de ser que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque no monte Sião e em Jerusalém haverá livramento, assim como disse o Senhor, e entre os sobreviventes, aqueles que o Senhor chamar. (Joel 2:28-32)

v.28,29. “Depois”, expressão também conhecida por “últimos dias” (At 2.17), se refere aos tempos de Pedro, isto é, a Igreja Primitiva. E isso se deduz a partir do momento em que ele usa essa profecia para explicar o que estava acontecendo em seus dias. “Toda a carne” prenuncia a inclusão de judeus e gentios em um só corpo, o Corpo de Cristo (Ef 2.11-3.6). “Vossos filhos e vossas filhas (...)” dizem respeito a uma era em que o derramamento do Espírito manifestaria o poder de Deus em todos, sem distinção de gênero, idade ou classe social. 

v.30,31. Os prodígios celestes descritos nesse trecho acontecerão antes do grande e terrível dia do Senhor, o que é uma referência ao fim dos tempos.

v.32. Aquele que invoca o nome do Senhor, ou seja, que se arrepende e crê, será salvo no Dia do Senhor. Ao mesmo tempo, essas palavras também se aplicam à libertação espiritual de povos arrependidos em qualquer período da história humana.

2.6. SOBRE O BATISMO NO ESPÍRITO SANTO

2.6.1. 1ª REFUTAÇÃO

O capítulo XX da DF afirma que “o batismo no Espírito Santo é um dom”. Já o capítulo XIX diz que o batismo no Espírito Santo “trata-se de uma experiência espiritual que ocorre após ou junto à regeneração” e “é algo distinto do novo nascimento”. Acerca disso, a teologia reformada diz que o batismo com o Espírito Santo é o ato único e restritivo aos que nasceram de novo, ou seja, aos que foram levados pelo Espírito a Cristo para a salvação. Diante disso, podemos dizer que uma das finalidades do batismo com o Espírito Santo é a inclusão do cristão no corpo de Cristo, que é composta de todos os salvos. A carta paulina aos Efésios deixa claro que o batismo com o Espírito Santo é o penhor da nossa herança e o selo desta promessa: “Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória” (1.13,14).

2.6.2. 2ª REFUTAÇÃO

A DF também afirma que “o falar em línguas é a evidência inicial desse batismo” (p. 165, l. 12). Porém, não há nenhum sinal externo específico para aquele que foi batizado com o Espírito Santo. Quando se fala que não há nenhum sinal externo, é bom que fique claro que se refere a manifestações sobrenaturais como evidência de ter se recebido tal batismo. Agora, é claro que aquele que foi batizado pelo Espírito Santo no ato de sua conversão, começa a evidenciar mudanças profundas em seu caráter e modo de vida. O que se pode dizer com certeza é que os sinais que atestam esta experiência são os mesmos da conversão, isto é, o fruto do Espírito (Gl 5.22)

2.6.3. 3ª REFUTAÇÃO

A Assembleia de Deus trata o batismo com o Espírito Santo com tanta seriedade a ponto de apresentar isso como critério para a ordenação de obreiros (p. 137, l. 1-3), sob a referência de que os obreiros devem “ser cheios do Espírito” (At 6.3) e que a principal função do batismo com o Espírito Santo é habilitar o Cristão a realizar o ide (p. 166, l. 13-14). Quanto a isso, temos que não é necessário falar em línguas para anunciar o evangelho. Ser salvo, isto é, ter o Espírito Santo, já nos dá o dever de anunciar a Cristo (Mc 5.18-20; Jo 4.28-29). Além disso, não falar em línguas não deveria impedir alguém de fazer a obra de Deus, uma vez que em 1 Tm 3.1-13, que apresenta critérios para cargos relevantes como o episcopado, o diaconado e o pastoreado, não tem como critério falar em línguas, mas sim uma vida irrepreensível, que é o que realmente caracteriza alguém como cheio do Espírito Santo.
3. SOBRE O FIM DOS TEMPOS

3.1. PRÉ-MILENISMO DISPENSACIONALISTA

A DF apresenta, em seus capítulos XXII e XXIII, um enredo sobre o fim dos tempos semelhante à corrente escatológica pré-milenista dispensacionalista.

De acordo com essa corrente escatológica, Cristo voltará duas vezes. A primeira volta será uma vinda somente para a igreja, antes da Grande Tribulação, resultando no arrebatamento dos santos. Este rapto será secreto (o mundo não verá) e iminente (pode ocorrer a qualquer momento). A primeira vinda resultará também na primeira ressurreição, que envolve apenas os que morreram em Cristo. Logo em seguida ao arrebatamento, ocorrerá no céu o primeiro julgamento, chamado de Tribunal de Cristo. Este terá como objetivo a distribuição de galardões para os crentes arrebatados.

Posteriormente, enquanto os salvos estiverem festejando no céu as Bodas do cordeiro, o Anticristo (a besta) surgirá com o Falso profeta e fará um concerto (na verdade, um governo mundial) de sete anos com Israel. Entretanto, na metade desse período, o concerto será rompido e Jerusalém, após ter sido enganada, será tomada e a grande apostasia será deflagrada, dando início à Grande Tribulação em toda terra. Vale ressaltar que nesse momento, a salvação passa a ser um prêmio pelo martírio daqueles que rejeitarem o governo do anticristo. No fim desta Tribulação, acontecerá a Segunda Volta de Cristo com todos os seus santos.

Nesta Segunda volta se dará a Batalha do Armagedom, onde Jesus destruirá a besta e o falso profeta. Após isso, instaurará o Tribunal das Nações (segundo julgamento), trazendo ira e vingança contra as nações que se colocaram contra Jerusalém e ainda promoverá a ressurreição dos santos (segunda ressurreição) que morreram durante a tribulação e aprisionará Satanás por mil anos. A partir deste momento, terá início o reino milenar de Cristo. Jerusalém será a sede deste reino e todos os vivos da terra serão seus cidadãos. E então, não haverá mais pecado, nem morte, mas sim prosperidade e longevidade. 

Com o fim do milênio, Satanás será solto, mas rapidamente lançado no lago de fogo, onde já se encontram a besta e o falso profeta. Depois, os ímpios ressuscitarão (terceira ressurreição) para serem julgados (terceiro julgamento), condenados e destinados ao inferno. E, finalmente, os salvos terão seu destino, o novo céu e a nova terra.

3.2. AMILENISMO

De acordo com o amilenismo, o primeiro evento a acontecer é a grande tribulação (com a igreja na terra) e o surgimento do anticristo, ocasionando a apostasia de muitos cristãos e grande angústia na terra. Depois, Cristo volta, em um evento único e visível a todos, e nessa vinda, acontece o arrebatamento. Em seguida, acontece a ressurreição geral de salvos e ímpios para serem julgados no Tribunal de Cristo. Assim, os salvos recebem a vida eterna para reinarem com Deus no novo céu e na nova terra e os ímpios a recebem a condenação eterna e são lançados no inferno com Satanás e seus aliados derrotados.

Para os amilenistas, a Igreja é o verdadeiro Israel de Deus, pois Deus tem apenas um povo. O milênio não é um reino literal de mil anos, mas sim um reino espiritual que começou na primeira vinda de Cristo, isto é, desde a ressurreição e ascensão de Jesus Cristo, e terminará na segunda vinda de Cristo. E a prisão de Satanás significa, simplesmente, que ele não pode conter o avanço do evangelho de Cristo.

3.3. REFUTAÇÃO AO DISPENSACIONALISMO

3.3.1. 1ª AFIRMAÇÃO

Primeiro, temos a afirmação de que a vinda de Cristo terá duas fases e será invisível ao mundo. Porém, a Palavra de Cristo mostra que Sua Segunda Vinda será um evento único, visível e tangente à toda humanidade. Ap 1.7 diz claramente: “Eis que vem com a nuvens e todo o olho o verá, até os mesmos que o traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Sim. Amém.” 

3.3.2. 2ª AFIRMAÇÃO

Segundo, temos a afirmação de que na segunda volta de Cristo, os mártires da grande tribulação serão salvos, como um remanescente que se vale de uma segunda chance. Porém, em 2 Tessalonicenses 1.3-12, Paulo nos mostra que quando Jesus voltar, todos os que, até este momento, não se decidiram por Jesus, serão lançados no fogo do inferno. Não haverá segunda chance, nem oportunidade de arrependimento, pois o Senhor vem trazendo vingança contra “aqueles que não obedecem ao evangelho de Cristo”.

3.3.3. 3ª AFIRMAÇÃO

Terceiro, temos a afirmação de que haverá mais de uma ressurreição e que a ressurreição dos ímpios e dos justos ocorrerão em momentos diferentes. Porém, em João 5.27-29, lemos que tanto os justos quanto os ímpios ressuscitarão no mesmo dia, sendo que, os justos para a vida e os ímpios para a morte. Da mesma forma, Em Daniel 12.2, nos é dito que tanto salvos quanto condenados ressuscitarão no mesmo momento. 

3.3.4. 4ª AFIRMAÇÃO

Quarto, temos a afirmação de que haverá mais de um julgamento, isto é, o julgamento dos ímpios e dos justos ocorrerão em momentos diferentes. Porém, todos os textos que fazem referência ao Juízo escatológico apontam para um evento único, o qual será pronunciado sobre a humanidade no último dia. Em Mateus 25.31-43, toda humanidade, dividida em dois grupos – os salvos e perdidos – será citada e tomará lugar diante do Tribunal de Cristo. Em 1 Coríntios 4.5, tanto os filhos das trevas, quanto os salvos serão manifestos diante do Tribunal de Cristo para receber de Deus o galardão ou a reprimenda.

3.3.5. 5ª AFIRMAÇÃO

Por fim, temos a afirmação de que a igreja será poupada da Grande Tribulação. Porém, segundo o sermão profético dado por Jesus, a igreja passará grande tribulação, a qual será interrompida pela sua volta (Mt 24.21-29). Da mesma forma, o apóstolo Paulo fala da Grande Tribulação que irá acometer a igreja nos dias que antecedem a volta de Cristo. Em 2 Ts 2.3, ele declara: “Ninguém de modo nenhum vos engane, porque isto (a volta de Cristo) não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia, e seja revelado o homem da iniquidade, o filho da perdição”. E, finalmente, em Ap 7.13-14 nos é dito que os crentes no céu saíram da Grande Tribulação. 
4. O PONTO FRACO

Todo o problema que envolve essas doutrinas da DF tem resposta em sua deficiência hermenêutica, a qual pode ser classificada como um misto de hermenêutica alegórica e hermenêutica literalista.

A corrente alegórica trata-se de um dos mais antigos métodos de interpretação de que se tem conhecimento, e surgiu nos séculos que sucederam à era apostólica. Os defensores deste método diziam que o verdadeiro sentido jazia sob o significado literal da Escritura, isto é, era oculto. 

Orígenis (185-254), grande representante desta corrente, cria ser as Escrituras uma vasta alegoria, na qual cada detalhe é simbólico, e dava bastante importância à 1 Coríntios 2.6-7 (“falamos a sabedoria de Deus em mistério”), cometendo assim, um erro muito comum entre alguns exegetas, que é dar importância demais a alguns textos bíblicos de forma isolada.

Porém, a corrente reformada, na qual foram baseadas todas as antíteses do presente texto, se apoia nos seguintes princípios:

1) A única regra de fé infalível de interpretação é a própria Escritura. Ou seja, quando houver dúvida sobre o sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto deve ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente;

2) O texto não pode ser estudado isoladamente, mas dentro do seu contexto bíblico geral;

3) Se o texto for obscuro, não deve ser usado como matéria de fé, isto é, respaldo para doutrinas;

4) Toda alegorização deve ser rejeitada como método de interpretação das Escrituras, exceto em caso que o próprio autor afirma se tratar de uma alegoria (Gl 4:24-26);

5) Toda interpretação deve ser dada levando-se em consideração o contexto histórico (a situação para a qual o autor está falando); a análise literária (a natureza, a redação e a estrutura do texto); a análise canônica (citações interbíblicas e comparação canônica) e o propósito do autor no contexto da obra;

6) Toda abordagem literal (literalismo) que não se justificar pelo contexto deve ser rejeitada;

7) Nenhuma interpretação deve ser tida como legítima se coloca a Escritura em contradição com a própria Escritura.

O ponto fraco da Declaração de Fé da Assembleia de Deus consiste, portanto, na sua hermenêutica que, obviamente, não segue os princípios reformados.
5. CONCLUSÃO

Este trabalho não tem a intenção de denunciar, alterar ou criticar a Declaração de Fé da Assembleia de Deus; não tem a pretensão de ser tomado como palavra última em nenhuma matéria teológica, nem impor uma ditadura teológica; e não pretende apontar nenhuma doutrina aqui citada como falsa ou herética. 

Esse trabalho trouxe à luz, apenas, algumas discrepâncias existentes entre a interpretação assembleiana e a interpretação reformada de algumas doutrinas, na intenção de provocar uma reflexão sobre convicções teológicas, trazendo visões diferentes de algumas teses bíblicas e, acima de tudo, visando o conhecimento da Palavra de Deus.

Em suma, portanto, Soli Deo Gloria!

Lâmpada para os meus pés é tua palavra, e luz para o meu caminho” (Salmos 119.105)

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Notas:
1 -   Com o intuito de tornar a leitura menos maçante, usaremos, por vezes, “DF” ao invés de “Declaração de Fé da Assembleia de Deus”

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Autora: Gisllayne Silva
Contato: gis.alt.org@gmail.com
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Regeneração vs. Oração do Pecador

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Se você já se deparou com alguém “evangelizando” pelas ruas e pedindo para que tão somente as pessoas recitem uma oração já preparada em seu panfleto e assim garantam sua salvação, então você já teve contato com a falsa doutrina da “Graça Livre. Nos últimos anos essa posição se tornou bem conhecida devido à influência de gente como John R. Rice, Jack Hyles, Charles Stanley e Zane Hodges. Essas pessoas tentam passar a aparência de que promovem uma espécie de posição de “Sola Gratia. Apesar do nome, a questão é que elas não poderiam estar mais distantes disso. Após um exame minucioso, é fácil descobrir que o grupo troca livremente a palavra graça” por “fé” como se estivessem falando exatamente da mesma coisa. Deixe-me explicar… apesar de a posição da “Graça Livre” parecer tentar admiravelmente proteger a doutrina da “justificação somente por meio  da fé”, no processo ela acaba deixando de lado a doutrina bíblica da “salvação somente pela graça”. Para surpresa de absolutamente ninguém, essas pessoas se posicionam firmemente contra o conceito de regeneração monergista. E isso está intimamente relacionado ao tópico em questão. Elas rejeitam todas as evidências bíblicas que sugerem que a regeneração precede a fé. Em vez disso, eles vêem a fé como algo que deve contribuir para o preço de sua salvação. Então, embora pareçam estar promovendo uma posição de “Graça Livre”, o fato é que eles não acreditam que a fé surge como um dom de Deus. Se esse é o caso, a salvação não é somente por graça e somente por meio da fé, mas por “graça + fé”. Então, ao final das contas, essa teologia acaba sendo autodestrutiva. Charles Spurgeon certa vez disse:

Lembrem-se disso ou poderão cair no erro de fixar tanto a vossa mente na fé, que é o canal da salvação, ao ponto de esquecer que a graça é fonte até da própria fé. A fé é a obra da graça de Deus em nós. “Ninguém pode vir a mim, diz Jesus, a menos que o Pai, o qual me enviou, o atrair. A Graça é a primeira e última causa da salvação; e a fé, essencial como seja, é apenas uma parte importante do mecanismo que a graça emprega. Somos salvos “por meio da fé”, mas a salvação é “pela graça”.

Acreditem essas pessoas ou não, é a posição reformada que na verdade abraça uma real Graça Livre (e sem aspas). Isto é porque Deus tanto inicia quando nos dá uma nova vida PARA QUE NÓS POSSAMOS acreditar. Essa nova disposição é o que nos leva ao arrependimento. O arrependimento é necessário para nossa salvação… o próprio evangelho claramente e sem ambiguidade diz isso… isso não é um acréscimo. Mas, é preciso dizer, esse arrependimento certamente não vem da nossa própria habilidade intrínseca natural. A graça de Deus é o que nos permite fazer isso. Se olharmos para 2 Timóteo 2:25, fala de como os crentes devem responder às pessoas que se opõem ao evangelho e o que Deus pode fazer por eles: “Instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura DEUS LHE DARÁ ARREPENDIMENTO para conhecerem a verdade”.

Em outras palavras, o arrependimento é algo que é concedido por Deus – o resultado que naturalmente procede do fato de Deus ter aberto os nossos olhos e nos mostrado a nossa necessidade de Cristo à luz de Sua santidade, beleza e excelência. Um homem não regenerado não pode apreender tais verdades espirituais (1 Coríntios 2:14). Quando 2 Timóteo 2:25 diz que a ação da graça de Deus os leva a “um conhecimento da verdade”, isso está se referindo claramente à salvação. Não é algo que surge a partir de nós mesmos em nossas naturezas não-regeneradas. E no que consiste esse arrependimento? Primeiro, é um arrependimento de toda confiança que colocamos em nossa própria capacidade de nos salvar. Isto é, um arrependimento completo da confiança que colocávamos em nossas “boas” obras. É um completo e humilde reconhecimento que parte do Espírito Santo de que somos espiritualmente impotentes. Em seguida, devido ao fato de a regeneração ter iluminado nossa compreensão espiritual, circuncidado o nosso coração, curado nossos ouvidos surdos, aberto nossos olhos espirituais e implantado novas afeições, portanto, agora amamos a Deus mais do que amávamos ao pecado antes. Deus opera o arrependimento em nós, pois o objeto de nossas afeições foi mudado. Ninguém diz que Jesus é o Senhor senão pelo Espírito Santo. Então isso significa que não queremos mais viver um estilo de vida de pecado ininterrupto. O poder do pecado foi quebrado. Aqueles que continuam em um estilo de vida de pecado podem realmente não ter garantia alguma de sua salvação. As pessoas que negam a precedência da regeneração em relação a fé estão promovendo a perigosa teologia antinomiana que parece sustentar uma versão corrompida da doutrina da Eterna Segurança. Esse grupo abraça o conceito de que qualquer pessoa que já tenha repetido a oração do pecador numa tarde de evangelismo provavelmente foi salva e ainda que mais tarde ela venha se revelar ateia ou budista, isso não importa, afinal de contas ela já está dentro do grupo dos salvos.

A visão da maioria dos cristãos através da história da igreja é que as Sagradas Escrituras nunca afirmam tal coisa. Há avisos claros contra aqueles que fazem profissões (falsas) e vivem em pecado ininterrupto. 1 João 2:19 ensina que aqueles que deixam a fé nunca fizeram parte dela para começar. E Jesus também diz:

Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade. (Mateus 7:21-23)

Observe que o texto diz que Ele nunca os conheceu. Não diz aos falsos professos que Ele os conheceu e deixou de conhecê-los mais tarde. Não, diz “eu nunca te conheci”. Isso significa que existem pessoas que acreditam em Cristo mas de maneira imprópria e não-salvífica. Isso deve ser decepcionante, mas se nos apegarmos às promessas de Deus, obteremos grande consolo, porque a nossa regeneração muda a disposição de nossos corações, da hostilidade ao afeto por Cristo, e nos implanta um princípio de perseverança. O cristão, apesar de poder cometer graves pecados, não pode viver continuamente neles. Pelo contrário, tanto a fé como o desejo de obedecer possuem uma natureza contínua. Deus encoraja e disciplina aos que Ele ama, para que eles continuem em sua fé. Em 1 Coríntios 11:31,32, Paulo diz: “Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo”. Uma pessoa que se recusa a se arrepender do pecado, como uma professa cristã, pode eventualmente vir a ser excomungada, com na esperança de que ela seja reconciliada/restaurada à comunhão por meio do arrependimento. Não podemos dizer a alguém que vive em pecado que eles podem ter segurança da salvação. Fazer isso não faz nenhum bem à pessoa em questão. É totalmente prejudicial.

Geralmente essas pessoas definem os que acreditam no Senhorio de Cristo como indivíduos que acreditam na necessidade da disposição de abandonar os pecados ou de entregar a vida a Cristo para ser salvo. Ao criticá-los, os antinomianos vêem essas coisas como desnecessárias para a salvação, como um acréscimo ao evangelho. Em outras palavras, podemos nos apegar aos pecados e não ter desejo algum de entregar nossas vidas a Cristo, desde que tenhamos feito algum tipo de profissão de fé. Tal crença é horrível e antitética a tudo o que a Bíblia ensina e precisa ser censurada de todas as maneiras. O arrependimento nunca é visto como opcional. Uma pessoa verdadeiramente regenerada desejará acreditar e obedecer. Freqüentemente falharemos miseravelmente, mas o Espírito que habita em nós nos pressiona para a santificação. Um estilo de vida de pecado sem desejo de obedecer a Cristo é um sinal bem óbvio de que a pessoa não é regenerada e se encontra em grande perigo. Mas seja o que for que a nossa consciência nos acuse, podemos nos voltar em fé até Cristo e Ele nos perdoará.

Os antinomianos também acusam os reformados de acreditarem que as promessas da Palavra de Deus, embora necessárias para a segurança, não são suficientes. Ou seja, que é preciso também olhar para as suas obras e que nenhum crente pode ter 100% de garantia de salvação ao apenas olhar para as promessas na Palavra de Deus para o crente. Sério mesmo? Pelo contrário, a posição Reformada é a única que confia na suficiência das promessas de Deus. Aqueles que fazem tais acusações esquecem que a santificação também é uma promessa de Deus ao crente. Veja João 15:16: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.

Cristo antes nos adverte contra não permanecer na videira e diz que aqueles que não o fizerem serão queimados, mas então no versículo 16 Ele afirma que Ele mesmo nos escolheu e nos designou para dar frutos… logo, o verdadeiramente regenerado não acabará no mesmo lugar daqueles que caíram. Cristo garante isso. Cristo não pode perder um crente sequer. Ele intercede por nós (Romanos 8:34) para que não fracassemos. Será que a oração de Cristo pelos seus eleitos pode falhar? Hebreus 7:25 também confirma a oração de Cristo por nós: “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.” Esta é a palavra de Deus e, portanto, quando notamos que nossas obras evidenciam a verdadeira crença, a glória delas vai somente para Deus porque foi Ele quem estabeleceu que daríamos frutos. Esses frutos não nascem de nossa natureza caída. O apóstolo Paulo disse em Efésios 2:10: “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.” O texto apresenta continuamente esta mensagem: que é necessário perseverar e que Deus nos concede a capacidade de fazê-lo. Aqueles que não perseveram não podem viver em segurança.

Então, ao invés do famoso bordão “uma vez salvo, salvo para sempre”, acreditamos que Cristo nunca perderá um cristão. Acreditamos que Ele nos capacitará a perseverar e nos salvará por completo. “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6). Deus concede o desejo de continuar até o fim, sempre lembrando que somos pecadores e que podemos confiar somente em Cristo. Nosso desejo por fé, arrependimento e obediência é um presente da pura graça de Deus, não algo que devemos inventar em nossa carne. A posição antinomiana pensa que se o arrependimento é exigido, então de alguma forma estamos pedindo confiança nas obras. Desculpe-me, mas uma fé verdadeira produz obras porque a regeneração e a santificação são uma obra de Deus. Não é você que decide quando nascer de novo. Não é você quem estabelece o significado de ter um espírito vivificado. Tudo isso é obra de Deus. Aqueles que confiam em sua própria capacidade de ter fé são os que, em última análise, confiam em si mesmos, uma vez que tal fé é produzida à parte do trabalho regenerativo de Deus. Novamente, na posição antinomiana, a fé é um produto da natureza humana não-regenerada. Mas se não é a graça de Deus que te faz nascer de novo (e sim uma cooperação entre o homem e Deus), será que essa graça é realmente livre?

Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.(João 1:12,13)

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Autor: John Hendrix
Fonte: Monergism
Tradução/adaptação: Erving Ximendes
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